Acórdão nº 70085148674 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 31-03-2022
Data de Julgamento | 31 Março 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Conflito de Jurisdição |
Número do processo | 70085148674 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Terceira Câmara Criminal |
PODER JUDICIÁRIO
LAL
Nº 70085148674 (Nº CNJ: 0028420-73.2021.8.21.7000)
2021/Crime
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. LESÃO CORPORAL COMETIDA POR SOBRINHA CONTRA TIA. AUSÊNCIA DE CONDUTA PERPRETADA EM RAZÃO DO GÊNERO. INEXISTÊNCIA DE VULNERABILIDADE CAPAZ DE FAZER INCIDIR A LEI 11.430/06.
1. A Lei Maria da Penha objetiva proteger a mulher da violência doméstica e familiar, cometida no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial.
2. Hipótese de prática delitiva perpetrada por sobrinha contra a tia, que não se enquadra no conceito de violência doméstica. Agressora que é empregada da vítima
CONFLITO JULGADO IMPROCEDENTE.
Conflito de Jurisdição
Terceira Câmara Criminal
Nº 70085148674 (Nº CNJ: 0028420-73.2021.8.21.7000)
Comarca de Canoas
J.D.J.C.C.
..
SUSCITANTE
J.D.J.V.D.C.C.
..
SUSCITADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar improcedente o conflito negativo de competência ao efeito de reconhecer como competente o Juizado Especial Criminal adjunto à 4ª Vara Criminal da Comarca de Canoas (suscitante).
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Rosane Wanner da Silva Bordasch e Dr. Leandro Augusto Sassi.
Porto Alegre, 25 de março de 2022.
DES. LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Luciano André Losekann (RELATOR)
Cuida-se de conflito (negativo) de competência suscitado pelo Juízo do Juizado Especial Criminal adjunto à 4ª Vara Criminal da Comarca de Canoas em face do Juízo do Juizado da Violência Doméstica da mesma Comarca.
Afirma o suscitante que o feito foi redistribuído ao Juízo sob alegação de que a matéria constante no processo originário não se relacionaria à Lei Maria da Penha. Alega que a Lei 11.340/06 afastou a incidência do rito dos Juizados Especiais Criminais e respectivos benefícios da Lei 9.099/95 aos delitos cometidos no âmbito da violência doméstica. Aduz que o delito a que se refere o processo penal enquadra-se como violência doméstica e familiar, não podendo ser processado pelo JECrim, sendo a competência, portanto, do Juizado da Violência Doméstica.
A decisão do juízo suscitado, que determinou a remessa do feito ao suscitante, referiu que a Lei 11.340/06 trata dos delitos praticados na unidade doméstica em que a ação ou omissão está baseada no gênero. Afirmou, nesse sentido, que o fato delituoso não se relaciona à violência de gênero e não se amolda aos objetivos e à principiologia da Lei Maria da Penha.
Nesta instância, o Ministério Público, através do Ilustre Procurador de Justiça, Dr. Fábio Roque Sbardellotto, manifestou-se pela improcedência do conflito de jurisdição (fls. 33/35).
É o relatório.
VOTOS
Des. Luciano André Losekann (RELATOR)
Conheço do presente conflito de competência, por adequado e tempestivo.
Trata-se, como acima visto, de conflito negativo de competência instaurado entre o JECRIM e o Juizado Especial da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Canoas, no qual se discute, fundamentalmente, sobre enquadrarem-se ou não os fatos subjacentes aos ditames da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).
Entendo, já de início, que o juízo suscitado afastou acertadamente a incidência da Lei nº 11.340/06 na espécie, fundamentando a decisão na pressuposição de que as agressões não foram perpetradas em situação de vulnerabilidade, nem decorreram de questões de gênero. Nesse sentido, transcrevo trecho da r. decisão porfiada (fls. 28v e 29):
Vistos.
Ciente da decisão proferida pela magistrada plantonista.
Pois bem, não é o caso de aplicação da Lei Maria da Penha à hipótese sub judice.
Com efeito, para a incidência da Lei nº 11.340/06, imperioso que restem configurados os seguintes requisitos: (a) a violência deve ser praticada contra a mulher; (b) o fato tenha se dado no âmbito da unidade doméstica, da família ou, ainda, seja decorrente de relação íntima de afeto; e (c) a violência sofrida deve ter como motivação a opressão à mulher, ou seja, violência de gênero.
Friso que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher - Convenção de Belém do Pará, de 1994, foi ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995 e define a violência contra a mulher como \"(?) Toda e qualquer ação ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher; no âmbito público, como no privado ou por atuação do Estado ou de seus agentes\".
Dessa forma, não basta que a vítima da agressão seja do sexo feminino, sendo imperioso, para incidência da Lei Protetiva, que a violência praticada tenha por motivação a opressão ao gênero, situação que decorre de uma condição de hipossuficiência e/ou vulnerabilidade da ofendida para com o ofensor.
Na hipótese em análise, verifica-se que a imputada é...
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