Acórdão nº 70085106722 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 10-06-2022

Data de Julgamento10 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo70085106722
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO




Nº 70085106722 (Nº CNJ: 0024225-45.2021.8.21.7000)

2021/Cível


APELAÇÃO CÍVEL.
DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR.

Do exame de todo o contexto probatório, ressalta inegável a ausência de condições mínimas da genitora de criar os filhos em um lar saudável e livre de risco, confirmando-se a prática da negligência nos cuidados.
Inviável reconhecer que tenha condições de atender aos interesses das crianças, assegurando proteção integral e garantindo um desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente).

A destituição do poder familiar, no caso, encontra suporte no descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22 (?
aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais?), pelo abandono, bem como em razão dos maus-tratos, nos termos do art. 1.638, I e II, do Código Civil.

NEGARAM PROVIMENTO.


Apelação Cível


Oitava Câmara Cível

Nº 70085106722 (Nº CNJ: 0024225-45.2021.8.21.7000)


Comarca de Capão da Canoa

K.M.A.R.S.

.
.
APELANTE

J.M.S.

.
.
APELADO

M.P.

..
APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des.
Ricardo Moreira Lins Pastl e Des. José Antônio Daltoé Cezar.

Porto Alegre, 09 de junho de 2022.


DES. RUI PORTANOVA,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Rui Portanova (RELATOR)

Inicialmente, acolho o relatório de fl. 93:

?
Trata-se de recurso de apelação interposto por KATYUSA MERYLIN ANE contra a sentença proferida pelo Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Capão da Canoa que julgou procedente o pedido formulado nos autos da Ação de Destituição de Poder Familiar proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, para fins de destituir o poder familiar da demandada em relação aos filhos Jeferson Miguel e Vitor Kauã, com amparo no artigo 129, X, do Estatuto da Criança e do Adolescente, combinado com o artigo 1.638, inciso II, do Código Civil, bem como determinar o encaminhamento dos menores à família substituta, na forma de guarda, para posterior adoção.

Em suas razões recursais, sustenta que os filhos vinham sendo cuidados pela tia materna, inexistindo situação de risco capaz de ensejar o acolhimento dos infantes.
Revela que foi mãe aos 14 (quatorze) anos de idade e logo ficou órfã, não obtendo do Estado qualquer assistência. Dessa forma, esclarece que não há como exigir que tenha um nível de organização conforme a média das famílias. Pontua que a falta de recursos materiais não é motivo suficiente para a retirada das crianças do seio familiar, devendo o Estado atuar de forma conjunta para auxiliar pessoa em vulnerabilidade. Nessas condições, destacando que a perda do poder familiar é excepcional, postula a improcedência da demanda (fls. 83/84, verso).

Mantida a decisão (fl. 86) e anexadas as contrarrazões (fls.
88/91, verso), os autos foram remetidos à Procuradoria de Justiça.?

Neste grau, o Ministério Público opinou pelo não provimento da apelação.


É o relatório.

VOTOS

Des. Rui Portanova (RELATOR)

Analisados os autos, adianto que o presente é mais um dos tantos casos em que a grave crise de vulnerabilidade social que assola o País impede que os genitores cumpram com seus deveres decorrentes do poder familiar.


Chega-se ao final do processo e se confirma que a solução que atende ao melhor interesse dos menores é realmente a destituição do poder familiar da genitora apelante.


Razão pela qual, para evitar repetição estéril de argumentação, acolho como razões de decidir a sentença ora atacada, corroborada com o perecer do Ministério Público, neste grau de jurisdição.


A sentença:

?(...)

O Estatuto da Criança e do Adolescente possibilita a destituição do poder familiar nos termos do artigo 24:

Art. 24.
A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previsto na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

Por seu turno, o artigo 22 do mesmo diploma legal, estabelece: ?
Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.?.
Veja-se que os direitos dos infantes foram tutelados judicialmente, com o ingresso das ações protetivas, diante da conduta e modo de vida da genitora, envolvida com o tráfico de drogas, deixando os filhos em situação de abandono, aos cuidados de terceiros.


Em relação a J. M., o Conselho Tutelar recebeu a informação de que o infante se encontrava sob os cuidados de Paula F. F., a qual dizia que o bebê era seu e fugiria com ele.
Já em relação a V. K., foi noticiado que foi deixado sob os cuidados de ?Silvia? há mais de duas semanas e, posteriormente, com a tia Narayane, a qual é conhecida da rede de proteção e deste juízo, de longa data, em decorrência de sua conduta de desorganização e negligência com os próprios filhos, também acolhidos na Casa Lar.

