Acórdão nº 70085158061 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 16-12-2022

Data de Julgamento16 Dezembro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo70085158061
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO


VFM

Nº 70085158061 (Nº CNJ: 0029359-53.2021.8.21.7000)

2021/Crime


APELAÇÃO CRIME.
LESÃO COORAL QUALIFICADA NO CONTEXTO DOMÉSTICO OU FAMILIAR CONTRA A MULHER.

1. LESÃO COORAL NO AMBIENTE DOMÉSTICO. EXAME DE COO DE DELITO. MATERIALIDADE. Nas infrações penais praticadas no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher, são admitidos como meio de prova os laudos ou os prontuários médicos fornecidos por hospitais e por postos de saúde, conforme disposto no artigo 12, § 3º, da Lei nº 11.340/2006. No caso em voga, os vestígios materiais do delito previsto no artigo 129, § 9º, do Código Penal vieram registrados no atestado médico emitido pelo Hospital Roque Gonzalez do município de Tapera/RS e no auto de exame indireto de corpo de delito. Com efeito, não procede a alegação de ausência de materialidade do fato descrito na denúncia.

2. SENTENÇA CONDENATÓRIA. MANUTENÇÃO. Conjunto probatório colacionado nos autos que se mostrou suficiente a confirmar a materialidade e a autoria delitivas, que recaem na pessoa do recorrente. Vítima que, em ambas as fases da ausculta, prestou declarações firmes e coerentes, confirmando que o ex-companheiro, em meio a ofensas de ?vagabunda, lixo, vadia?, arremessou uma garrafa de vidro em seu pé, bem ainda lhe agrediu com um ?coice? atrás da coxa e puxou os seus braços, causando-lhe ??edema e equimoses, assim como hematomas?. Palavra da ofendida que restou corroborada pelo boletim de ocorrência, pela solicitação de medidas protetivas de urgência, pelo atestado médico emitido pelo Hospital Roque Gonzalez do município de Tapera/RS e pelo laudo pericial indireto, preponderando sobre a tese exculpatória de insuficiência probatória, pois isolada no caderno de provas. Em se tratando de violência praticada no âmbito doméstico e familiar, o relato da vítima assume especial relevância, podendo, em consonância com os demais elementos probatórios, amparar decreto condenatório, nos termos da Recomendação nº 128 do CNJ, do Julgamento sob Perspectiva de Gênero, de 15/02/22.
3. DOSIMETRIA. (a) Pena-base. Após análise das moduladoras do artigo 59 do Código Penal, o Julgador monocrático fixou a basilar em 1 ano e 10 meses de detenção, sopesando em desfavor do réu os antecedentes, a conduta social, a personalidade, os motivos, as circunstâncias e a culpabilidade. Quanto aos antecedentes, motivos, circunstâncias e culpabilidade, prescinde reparos. No aspecto, as Cortes Superiores têm orientado no sentido que se deve, tanto quanto possível, aceitar aquela fixada na sentença. Sua alteração só deve acontecer quando se verificar grave erro na imposição da reprimenda. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Contudo, no que se refere à conduta social, trata-se do papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, no trabalho, da escola, da vizinhança. No caso em apreço, ausentes razões para sua valoração negativa, eis que, em que pese as justificativas utilizadas pelo Sentenciante, não encontro elementos válidos para preservar referida vetorial. De igual modo, no caso sob exame não houve a produção de nenhum elemento concreto a indicar que a diretriz personalidade merecesse valoração negativa, importando lembrar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica sobre a impossibilidade de valorar tal vetorial com lastro no histórico criminal do acusado. Afastadas vetoriais, entendo por redimensionar a pena privativa de liberdade em 10 meses de detenção, quantum que se mostra suficiente para a devida prevenção e reprovação do crime. Na fase intermediária, mantida a agravante do artigo 61, inciso II, alínea ?l?, do Código Penal, porquanto consta nos autos processuais elementos fáticos para a sua aplicação, verificando-se a presença do dolo do acusado no momento em que se embriagou, se colocando naquele estado propositalmente com a intenção de praticar o evento lesivo. Preservado, outrossim, a atenuante da confissão parcial nos termos em que foi aplicada. Pena provisória que vai mantida em 10 meses de detenção. (c) Pena definitiva. À ausência de outras causas modificadoras do apenamento, este se consolidou em 10 meses de detenção, no regime semiaberto.
4. SURSIS. SUSPENSÃO DA PENA. ARTIGO 77 DO CÓDIGO PENAL. Desde que preenchidos os requisitos autorizadores dispostos no artigo 77 do Código Penal, a execução da reprimenda poderá ser suspensa, o que inocorre na espécie.
5. PREQUESTIONAMENTO. O julgador não está obrigado à análise de cada um dos dispositivos de lei federal e da Constituição Federal destacados pelas partes, bastando que fundamente a sua decisão acerca dos questionamentos postos a julgamento na legislação que entende pertinente ao caso.
6. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. CONCESSÃO. Sendo o réu assistido pela Defensoria Pública do Estado, é presumida a sua hipossuficiência econômica, a autorizar, de ofício, a suspensão da exigibilidade das custas processuais. Inteligência do artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil.

