Acórdão nº 70085167088 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Criminal, 07-02-2022
Data de Julgamento | 07 Fevereiro 2022 |
Órgão | Sétima Câmara Criminal |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 70085167088 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
AK
Nº 70085167088 (Nº CNJ: 0030261-06.2021.8.21.7000)
2021/Crime
apelação criminal. recurso defensivo. crimes contra a dignidade sexual. estupro de vulnerável. manutenção da condenação.
CONDENAÇÃO MANTIDA. PROVA SUFICIENTE. A materialidade dos crimes e a autoria delitiva encontraram amparo nos seguros e uníssonos relatos da vítima. Palavra da vítima corroborada pelos demais elementos probatórios. Tese de insuficiência probatória não acolhida. Conjunto probatório que revelou inequivocamente que o réu, em diversas oportunidades, praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal. A palavra da vítima merece especial relevância por se tratar de crimes contra a dignidade sexual, praticado na clandestinidade.
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ARTIGO 217-A, DO CÓDIGO PENAL) PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL (ARTIGO 215-A, DO CÓDIGO PENAL). A tipicidade do crime do artigo 217-A do Código Penal é objetiva, porquanto considera apenas o critério biológico (idade), ou seja, comete estupro de vulnerável quem tem conjunção carnal ou pratica qualquer outro ato libidinoso com menor de 14 anos. O delito previsto no artigo 215-A, por sua vez, é um crime subsidiário aplicando-se somente quando o ato libidinoso não for punido por crime mais grave. Assim, a prática de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso contra a vítima menor de 14 anos já configura o crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A do Código Penal, sendo impossível a desclassificação para o delito do artigo 215-A, do Código Penal. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
ESTUPRO DE VULNERÁVEL. TENTATIVA. INVIABILIDADE. A figura do estupro de vulnerável, descrita no artigo 217-A, caput, do Código Penal, abarca não apenas a prática de conjunção carnal, mas também de todo ato libidinoso revestido de conotação sexual, diverso da conjunção carnal, voltado à satisfação da lascívia do agente, em detrimento da dignidade e liberdade sexual da vítima. O acusado diversas vezes tocou os genitais da infante, inclusive por de baixo das vestes, praticou felação, encostou seu pênis na vagina da ofendida sem introduzir, não restando dúvidas de que a conduta praticada caracteriza, por si só, atos libidinosos diversos da conjunção carnal, voltados à sua satisfação sexual, o que é suficiente para a configuração do crime de estupro de vulnerável em sua forma consumada.
DOSIMETRIA DA PENA. A pena-base fora exasperada pelos vetores culpabilidade, circunstâncias e consequências. Mantido a culpabilidade, porque o juízo de reprovabilidade da conduta do agente é reprovável, uma vez que colocou vítima de seis anos em posição de quatro apoios, sem falar, ademais, que a tenra idade da vítima é motivo suficiente para exasperar a culpabilidade. Posição do Superior Tribunal de Justiça. Circunstâncias do crime. Os fatos eram cometidos no ambiente familiar da vítima, além das ameaças e violência praticadas no cometimento da infração penal, justificam a manutenção do vetor. Consequências do crime. A ofendida tentou suicídio, sendo motivo suficiente para valorar o tisne. A sentença exasperou a pena em 08 (oito) meses para cada vetor, aquém do padrão jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça de 1/6 sobre a pena mínima para cada circunstância judicial negativa. Ausente recurso ministerial, inviável o seu aumento, mas também não há o que se falar em redução. Pena-base mantida em 10 (dez) anos de reclusão. Mantida a agravante da reincidência em 01 (um) ano. Pena provisória em 11 (onze) anos de reclusão. Na terceira etapa da pena, esta fora elevada em ½ (metade) pela causa de aumento prevista no artigo 226, inciso II, do Código Penal. O réu era padrasto da vítima. Ainda, a pena foi elevada em 2/3 pela continuidade delitiva. Mantida a fração, uma vez que em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça o qual é firme que, nas hipóteses de crimes sexuais praticados durante longo período é inviável a exigência de quantificação exata do número de eventos, sendo adequado o aumento da fração do artigo 71 do Código Penal em patamar superior ao mínimo. Mantida a pena definitiva em 27 (vinte e sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Igualmente, mantido o regime inicial fechado.
INDENIZAÇÃO MÍNIMA. Há pedido deduzido na denúncia requerendo a fixação de indenização mínima em observância a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 983: \"TESE: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.\"
PREQUESTIONAMENTO. O Julgador não está obrigado a se manifestar sobre todos os artigos de lei invocados pela parte. Prequestionamento descabido.
NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.
Apelação Crime
Sétima Câmara Criminal
Nº 70085167088 (Nº CNJ: 0030261-06.2021.8.21.7000)
Comarca de Porto Alegre
A.N.M.
..
APELANTE
M.P.
