Acórdão nº 70085228807 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 11-05-2022

Data de Julgamento11 Maio 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo70085228807
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO




EU

Nº 70085228807 (Nº CNJ: 0036433-61.2021.8.21.7000)

2021/Cível


APELAÇÃO CÍVEL.
SERVIDOR PÚBLICO. OFICIAL DE JUSTIÇA. AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR. PAD. PENALIDADE DE DEMISSÃO. CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PELO PODER JUDICIÁRIO. LIMITES. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. SERVIDOR ACOMETIDO POR GRAVES PATOLOGIAS MENTAIS. VOLUNTARIEDADE NA CONDUTA INEXISTENTE. PRECEDENTES. REINTEGRAÇÃO AO CARGO IMPOSITIVA.

1. O controle jurisdicional dos atos administrativos limita-se à análise de sua legalidade e legitimidade de sua motivação, sendo vedado ao Estado-Juiz que se substitua ao administrador, aplicando critérios de mérito próprios e distintos daqueles assegurados ao órgão sancionador. Precedentes.
2. Sem descurar da proibição de se proceder à revisão e a revaloração da análise técnica empreendida pelo Colendo Conselho da Magistratura ? COMAG - no exercício regular de sua atividade administrativo-disciplinar, é certo que havendo prova cabal de que o servidor, ao tempo dos fatos, encontrava-se acometido de doença mental determinante para a prática dos atos infracionais, resultará ilegal a penalidade de demissão a ele aplicada.

3. Para a aplicação de sanção administrativo-disciplinar ao servidor público, é imprescindível que o descumprimento dos deveres do cargo resulte de atos comissivos ou omissivos voluntários e impregnados de elemento subjetivo (dolo ou culpa). Sem isso, como pode ocorrer quando o comportamento desviante do servidor resulte de grave patologia psiquiátrica que altere decisivamente sua autodeterminação, a ponto de não resultarem de voluntariedade, a caracterização da indisciplina funcional é descabida.
4. Caso em a prova pericial é exuberante em evidenciar que a conduta do servidor, analisada no processo administrativo-disciplinar e enquadrada como insubordinação, indisciplina e falta de urbanidade com partes e seus superiores, decorria etiologicamente da doença mental que há muito o acometia e o tornara inteiramente incapacitado para o labor judiciário, o que não foi convenientemente detectado nas avaliações periciais levadas a cabo no PAD, mas que conduz à total invalidade da sanção de demissão, justamente pela ausência de voluntariedade e consciência, com a condenação à reintegração ao cargo e ao pagamento das parcelas remuneratórias, vencidas e vincendas.

5. A verificação da situação de incapacidade laboral permanente e atual, que justifique a emissão de ato de aposentadoria e consequente cálculo de proventos incumbe à Administração, que nisso age vinculadamente, desautorizando antecipação judicial a tal respeito no presente feito, o que não afastará a possibilidade de o servidor impugnar a decisão que se seguir ou a forma de cálculo na esfera administrativa, ou mesmo em juízo, observando-se, assim, os princípios da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88), do contraditório (art. LV, da CF/88) e do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88), assegurando-se, entretanto, a permanência do servidor em licença-saúde até constatação administrativa de sua incapacidade permanente ou eventual possibilidade de retorno ao serviço.
6. Ação julgada improcedente na origem.

APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

Apelação Cível


Quarta Câmara Cível

Nº 70085228807 (Nº CNJ: 0036433-61.2021.8.21.7000)


Comarca de Porto Alegre

ALCIDES MERCIO VICENTE


APELANTE

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.
Voltaire de Lima Moraes (Presidente) e Des. Francesco Conti.

Porto Alegre, 11 de maio de 2022.


DES. EDUARDO UHLEIN,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Eduardo Uhlein (RELATOR)

Trata-se de apelação cível interposta por ALCIDES MÉRCIO VICENTE contra sentença que julgou improcedente a ação ajuizada pelo recorrente em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, em que postula a anulação do ato de demissão, com a sua reintegração ao cargo de Oficial de Justiça outrora ocupado, ou a sua readaptação para outro cargo com atribuições compatíveis com o seu estado de saúde, ou, ainda, não sendo esta possível, a concessão de aposentadoria por invalidez, sem prejuízo da condenação do réu ao pagamento da remuneração que deixou de receber desde o ato demissional.


Eis o dispositivo da sentença hostilizada:

Nesse passo, JULGO IMPROCEDENTE o pedido postulado por Alcides Mércio Vicente contra o Estado do Rio Grande do Sul, com fulcro no art. 487, inc. I, do CPC.


Condeno o autor ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios ao patrono da parte ex adversa, estes ora arbitrados, tendo em vista o trabalho realizado e o tempo exigido para sua execução, em 10% sobre o valor atribuído à causa, nos termos do artigo 85, §§2º e 3º, inc.
I, do NCPC.

Todavia fica suspensa a exigibilidade de tais ônus, ante o benefício da gratuidade da justiça que ora concedo.


