Acórdão nº 70085240828 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo70085240828
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO




AMM

Nº 70085240828 (Nº CNJ: 0037635-73.2021.8.21.7000)

2021/Cível


APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA. DIVULGAÇÃO INDEVIDA NA INTERNET DE IMAGEM (FOTO) EM QUE SERVIDOR MUNICIPAL E PRESTADOR DE SERVIÇO (PSC) POSAM COM O CADÁVER DO GENITOR DO AUTOR, QUANDO DA REMOÇÃO DOS RESTOS MORTAIS DAS CARNEIRAS PÚBLICAS DO CEMITÉRIO CRISTO REDENTOR PARA OSSÁRIO DO CEMITÉRIO PÚBLICO MUNICIPAL. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA PERSONALIDADE. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. EXEGESE DO ART. 37, §6º, DA CF. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO.
NEGARAM PROVIMENTO AO APELO, POR MAIORIA, NA FORMA DO ART. 942, VENCIDO O RELATOR QUE PROVIA EM PARTE.

Apelação Cível


Quarta Câmara Cível

Nº 70085240828 (Nº CNJ: 0037635-73.2021.8.21.7000)


Comarca de Veranópolis

MUNICIPIO DE GUAPORE


APELANTE

MARCIO DOS SANTOS


APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em negar provimento ao apelo, na forma do art. 942 do CPC, vencido o Relator que provia em parte.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.
Voltaire de Lima Moraes (Presidente), Des. Eduardo Uhlein, Des. Francesco Conti e Des. Eduardo Delgado.

Porto Alegre, 23 de junho de 2022.


DES. ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Alexandre Mussoi Moreira (RELATOR)

Trata-se de apelação cível interposta pelo MUNICÍPIO DE GUAPORÉ, nos autos da ação ordinária movida por MARCIO DOS SANTOS, em face da sentença (fls.
132/134) que julgou procedentes os pedidos, cuja parte dispositiva restou redigida nos seguintes termos:

Isso posto, a tutela de urgência e JULGO confirmo procedente os pedidos, para condenar o Município de Guaporé a indenizar Márcio dos Santos pelos danos morais sofridos no valor de R$ 25.000,00, a ser corrigido na forma da fundamentação.


Sucumbente, o município é isento do pagamento das custas processuais.
Responde, contudo, ao pagamento de honorários de sucumbência em favor do procurador da parte autora, no percentual de 10% sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, parágrafo terceiro, do Código de Processo Civil.

Em suas razões de apelo (fls.
144/149), o Município de Guaporé aduz que a prova produzida não revela sua ingerência, direta ou indireta, em relação ao ocorrido, porquanto ausente elementos que evidenciem de que seus prepostos tenham feito a foto do cadáver do pai do autor, tampouco que tenham postado a mesma na internet. Assevera que, para que exsurja o dever de indenizar, faz-se necessário o preenchimento dos seguintes elementos: (a) o fato lesivo causado pelo agente por culpa em sentido amplo; (b) a ocorrência de um dano; e (c) o nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente. Sustenta que não pode ser condenado por fato que não deu causa, seja direta ou indiretamente. Argumenta que os seguintes fatores devem ser ponderados na análise do caso: (a) a foto foi feita em local público, com circulação de pessoas, sendo comum nos dias atuais todas as pessoas estarem portando um aparelho celular; (b) ausência de demonstração ou evidência nos autos de que a foto tenha sido tirada e publicada pelos servidores municipais, tendo a irmã do autor afirmado no Registro de Ocorrência Policial que não sabe quem colocou a fotografia na rede; (c) ausência de violação de sepultura ou situação análoga; (d) trabalhadores que estavam cumprindo um ofício que lhes foi designado; (e) ausência de evidência de que os trabalhadores aparecem rindo, fazendo piada, gozação ou com intenção de expor o cadáver ao ridículo; e (f) autor que não reside em Guaporé, tendo ajuizado a demanda em outra comarca. Aponta que, na esfera administrativa, o servidor público José Claudiomiro de Lima respondeu a PAD em que a Comissão Processante manifestou-se pelo arquivamento do processo em virtude da ausência de provas de que o indiciado estaria posando para foto ao lado do cadáver. Refere que, em relação ao ajudante/apenado Daniel Antonio Moreira da Silva, a Administração do Presídio local manifestou-se no sentido de que não há evidências do cometimento de crime e que a foto foi tirara por pessoa não identificada. Reitera que que os trabalhadores não foram indiciados e nem denunciados em processo de natureza criminal. Argui que, em não tendo sido identificados os responsáveis, o autor não se desincumbiu a contento do ônus de provar suas alegações, sendo descabida a condenação. Em caso de entendimento diverso, requer a redução do quantum arbitrado, aduzindo que este deve guardar relação com as condições socioeconômicas do autor e da vítima, bem como com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Invoca o parágrafo único do art. 944 do Código Civil. Pugna pelo provimento do apelo.

