Acórdão nº 70085166866 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 27-09-2022

Data de Julgamento27 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo70085166866
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO


JVS

Nº 70085166866 (Nº CNJ: 0030239-45.2021.8.21.7000)

2021/Crime


APELAÇÃO CRIMINAL.
CRIMES PRATICADOS NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA (1º FATO). DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS (2º FATO). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DEFENSIVA.

I. PRELIMINAR DE NULIDADE POR AFRONTA AO ARTIGO 212 DO CPP.
Segundo o pacífico entendimento do STJ, não há vício a ser sanado nas hipóteses em que, apesar de intimado, o Ministério Público deixa de comparecer à audiência e o Magistrado formula perguntas às testemunhas e aos réus sobre os fatos constantes da denúncia. O parágrafo único do referido dispositivo deixa claro, inclusive, que o Juiz poderá complementar a inquirição sobre pontos não esclarecidos. Ademais, trata-se de nulidade relativa e, no caso dos autos, não houve demonstração de prejuízo à defesa. Preliminar afastada.
II. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. Materialidade e autoria comprovadas. Acusado que descumpriu medida protetiva que o proibia de se comunicar com sua ex-companheira e, além disso, contra ela proferiu ameaças. Palavra da vítima que é digna de credibilidade, especialmente porque amparada por mídia contendo as mensagens de áudio encaminhadas pelo réu, bem como pela confissão parcial do acusado. Condenação mantida.

III. INCONSTITUCIONALIDADE DO DELITO DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS POR CONSISTIR EM BIS IN IDEM. DESCABIMENTO. Antes da vigência da Lei nº 13.641/2018, não se aplicava o artigo 330 do Código Penal à desobediência praticada no âmbito da Lei Maria da Penha, porque na ausência de tipo penal específico, entendia-se que somente incidiriam sanções civis, administrativas ou processuais penais para esse descumprimento. Trata-se de entendimento pacificado o de que, se houver previsão legal de sanção civil ou administrativa para o caso de descumprimento da ordem dada, inexistindo ressalva de punição na órbita criminal, não se configura o crime de desobediência. A mencionada legislação, contudo, incluiu na Lei nº 11.340/2006 uma moldura típica específica para essa conduta ? cuja constitucionalidade é, pacificamente, asseverada por esta Corte. Ademais, a prisão preventiva tem natureza cautelar e não de sanção, não havendo bis in idem na previsão de tipo penal e, concomitantemente, na imposição de eventual segregação provisória. Desacolhido o pleito de absolvição com fulcro no art. 386, inc. III, do CPP.

IV. ATIPICIDADE DO CRIME DE AMEAÇA. INOCORRÊNCIA. Por se tratar de delito formal, a consumação do crime de ameaça dispensa a real intenção do agente de causar mal, bastando que sua ação seja capaz de acarretar temor à vítima. No caso, é possível extrair, tanto da leitura das declarações prestadas pela ofendida em sede policial, quanto de seu depoimento judicial, que as ameaças proferidas pelo acusado lhe causaram medo. Tese defensiva rechaçada.

V. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO.
INAPLICABILIDADE. O princípio da consunção apenas incide quando, havendo o agente praticado mais de um ilícito penal, se verifica que um constituiu meio de preparação ou execução do outro. No caso dos autos, não se verifica que a ameaça tenha sido meio para o descumprimento de medidas protetivas, ou o descumprimento mero meio para a ameaça. Consistem em condutas autônomas, que são consumadas em momentos distintos e que atingem bens jurídicos tutelados que se diferem. Tese defensiva afastada.
VI. PENA. Reprimenda corpórea fixada no patamar mínimo legal, totalizando, ao final, 04 meses de detenção, em regime inicial aberto, inexistindo qualquer insurgência ministerial quanto ao ponto, razão pela qual vai confirmada. Ainda, preenchidos os requisitos elencados no artigo 77 do Código Penal, resta preservada a concessão da suspensão condicional da penal, pelo período de 02 (dois) anos, nos termos da sentença.
PRELIMINAR DESACOLHIDA E, NO MÉRITO, APELO NÃO PROVIDO.

Apelação Crime


Quinta Câmara Criminal

Nº 70085166866 (Nº CNJ: 0030239-45.2021.8.21.7000)


Comarca de Agudo

V.F.P.

.

APELANTE

M.P.

..
APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Magistrados integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em DESACOLHER a prefacial suscitada e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao apelo defensivo.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des.ª Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez e Dr. Volnei dos Santos Coelho.


Porto Alegre, 21 de setembro de 2022.


DES. JONI VICTORIA SIMÕES,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Joni Victoria Simões (RELATOR)

O Ministério Público, na Comarca de Agudo, ofereceu denúncia contra VILNEI F. DOS P., já qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do artigo 147 c/c artigo 61, inciso II, alíneas ?
a? e ?f?, do Código Penal e artigo 24-A da Lei nº 11.340/06, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

?
1º FATO:

No dia 25 de dezembro de 2019, no período compreendido entre 01h36min e 02h10min, em local não precisado, mas no Município de Agudo/RS, o denunciado VILNEI F. DOS P., ameaçou sua ex-companheira, M. L., de causar-lhe mal injusto e grave.