..
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Glaucia Dipp Dreher (Presidente e Revisora) e Des. Volcir Antonio Casal.
Porto Alegre, 03 de fevereiro de 2022.
DR. ALEXANDRE KREUTZ,
Relator.
RELATÓRIO
Dr. Alexandre Kreutz (RELATOR)
Adoto, de início, o relatório constante no ato sentencial proferida pelo Juízo da 6ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS (fls. 114-122), por conter as principais ocorrências processuais do caso:
O MINISTÉRIO PÚBLICO apresentou denúncia contra A. N.M., alcunha ?Playboy?, brasileiro, solteiro, nascido em 07/06/1990, portador do RG nº 2103860819, natural de Sapucaia do Sul, filho de C. T.N.M., como incurso, por diversas vezes, nas sanções do art. 217-A, parágrafo 1º, segunda parte, c/c arts. 226, II, e 61, II, ?f?, todos do Código Penal, por diversas vezes, na forma do artigo 71 do Estatuto Repressivo, pelos fatos a seguir transcritos:
?Em datas e horários diversos não informados no inquérito, porém no período compreendido entre o dia 26 de setembro de 2011 e o dia 26 de setembro de 2013, na residência familiar localizada no bairro Rubem Berta, nesta cidade, o denunciado A.N.M., praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima Yasmin Karoline de Araújo Pereira (portadora de transtorno mental, fl. 35 e 44), quando a vítima contava com 06 (seis) anos aos 08 (oito) anos de idade (nascida em 26/09/2005).
Y.C.d.A.P.residiu por determinado período de tempo, na companhia da genitora do denunciado A.N.M., padrasto da vítima e do pai adotivo, S.d.S.R.(amigo da genitora da vítima).
Então, o denunciado, aproveitando-se de ocasiões nas quais a genitora e o pai adotivo de Y. saíam para trabalhar e a menina ficava sob os seus cuidados, agarrava a vítima, fazendo uso de força física e, para satisfação da sua lascívia, passava a mão na vagina da enteada; passava o pênis no rosto da menina, bem como colocava o pênis na vagina da vítima, sem introduzi-lo a ponto de causar ruptura himenal. Em várias ocasiões o denunciado forçou a cabeça da vítima em direção ao pênis para que praticasse felação.
Os fatos delituosos ocorreram por diversas vezes, sendo que o denunciado agredia a vítima durante as práticas abusivas, desferindo socos, tapas, puxando os cabelos, bem como ameaçava Y., dizendo que iria matar sua família caso contasse a alguém acerca dos abusos sexuais sofridos.
As condutas acima descritas foram perpetradas sob o prevalecimento de relações de coabitação, sendo que o denunciado se utilizou de tal acesso e proximidade junto à vítima para cometer as condutas delituosas, no ambiente familiar.
[...]?. (suprimi)
A denúncia foi recebida em 11/03/2019 (fl. 69).
Citado (fl. 73), o réu apresentou resposta à acusação, por intermédio da Defensoria Pública (fls. 74).
Afastadas as hipóteses de absolvição sumária (fl. 75), prosseguiu-se na instrução do feito com a oitiva da vítima e inquirição das testemunhas Amanda de Souza Bernardes, Sérgio dos Santos (CD fl. 93), Maria Tereza Possel e Berenice Rheinheimer (CD fl. 100). Ao final foi realizado o interrogatório do acusado (CD fl. 100).
Encerrada a instrução em 26/11/2019, substituído o debate oral pela apresentação de memoriais (fl. 98).
Em memorial, o Ministério Público, por estar comprovada a materialidade e autoria do delito descrito na incoativa, requereu a procedência da ação penal. Por fim, pugnou pela fixação de valor mínimo de reparação de danos causados pelo réu à vítima, nos termos do art. 387, IV, do Código Processo Penal (fls. 104/107).
A Defesa, por sua vez, pugnou pela improcedência da ação penal, com a absolvição do acusado, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, vindicou o afastamento da agravante genérica descrita no artigo 61, inciso II, alínea ?f?, do Código Penal (fls. 108/112).
Após, vieram os autos conclusos para sentença.
A Magistrada de primeiro grau, por sentença publicada em 18.09.2020 (fl. 124v.), considerando a data de intimação da Defensoria Pública, primeiro ato após a sentença, JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido na exordial acusatória para condenar o réu como incurso das sanções do artigo 217-A, caput, c/c artigo 226, inciso II, por diversas vezes, na forma do artigo 71, todos do Código Penal, à pena privativa de liberdade 27 (vinte e sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão, no regime inicial fechado. O demandado foi condenado ao pagamento da quantia de R$ 7.185,60 (sete mil, cento e oitenta e cinco reais e sessenta centavos), a título de indenização pelos danos morais. Foi permitido o direito de o réu apelar em liberdade. Condenado ao pagamento das custas...
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