Apresentadas as contrarrazões, o feito foi remetido à Superior Instância.


Com a declinação da competência e o parecer lançado pelo Ministério Público, vieram os autos, conclusos, para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

Des. Alexandre Mussoi Moreira (RELATOR)

O apelo merece ser conhecido, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.


Leciona Justino Adriano Farias da Silva que ?
o jus sepulchri é direito ubíquo: existe em qualquer ramo do direito, inclusive no sistema jurídico supra-estatal (direito das gentes). É absurdo reduzi-lo a direito privado (embora seja conseqüência de um direito civil fundamental ? o direito de ser sepultado) ou administrativo (embora acarrete um dever do poder Público ? o sepultamento dos corpos?
.

Conforme se verifica dos autos, o autor ingressou com ação indenizatória c/c obrigação de fazer, narrando que tomou conhecimento, por rede social na internet, da circulação de fotografia em que dois servidores do Município de Guaporé aparecem ao lado do cadáver de seu genitor, Gomercindo dos Santos, quando da transferência dos restos mortais deste das carneiras públicas do Cemitério Cristo Redentor para ossário do Cemitério Público Municipal, procedimento quanto ao qual a família não foi previamente informada.
Requerendo assim, o deferimento da antecipação de tutela com o fito de que o réu se abstivesse de violar ou retirar o cadáver de onde estava sepultado e a procedência do pedido para que fosse reparado pelos danos extrapatrimoniais sofridos.

A matéria devolvida pelas razões de apelo diz, tão somente, quanto ao dever de indenizar e o valor da indenização por danos morais arbitrada.


O artigo 5º, V, da CF, prevê que ?
são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação?. A proteção à imagem é tutelada no artigo 20 do Código Civil, segundo o qual, ?salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais?.

Nos termos do que dispõe o artigo 186 do Código Civil, ?
aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito?. Ainda, segundo o artigo 927, caput, do mesmo diploma legal, ?aquele que por ato ilícito (arts, 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo?.
No que pertine à responsabilidade civil da Administração Pública, o art. 37, § 6º da CF/88 determina:

Art. 37.
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...);
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos respondendo pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Vê-se, portanto, que a Constituição Federal adotou a Teoria do Risco Administrativo, segundo a qual o dever de indenizar decorre da comprovação da existência de nexo de causalidade entre a conduta e da existência de dano, independente da demonstração da culpa do agente.
Ademais, de acordo com a previsão do texto constitucional, é assegurado ao Estado o direito de regresso em face do responsável nos casos de dolo ou de culpa.
Deve se ter presente que ?
a morte se torna um produto social que se manifesta na história e só nela, enquanto morte para nós. O esquecimento está vinculado ao devir humano, que é o tempo característico da morte. A memória, pelo elo eu estabelece entre passado e presente, patrocina a imortalidade. A morte impulsiona o processo histórico, de tal sorte que, sem ela, desapareceria esse movimento espiral. A história, por sua vez, é fruto da descontinuidade de reprodução dos indivíduos como entes sociais, pois, caso contrário ocorresse, não haveria alterações em seu desenvolvimento linear. Entretanto, a reprodução social. Como é elementar, só se realiza, porque os homens morrem. Assim, sem a morte não há história. O homem se faz homem se e somente se, rompendo com a natureza, sai da atitude mítica onde reina a certeza absoluta, e passa a questionar a razão do mundo. (...). A morte agora (na sociedade moderna ou após moderna como querem alguns) é acontecimento detestável, terrível, vergonhosa, insuportável e objeto proibido. Daí a necessidade de negá-la. Neutralizam-se os funerais e proíbe-se falar em morte (mas cada vez mais se faz seguro de vida). Retira-se a morte do convício familiar e entrega-se aos cuidados dos hospitais?
.

Destarte, somente há falar em
...

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