Acórdão nº 70085213635 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualConflito de Jurisdição
Número do processo70085213635
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO


LAL

Nº 70085213635 (Nº CNJ: 0034916-21.2021.8.21.7000)

2021/Crime


CONFLITO DE COMPETÊNCIA.
LESÃO CORPORAL COMETIDA Por NORA CONTRA A SOGRA. AUSÊNCIA DE CONDUTA PERPETRADA EM RAZÃO DO GÊNERO. INEXISTÊNCIA DE VULNERABILIDADE. AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DA LEI nº 11.340/06.
1. A Lei Maria da Penha objetiva proteger a mulher da violência doméstica e familiar, cometida no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial.
2. Ofendida atingida com produtos químicos usados na lavagem de veículos de seu filho e nora. Hipótese de prática delitiva que não se enquadra, propriamente, no conceito de violência doméstica. Vulnerabilidade não evidenciada.

CONFLITO JULGADO IMPROCEDENTE.


Conflito de Jurisdição


Terceira Câmara Criminal

Nº 70085213635 (Nº CNJ: 0034916-21.2021.8.21.7000)


Comarca de Canoas

JUIZ DE DIREITO DO JECRIM ADJ 4 VARA CRIMINAL COMARCA DE CANOAS


SUSCITANTE

JUIZ DE DIREITO JUIZADO VIOLENCIA DOMESTICA DA COMARCA DE CANOAS


SUSCITADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Magistrados integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar improcedente o conflito negativo de competência ao efeito de reconhecer como competente o Juizado Especial Criminal adjunto à 4ª Vara Criminal da Comarca de Canoas (suscitante) para o processo e julgamento dos fatos.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Rosane Wanner da Silva Bordasch e Dr. Leandro Augusto Sassi.


Porto Alegre, 25 de março de 2022.


DES. LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Luciano André Losekann (RELATOR)

Cuida-se de conflito (negativo) de competência suscitado pelo Juízo do Juizado Especial Criminal adjunto à 4ª Vara Criminal da Comarca de Canoas em face do Juízo do Juizado da Violência Doméstica da mesma Comarca.

Afirma o suscitante que o feito foi redistribuído ao Juízo sob alegação de que a matéria constante no processo originário não se relacionava à Lei Maria da Penha.
Alega que a Lei 11.340/06 afastou a incidência do rito dos Juizados Especiais Criminais e respectivos benefícios da Lei 9.099/95 aos delitos cometidos no âmbito da violência doméstica. Aduz que o delito a que se refere o processo penal enquadra-se como violência doméstica e familiar, não podendo ser processado pelo JECrim, sendo competente, portanto, o Juizado da Violência Doméstica da Comarca.

A decisão do juízo suscitado, que determinou a remessa do feito ao suscitante, referiu que a Lei 11.340/06 trata dos delitos praticados na unidade doméstica em que a ação ou omissão está baseada no gênero.
Afirmou, nesse sentido, que o fato delituoso não se relaciona à violência de gênero e não se amolda aos ditames da Lei Maria da Penha.

Nesta instância, o Ministério Público, pela ilustre Procuradora de Justiça, Dra.
Ana Rita Nascimento Schinestsck, emitiu parecer pela procedência do conflito de jurisdição (fls. 32/35).

É o relatório.

VOTOS

Des. Luciano André Losekann (RELATOR)

Conheço do presente conflito de competência, por adequado e tempestivo.


Trata-se, como acima visto, de conflito negativo de competência instaurado entre o JECrim e o Juizado Especial da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Canoas, no qual se discute, fundamentalmente, sobre enquadrarem-se ou não os fatos subjacentes aos ditames da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).


Entendo, já de início, que o juízo suscitado afastou acertadamente a incidência da Lei nº 11.340/06 no caso concreto, fundamentando a decisão na pressuposição de que as agressões não foram perpetradas por conta de questões de gênero.


Nesse sentido, transcrevo trecho da r. decisão porfiada (fl.18):

Vistos.


Trata-se de expediente policial com pedido de medidas protetivas em favor de CLARI DE LOURDES DA SILVA com base na Lei 11.340/06 tendo com o imputado sua nora, DEISE CASTRO DE PAIXÃO.


A vítima declarou que reside com a sua nora Deise e com o seu filho em um terreno de sua propriedade, no qual possuem uma lavagem de veículos.
A requerida sempre a perturbou e, na data dos fatos, decidiu mandá-los deixar o imóvel, oportunidade em que a requerida jogou produtos químicos usados na lavagem em cima da vítima, ocasionando alergias em Clari.

Pois bem, não é o caso de aplicação da Lei Maria da Penha à hipótese sub judice.

Com efeito, para a incidência da Lei nº 11.340/06, imperioso que restem configurados os seguintes requisitos: (a) a violência deve ser praticada contra a mulher; (b) o fato tenha se dado no âmbito da unidade doméstica, da família ou, ainda, seja decorrente de relação íntima de afeto; e (c) a violência sofrida deve ter como motivação a opressão à mulher, ou seja, violência de gênero.


Friso que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher - Convenção de Belém do Pará, de 1994, foi ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995 e define a violência contra a mulher como \"
(?) Toda e qualquer ação ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher; no âmbito público, como no privado ou por atuação do Estado ou de seus agentes\".
Dessa forma, não basta que a vítima da agressão seja do sexo feminino, sendo imperioso, para incidência da Lei Protetiva, que a violência praticada tenha por motivação a opressão ao gênero, situação que decorre de uma condição de hipossuficiência e/ou vulnerabilidade da ofendida para com o ofensor.


Na hipótese em análise, verifica-se que a contenda se trata de conflito generalizado entre os familiares, afastando, assim, a aplicação da Lei nº 11.340/06.
Não obstante tal circunstância, não constato qualquer relação de vulnerabilidade, hipossuficiência e inferioridade física ou econômica entre as partes. Friso, inclusive, que o registro de...

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