APELAÇÃO DEFENSIVA PARCIALMENTE PROVIDA.


Apelação Crime


Segunda Câmara Criminal

Nº 70085158061 (Nº CNJ: 0029359-53.2021.8.21.7000)


Comarca de Ibirubá

F.R.

.
.
APELANTE

M.P.

..
APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Magistrados integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar parcial provimento à apelação defensiva para redimensionar a pena privativa de liberdade para 10 meses de detenção, vencida a Desembargadora Rosaura que dava provimento em maior extensão, e, de ofício, por unanimidade, conceder o benefício da assistência judiciária gratuita, suspendendo a exigibilidade das custas
Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des.
José Antônio Cidade Pitrez (Presidente e Revisor) e Des.ª Rosaura Marques Borba.

Porto Alegre, 12 de dezembro de 2022.


DR.ª VIVIANE DE FARIA MIRANDA,

Relatora.


RELATÓRIO

Na Comarca de Ibirubá/RS, o Ministério Público denunciou FABRÍCIO R., com 21 anos de idade na época dos fatos (nascido em 20/01/1995), pelo suposto cometimento do crime previsto no artigo 129, § 9º, do Código Penal.

É o teor da inicial acusatória (processo 70085158061/RS, fls.
02/03):

FATO DELITUOSO:

No dia 25 de dezembro de 2016, por volta das 05h30min, na Rua (...), nesta cidade, o denunciado FABRICIO R. ofendeu a integridade corporal da vítima BÁRBARA J. F., sua ex-namorada, desferindo contra a mesma, chutes nas regiões da coxa esquerda e braço direito, causando lesão corporal de natureza leve, consistente em ?
braço direito e coxa esquerda apresentando edema e esquimoses?, conforme Laudo Pericial da fl. 19.

Na ocasião, a vítima BÁRBARA J. F. encontrava-se na caminhando na via pública acima nominada, juntamente com o denunciado FABRÍCIO R., momento em que este, motivado por ciúmes e inconformismo com o término do relacionamento, praticou a agressão acima descrita.


O delito foi praticado contra a ex-namorada, razão pela qual incide no caso as disposições da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).


Transcrevo, por oportuno, o relatório da sentença recorrida, por conter as principais ocorrências processuais do caso (processo 70085158061/RS, fl. 69):

A denúncia foi recebida no dia 19-06-2018 (fl.37).


O acusado foi pessoalmente citado no dia 10-08-2018 (fl. 40/v) e apresentou resposta escrita à acusação sem rol de testemunhas (fl. 44).


Durante a instrução (fl. 49), foi ouvida a vítima, bem como foi realizado o interrogatório do acusado.


Encerrada a instrução, foram atualizados os antecedentes criminais do réu (fls.
59-63).

Em alegações finais escritas (fls.
64/65), o MP pediu a procedência da ação penal, com a condenação do réu nos exatos termos da denúncia. Por fim (fls. 67/68), a defesa pediu a absolvição do acusado com fundamento nos incisos III, ou IV do art. 386 do CPP.

Sobreveio a sentença, publicada em 05/03/2020 (fl. 78-verso), que julgou PROCEDENTE a pretensão punitiva contida na denúncia para condenar o réu FABRÍCIO R., como incurso nas sanções do artigo 129, §9º, do Código Penal, à pena de 02 anos de detenção, em regime semiaberto, sendo concedido o direito de recorrer em liberdade.


A reprimenda foi estabelecida nos seguintes termos pelo Sentenciante:

?
O réu é tecnicamente primário, visto que as condenações transitadas em julgado que possui não servem para configurar reincidência, porquanto transitaram em julgado após a prática do fato objeto da presente ação penal. Registra múltiplos antecedentes criminais (condenações definitivas anteriores nos processos n.ºs 046/2.13.0001282-1, 136/2.16.0000464-5 e 136/2.17.0000700-0, certificadas às fls. 59-63). Culpabilidade bem determinada, pois era imputável, tinha potencial consciência da ilicitude e lhe era exigido conduta diversa, sendo a ação do acusado reprovável acima do ordinário. Conduta social desabonada, pois a vítima afirmou que já foi agredida outra vez pelo acusado, ocasião em que ele quase teria lhe matado (condenação definitiva no processo nº 136/2.17.0000700-0). Aparentemente apresenta distúrbio de personalidade, visto que propenso à prática de delitos contra a pessoa e com violência doméstica, propensão essa demonstrada pela certidão de antecedentes das fls. 59-63, que revela que o fato ora em julgamento se afina à individualidade psicológica do réu, que é uma pessoa violenta e agressiva, não se tratando de fato isolado na sua vida pregressa. Muito pelo contrário, pois o acusado, inclusive, já foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, por fato praticado contra policiais. Motivos desfavoráveis, pois o réu agrediu a vítima por não aceitar o fim do relacionamento e por vê-la com outro ?guri? na festa. Circunstâncias desfavoráveis, pois a vítima foi agredida de mais de uma forma. Além disso, não há como ignorar que o réu, além de agredir, ofendeu a vítima. Outrossim, deve ser sopesado contra o réu o fato de que antes de ofender e agredir a vítima, ele jogou uma garrafa...

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