Após o acolhimento dos infantes, a ré não promoveu qualquer medida para reaver a guarda dos filhos, tendo comparecido uma vez no escritório da casa de acolhimento e nunca mais retornado.
Aliás, veja-se que, devidamente intimada para ser ouvida, em juízo, K. sequer foi localizada para ser intimada (fl.67).

Outrossim, conforme relatado no Plano Individual de Atendimento ?
PIA (fls.09/14 e 43/47 do processo apenso), a própria demandada informou estar envolvida com o tráfico de drogas e com este dinheiro poderia ajudar o filho, porém não poderia realizar seus cuidados. Além disso, relatou que somente recebe ajuda de sua irmã Narayane, inexistindo outro familiar que possa auxiliá-la e, diante da ausência de familiares com condições de assumir os cuidados dos infantes, aliado ao fato de que K. não possui condições de exercer os cuidados dos filhos, opinaram pela destituição do poder familiar.

Daniel Carlos Schwank, conselheiro tutelar, em juízo, narrou que atuou no acolhimento de ambos infantes.
Contou que J. M. estava sob os cuidados de vizinhos. Foram informados que K. visitava o filho aos finais de semana. Contou que, quando da intervenção do Conselho Tutelar, a Sra. Paula F. tentou fugir com a criança. J. M. foi localizado machucado, com assaduras e piolhos. Em relação ao menor V. K., constataram que o infante estava sob os cuidados de Narayane, mas no dia do acolhimento estava na companhia da menor Jenifer. Narrou que o núcleo familiar de Narayane é acompanhado de longa data e, nos últimos anos, foi constatada falta de comprometimento de Narayane, tanto com a própria demandada, menor de idade, quanto aos seus filhos e os filhos da irmã. K. relatou ao Conselho Tutelar que atua com o tráfico de drogas. Quando do acolhimento de V. K., Naraiane não estava presente e a criança estava sob os cuidados de adolescentes, apresentando febre e feridas pelo corpo. (depoimento gravado no CD de fl.65).

No mesmo sentido, as declarações da conselheira tutelar Kely Francine Martins, a qual acrescentou que K. nunca cuidou dos filhos, sempre deixando-os sob os cuidados de terceiros, dizendo que J. M. ficava com uma vizinha, enquanto V. K. com a tia Naraiane.
A genitora de K. é falecida, enquanto Naraiane, irmã mais velho de K. também possui filhos acolhidos na Casa Lar. Tentaram contato com a família extensa, bem como tentaram que Naraiane ficasse com os filhos de K., mas ela não estava dando conta nem dos filhos dela, tanto que restaram acolhidos. (depoimento gravado no CD de fl.65).

Rita de Cassia Borba, assistente social da casa de acolhimento, em juízo, disse que as crianças foram acolhidas em decorrência de negligência da genitora, a qual compareceu uma vez na Casa Lar, dizendo que estava grávida e não soube declinar o endereço, pois estava ?
morando por ai?. Não tiveram contato com K. desde julho/2019. Afirmou que Naraiane não possui condições de assumir os cuidados dos filhos e sobrinhos, dizendo que, até a data da audiência, nem Naraiane sabia a localização de K. A equipe técnica da Casa Lar não é favorável ao retorno dos infantes ao núcleo familiar, afirmando que a ré não possui vínculo com os filhos (depoimento gravado no CD de fl.65).

Paula Bobsin dos Santos, psicóloga da Casa Lar, em juízo, narrou que, nas poucas visitas realizadas, V. K. chamava K. de tia, inexistindo vínculo e comprometimento de K. visando obter a guarda dos filhos.
As últimas notícias sobre K. é que ela estava grávida, envolvida com drogas e morando na invasão. Estiveram várias vezes na invasão Vale Verde e nunca conseguiram localizar K. Os infantes chegaram na casa de acolhimento em situação precária. Disse que nem a requerida, nem Naraiane, indicaram familiares com interesse ou condições de assumirem os cuidados dos infantes. Antes do acolhimento, V. K. comparecia na casa, na companhia de Naraiane, a qual possui os filhos acolhidos. No último contato com Naraiane, esta afirmou que empreenderia esforços pelos seus filhos, devendo K. buscar pelos seus. Afirma que inexistem condições dos infantes retornarem ao núcleo familiar (depoimento gravado...

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