Publique-se. Registre-se. Intimem-se
Em suas razões, alega que a decisão administrativa que lhe aplicou a pena de demissão é ilegal, por desconsiderar a circunstância de que o ora recorrente se encontrava acometido de séria doença psiquiátrica ?
que acabou por ser confundida com destempero voluntário? pela administração. Enfatiza que a penalidade disciplinar lhe foi aplicada como se estivesse em pleno gozo do seu juízo e discernimento, fato que não ocorreu, consoante categoricamente demonstrado pela perícia judicial. Afirma que a perícia judicial foi inequívoca ao assentar que a causa determinante da violação dos deveres funcionais cometida pelo autor reside nas patologias mentais de que é portador. Transcreve excertos do laudo pericial judicial. Afirma ser possível ao Poder Judiciário averiguar se as enfermidades psiquiátricas que acometem o ora recorrente foram, ou não, decisivas para seu comportamento inadequado no ambiente de trabalho. Cita dispositivos da LC-RS nº 10.098/97. Refere que sua condição de saúde é permanente e irreversível, conforme apontado pela perita judicial. Defende que não se pode demitir servidor público no gozo de licença-saúde. Assinala que no PAD não houve perícia médica conclusiva no sentido da impossibilidade de o ora recorrente ser readaptado para outro cargo do Poder Judiciário. Argumenta que era direito seu passar por perícia médica e psicológica no curso do PAD, a fim de se esclarecer se possuía condições de ser readaptado a outra função, na hipótese de ser constatada a sua incapacidade definitiva para o exercício das atribuições do cargo de Oficial de Justiça. Pede o provimento da apelação, a fim de que seja julgada procedente a ação.

Foram apresentadas contrarrazões.


Subiram os autos e, nesta instância, o Ministério Público opina pelo provimento da apelação.


É o relatório.

VOTOS

Des. Eduardo Uhlein (RELATOR)

Eminentes Colegas!


Satisfeitos os requisitos genéricos e específicos de admissibilidade, a apelação interposta merece ser conhecida.


No mérito, a inconformidade colhe êxito, adianto.


Na origem, o autor, outrora investido no cargo de Oficial de Justiça, ajuizou ação com o objetivo de impugnar e ao final desconstituir a decisão proferida pelo Egrégio Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado - COMAG - que, nos autos do Processo Administrativo Disciplinar nº 1026-14/000270-6, com esteio no parecer da Comissão Processante das fls.
940-990, julgou procedente a Portaria nº 006/2015-COMAG, ao efeito de aplicar ao demandante a pena de demissão por infração aos artigos 177, II, III e XIII e 191, I e II da LC-RS nº 10.098/94 (fls. 1.044-1071).

O acórdão do COMAG foi proferido na sessão realizada em 13.12.2016, ao passo que o ato de demissão restou publicado no Diário da Justiça do Estado em 09.3.2017.


Por oportuno, transcrevo a redação dos dispositivos legais da LC-RS nº 10.098/94 mencionados na decisão do COMAG:

Art. 177 - São deveres do servidor:

(...)

II - tratar com urbanidade as partes, atendendo-as sem preferências pessoais;

III - desempenhar com zelo e presteza os encargos que lhe forem incumbidos, dentro de

suas atribuições;
(...)

XIII - manter espírito de cooperação com os colegas de trabalho;
(...)

Art. 191 - O servidor será punido com pena de demissão nas hipóteses de:

I - ineficiência ou falta de aptidão para o serviço, quando verificada a impossibilidade de readaptação;

II - indisciplina ou insubordinação grave ou reiterada;

Também é importante ressaltar que o autor-apelante, na presente demanda, não questiona a regularidade ou a existência de vícios formais na tramitação do PAD nº 1026-14/000270-6, temas que foram abordados em outra ação por ele ajuizada, qual seja, o Mandado de Segurança de nº 70072342637 (afinal extinto sem resolução de mérito, em decisão já transitada em julgado
).
Da mesma forma, não há questionamento acerca das condutas imputadas pelo COMAG ao apelante no exercício do cargo de Oficial de Justiça, bem como ao enquadramento nas disposições da LC-RS nº 10.098/94, sendo igualmente fora de discussão que a decisão administrativa restou proferida nos limites da imputação constante da Portaria de instauração do PAD.
Em síntese, os fatos subjacentes atribuídos ao autor no processo administrativo-disciplinar e que amparam a decisão pela sua demissão constituem-se em atritos com colegas, agressividade, rispidez, irritação exacerbada, insubordinação no dia a dia funcional com colegas, advogados, chefias da central de mandados, magistrados e outros, bem como o porte de arma branca (\"adaga\") no ambiente de trabalho, objetivando intimidar colegas do setor e, inclusive, dificuldades de relacionamento pessoal que teriam culminado na tentativa de suicídio dentro das dependências do Foro Central.


Tais fatos (bem como sua gravidade), convém insistir, não estão sendo questionados ou
...

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