Na ocasião, o denunciado, por intermédio de mensagens audiofônicas, enviadas utilizado o aplicativo Whatsapp, ameaçou a vítima de lhe agredir verbalizando ?
Eu quero ter o gosto de chutar teu cú dentro da minha casa?, ?O lugar onde eu estiver tu evita de estar, porque credo? tu vai ver?, ?Tu pode enviar pro quinto dos infernos essa mensagem que tô te mandando, porque tu não passa do próximo baile que eu tiver?, ?Só vou ter dizer uma coisa bem séria Marilene: evita de tá onde que eu to, porque o bicho vai pegar?, ?Aquele dia eu queria pegar tu e ele, aí tu fugiu?, ?Uma pena que eu não consegui pegar vocês dois?, senão eu pego vocês lá em Dona Franciscas, aí vocês não saem de lá, vocês \'fiquem\' lá em Dona Francisca/RS?, ?Ou tu quer que eu suba aí? Se eu subir aí tu sabe, o bicho vai pegar e não passa de agora?, ?Tu não quis atender né? Eu vou subir aí agora e tu vai ver o que é bicho. Bicho vai pegar agora, pode ligar pra Brigada. Liga que a medida protetiva já eras?, ?Tu se some da minha casa, que vai ficar tudo de bom. Porque o bicho vai pegar? tu te some da minha casa, que é bom pra ti?, ?Amanhã eu vou tá na tua casa, tu vai vê...?, ?Aí tu vai ver que o bicho vai pegar, seis hora da manhã to aí?.

As ameaças ocorreram por motivo fútil e no âmbito de violência doméstica, tendo em vista que o denunciado não aceita o término da relação havida entre ambos e o novo relacionamento da vítima com outra pessoa, além do uso de violência psicológica e moral.


2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local descritas no primeiro fato delituoso, o denunciado, VILNEI F. DOS P., descumpriu decisão judicial que deferiu medidas protetivas de urgência em favor de M. L., sua ex-companheira.


Na ocasião, o denunciado descumpriu a determinação judicial de proibição de contato com a ofendida M. L., por qualquer meio de comunicação, deferida nos autos do processo nº 154/1.19.0001079-7, mantendo contato por meio de aplicativo de celular Whatsapp, encaminhando vinte e oito mensagens audiofônicas, contendo ameaças e ofensas, além de realizar sete chamadas de vídeo ao celular da ex-companheira.
?
Foi decretada a prisão preventiva do acusado, cujo mandado restou cumprido, no dia 27/12/2019, fl. 16/17.


A denúncia foi recebida, em 10/01/2020, fl. 70.


Citado, o réu apresentou resposta à acusação, fls.
72/78.

Não sendo caso de absolvição sumária, seguiu-se à instrução processual com a oitiva da vítima e de três testemunhas e, ao final, interrogado o réu, fls.
103/104.

Revogada a prisão preventiva, no dia 04/03/2020, fl. 109/110.


Encerrada a instrução, as partes ofereceram memoriais escritos, fls.
127/129 e 130/136.

Sobreveio sentença, julgando PROCEDENTE a ação penal para condenar VILNEI F. DOS P. como incurso nas sanções do artigo 147, caput, c/c artigo 61, inciso II, alínea ?
f? c/c o artigo 65, inciso III, alínea ?d?, todos do Código Penal e artigo 24-A da Lei 11.340/06, c/c artigo 65, inciso III, alínea ?d?, na forma do artigo 69 do Código Penal, à pena total de 04 meses de detenção, em regime inicial aberto. A reprimenda restou suspensa, pelo período de dois anos, mediante condições de comparecimento mensal em juízo e proibição de ausentar-se da Comarca em que reside sem prévia autorização.

O réu foi condenado, ainda, ao pagamento das custas processuais, sendo, contudo, suspensa a exigibilidade, pois assistido pela Defensoria Pública.
Restou-lhe concedido o direito de apelar em liberdade, fls. 137/146.

Publicada a sentença, presumidamente, em 26/11/2020, data do primeiro ato cartorário após a sua prolação.


Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação, o qual foi recebido, fls.
149 e 152.

Em suas razões, preliminarmente, suscita a nulidade do feito, por violação do artigo 212 do Código de Processo Penal.
No mérito, pugna pela absolvição do réu, por insuficiência probatória, argumentando que a prova se limita ao relato da vítima, o qual é insuficiente para ensejar a condenação. Discorre, ainda, sobre a inconstitucionalidade do delito previsto no artigo 24-A da Lei 11.340/06 e sobre a atipicidade do delito de ameaça, requerendo, também por esses motivos, a absolvição. Caso mantidas as condenações, requer o reconhecimento da consunção do delito de ameaça em relação ao crime do art. 24-A da Lei n. 11.340/06, fls. 153/161.

Foram apresentadas contrarrazões, fls.
162/174.

Os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça e distribuídos à Relatoria do Desembargador Rinez da Trindade, o qual declinou da competência e determinou a remessa dos autos ao Departamento Processual para fins de redistribuição, fl. 183/186.

O feito foi, então, redistribuído a esta Relatoria, por meio de sorteio.


Determinado o retorno dos autos à origem para intimação pessoal do réu acerca da sentença, fls.
188/189.

O acusado foi devidamente intimado, fl. 196.


O Ministério Público, em parecer
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