Acórdão nº 70085079697 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 01-06-2022

Data de Julgamento01 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo70085079697
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO




ESP

Nº 70085079697 (Nº CNJ: 0021522-44.2021.8.21.7000)

2021/Cível


APELAÇÃO CÍVEL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. estado do rio grande do sul. BOATE KISS. pais DA VÍTIMA. DANO MORAL CONFIGURADO.
1. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público está fundada no parágrafo 6º do art. 37 da Constituição da República, cumprindo verificar se estão presentes os pressupostos do dever de indenizar.

2. Quando presente o dever legal de agir, mas, por falta ou falha no serviço, deixa o ente público de evitar o dano ao administrado, configura-se a responsabilidade subjetiva por omissão, caracterizada pela culpabilidade, nexo de causalidade e o dano.
3. A responsabilidade do Estado restou suficientemente comprovada diante da omissão em adotar as medidas legalmente previstas para garantir a segurança do local e evitar que o evento danoso ocorresse.

4. A falta do exercício adequado do poder de polícia tendente à interdição do estabelecimento, o qual se encontrava com várias irregularidades, serviu de concausa para a tragédia, sendo notória a ausência de alvará do Corpo de Bombeiros, extintores sem o devido funcionamento, inexistência de planejamento de evacuação em caso de emergência de incêndio, assim como a utilização de material inapropriado para isolamento acústico, altamente inflamável.
5. Dano moral que se ostenta in re ipsa. Tendo-se em conta que os autores são pais da vítima, adota-se o parâmetro desta Câmara para fins de arbitramento da indenização, sendo adequado, o valor de R$ 50.000,00 para cada autor.
DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.


Apelação Cível


Sexta Câmara Cível

Nº 70085079697 (Nº CNJ: 0021522-44.2021.8.21.7000)


Comarca de Santa Maria

DANIEL CABREIRA JAQUES


APELANTE

ROZANIA BRAUNER JAQUES


APELANTE

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des.
Gelson Rolim Stocker (Presidente) e Des. Niwton Carpes da Silva.

Porto Alegre, 26 de maio de 2022.


DES.ª ELIZIANA DA SILVEIRA PEREZ,

Relatora.


RELATÓRIO

Des.ª Eliziana da Silveira Perez (RELATORA)

DANIEL CABREIRA JAQUES e ROZANIA BRAUNER JAQUES interpõem recurso de apelação da sentença (fls.
306-314) que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da demanda que move em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Em suas razões (fls.
339-357), refere que o ente público responde de forma objetiva pelos danos resultantes da ação dos agentes públicos sob sua administração, conforme o artigo 37, § 6º, da Constituição da República, não sendo excludente de ilicitude o ato praticado por terceiro. Afirma que tal ato não serviu como única causa para o resultado morte, devendo ser consideradas as concausas. Ressalta que o resultado poderia ter sido evitado se houvessem sido adotadas as medidas de segurança necessárias. Assevera não terem sido emitidos os alvarás de proteção de incêndio de forma adequada, pois a utilização do SIG-PI é ilegal. Argumenta que não houve fiscalização após o vencimento do segundo alvará e que o sistema de proteção de incêndio era falho, tanto que os extintores utilizados não funcionaram.

Requer o provimento do recurso.


Foram oferecidas contrarrazões (fls.
365-388).

Remetidos os autos a esta Corte, os autos foram com vista ao Ministério Público (fls.
19-37 autos 2º grau), que opina pelo conhecimento e provimento do recurso.
É o relatório.

VOTOS

Des.ª Eliziana da Silveira Perez (RELATORA)

Eminentes colegas.


Trata-se de demanda ajuizada por Daniel Cabreira Jaques e Rozania Brauner Jaques, que pretendem indenização por danos morais em virtude do falecimento de seu filho, Danilo Brauner Jacques, na Boate Kiss, quando do incêndio ocorrido em 27-1-2013, no Município de Santa Maria.


Inicialmente, ressalto que as pessoas jurídicas de direito público são responsáveis pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros, conforme prevê a Constituição da República, in verbis:

Art. 37.
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[grifei]

A Constituição da República adotou prioritariamente a teoria do risco administrativo, segundo a qual a indenizabilidade decorre da comprovação da existência de nexo de causalidade entre a conduta e da existência de dano, independente da demonstração da culpa do agente quando se tratar de responsabilidade objetiva, admitida a demonstração de excludentes de responsabilidade.


Quando se trata de responsabilidade civil por ato omissivo do Estado (compreendido em sentido amplo), como ora é imputado pela parte autora ao Estado do Rio Grande do Sul, cumpre diferenciar a omissão específica da omissão genérica.


Na primeira, diante de um fato específico, havia o dever de evitar a ocorrência do dano, o que enseja a responsabilidade objetiva do ente público; na segunda, há o dever legal de agir, mas, por falta ou falha no serviço, deixa de evitar o dano ao administrado, hipótese em que a responsabilidade é subjetiva.

No caso, tenho que a responsabilidade do Estado seja subjetiva, por deixar de ter adotado as medidas legalmente previstas para garantir a segurança do local e evitar que o evento danoso ocorresse.


O Estado do Rio Grande do Sul, assim como o Município de Santa Maria, tal como já foi expendido em diversos outros feitos, deixaram de exercer seu poder de polícia em interditar o estabelecimento, o qual se encontrava com várias irregularidades, sendo notória a ausência de alvará do Corpo de Bombeiros, extintores sem o devido funcionamento, inexistência de planejamento de evacuação em caso de emergência de incêndio, assim como a utilização de material inapropriado para isolamento acústico, altamente inflamável.


Igual notoriedade existe no fato de que a causa para que iniciasse o incêndio foi a utilização de artefato pirotécnico pelo vocalista da banda ?
Gurizada Fandangueira?, o qual, a despeito de ter sido o estopim para que fosse deflagrado o evento danoso, não exclui a responsabilidade dos entes públicos ao argumento de que se trata de fato de terceiro, uma vez evidenciado não ter sido a causa exclusiva para o resultado danoso, bem como a omissão dos entes públicos em adotar as medidas de segurança que lhes competiam poderiam ter evitado a tragédia.

A respeito da cronologia dos fatos, transcrevo o seguinte excerto do voto condutor proferido pela e. Desa.
Elisa Carpim Correa nos autos da apelação nº 70070346077, in verbis:

A Boate Kiss foi inaugurada em 31.07.2009, mesmo tendo expirado o prazo de validade do alvará de proteção e prevenção de incêndio expedido pelo Corpo de Bombeiros.
Nova vistoria só ocorreu em 28.08.2009, com a emissão no mês seguinte do primeiro alvará, que também expirou, continuando a boate a funcionar até 08.08.2010, na mais pura negligência e ilegalidade.

Em 08.11.2010, os proprietários foram notificados a apresentar o certificado de treinamento do pessoal para a situação de possível acidente, que jamais foi entregue.
No mês de fevereiro/2011, os donos solicitaram vistoria do Corpo de Bombeiros, que ocorreu em 11.04.2011, em relação aos extintores, iluminação, saídas e mangueira de gás, manutenção das portas e desobstrução das saídas. Em nova inspeção em 25.07.2011, o sargento responsável atestou o cumprimento das exigências anteriores. O alvará só não foi emitido por falta de pagamento da taxa de inspeção. Paga a taxa, em uma terceira inspeção, no dia 11.08.2001, com tudo regular, foi expedido novo alvará com validade até 11.08.2012. Notificados os proprietários do vencimento do prazo, dias após pagaram nova taxa, o imóvel foi vistoriado, sendo que extintores estavam em perfeitas condições. Porém, no Relatório de Investigação de Sinistros 01/2013, elaborado pela Comissão nomeada para o Inquérito, constatou que os extintores não funcionavam e a última recarga se deu em 10/2012, havendo provas de que o sócio Elissandro Spohr, por questão de estética, retirava os extintores.

Os proprietários da boate foram notificados em 03.12.2012 acerca do vencimento do alvará de prevenção e proteção a incêndio no dia 11.11.2012, com advertência e possível aplicação de multa.
Não obstante isso, o pagamento da taxa de inspeção só foi efetuada em 17.10.2012. Porém, a inspeção não chegou a ser realizada porque, devido ao excesso de demanda, o requerimento entrou em fila de espera de 1036 requerimento, na posição nº 541. Para instrução do Inquérito Civil, também instaurado pelo MP, houve requisição do Promotor de Justiça da comarca de informações das pendências verificadas na inspeção de 11.04.2011, relativas aos extintores de incêndio, iluminação de emergência, saídas de emergência e mangueira de gás.

Tramitava simultaneamente outro inquérito Civil Público que investigava a ocorrência de poluição sonora, tendo sido requisitadas informações em 06.09.2011.
Relatório de medição de pressão sonora elaborado pela 1ª Companhia do 2ª Batalhão de Polícia Ambiental concluiu que os níveis de pressão sonora não atendiam às legislações vigentes, restando caracterizada a poluição sonora. Em Temo de Ajustamento de Condutas firmado com o MP e a proprietária da boate, fixou-se prazo para contratação e elaboração de projeto de isolamento acústico por profissional habilitado. O alvará de localização originalmente expedido autorizou a boate a dar início à sua atividade em...

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