Acórdão nº 70085305019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segundo Grupo de Câmaras Cíveis, 19-05-2022

Data de Julgamento19 Maio 2022
ÓrgãoSegundo Grupo de Câmaras Cíveis
Classe processualMandado de Segurança
Número do processo70085305019
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO




LPO

Nº 70085305019 (Nº CNJ: 0044054-12.2021.8.21.7000)

2021/Cível


MANDADO DE SEGURANÇA.
SERVIDOR PÚBLICO. inativo estadual. REDUÇÃO DE PROVENTOS e descontos. ausência de INSTAURAÇÃO DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO violado.

1. O direito líquido e certo é aquele que se mostra inequívoco, sem necessidade de dilação probatória, exigindo-se para sua configuração a comprovação dos pressupostos fáticos adequados à regra jurídica.
2. Nas informações prestadas, a autoridade admitiu a existência de erros administrativos que levaram à redução dos proventos e descontos de valores da impetrante.

3. Na situação concreta, ainda que se possa admitir que a servidora irá receber um valor menor a título de proventos, em razão de que esses vão ser ?apurados pela média dos salários de contribuição (art. 40, §§ 3º e 17 da CF)?, conforme alegado, não há como dar guarida ao ato administrativo atacado, pois mesmo em razão da autotutela, a Administração Pública não está desobrigada de, previamente, oportunizar o contraditório e a ampla defesa.
4. Hipótese em que a ilegalidade dos descontos abruptos no contracheque fica mais evidente quando a própria autoridade coatora afirma que ?desde 02.12.2020 estão sendo pagos valores indevidos à impetrante, os quais deverão ser objeto de futura reposição ao erário?. Reconhecer a necessidade de futura reposição vai de encontro à postura de implantar os descontos de pronto.

5. A ausência de instauração de processo administrativo previamente à redução salarial e execução dos descontos viola as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, conforme o entendimento jurisprudencial desta Corte.
6. Precedentes do 2º Grupo Cível.
SEGURANÇA CONCEDIDA.


Mandado de Segurança


Segundo Grupo Cível

Nº 70085305019 (Nº CNJ: 0044054-12.2021.8.21.7000)




ENEIDA TERESINHA HEINRICH FICHTNER


IMPETRANTE

SECRETARIO DE ESTADO DA FAZENDA


COATOR

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


INTERESSADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes do Segundo Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conceder a segurança.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.
Nelson Antonio Monteiro Pacheco (Presidente), Des. Voltaire de Lima Moraes, Des.ª Matilde Chabar Maia, Des. Eduardo Delgado e Des. Eduardo Uhlein.

Porto Alegre, 13 de maio de 2022.


DES. LEONEL PIRES OHLWEILER,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Leonel Pires Ohlweiler (RELATOR)

Trata-se de mandado de segurança impetrado por ENEIDA TERESINHA HEINRICH FICHTNER contra ato apontado como ilegal praticado pelo SECRETÁRIO DE ESTADO DA FAZENDA.


A impetrante alega que é servidora estadual aposentada desde 03.12.2020, percebendo mensalmente a remuneração mensal bruta de R$ 16.567,78 que, após os descontos obrigatórios e empréstimos, deixava um valor líquido de R$ 8.916,76.
Relatou que em junho de 2021 foi surpreendida com a redução do vencimento básico, de R$ 11.204,38 para R$ 3.370,02, bem como a rubrica relativa a ?desconto retroativo? no valor de R$ 1.003,46, sem qualquer informação prévia acerca da origem dos descontos. Disse que postulou cópia integral do processo de aposentação, recebendo posteriormente a informação de que a redução se deu ?em razão do comando pagamento excepcional?, e que os descontos realizados se tratavam ?de recolhimento, de forma parcelada, dos vencimentos recebidos a maior, no período de 01/12/2020 até 31/05/2021?. Mencionou ter recebido ao final R$ 1.378,62 líquidos, sem que lhe tivessem fornecido qualquer cálculo a respeito, destacando que os descontos autorizados em folha de pagamento dentro da margem consignável de 30% deixaram de ser adimplidos. Arguiu violação às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, pois não foi cientificada dos descontos havidos, tampouco houve qualquer esclarecimento a respeito da conduta adotada pela Administração Pública. Invocou a irredutibilidade dos proventos alimentares e da sua proteção constitucional. Requereu a concessão da gratuidade judiciária e a liminar para determinar o restabelecimento do pagamento integral de seus vencimentos e a cessação dos valores sob a rubrica ?descontos retroativos? Ao final, postulou a concessão da segurança para cessar a ofensa ao seu direito líquido e certo às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

A ação foi distribuída para o Des.
Antonio Vinicius Amaro da Silveira, que deferiu o pedido liminar para ?determinar o restabelecimento dos proventos percebidos pela impetrante anteriormente à redução promovida em junho/2021, bem como a suspensão dos descontos retroativos, até julgamento do presente mandado de segurança? (fls. 156/163).

A autoridade coatora prestou informações (fls.
177/180), alegando o cumprimento da liminar deferida. No mérito, disse que a ?situação em tela decorreu de um erro administrativo de sistema, que ensejou a impossibilidade de lançamento no Sistema de Recursos Humanos do Estado ? RHE da nova situação jurídica da Impetrante que, pela aposentadoria publicada no DOE em 02/12/2020, desde aquela data deixou de ser servidora ativa, passando à inatividade. Desafortunadamente, decorrente ou não do primeiro erro, houve um segundo erro administrativo ao comandar descontos retroativos em desfavor da Impetrante antes que o sistema RHE produzisse o efetivo cálculo do montante pago a maior desde a data da aposentadoria. Alude que a alteração da situação de ativa para inativa é necessária para que se possa realizar a implantação dos proventos correspondentes, cuja impossibilidade de executar essa tarefa resultou na manutenção equivocada da remuneração como se ela ainda permanecesse no serviço ativo, havendo uma diferença significativa de valores entre a remuneração mensal como ativa e os proventos de inativa, apurados pela média dos salários de contribuição (art. 40, §§ 3º e 17 da CF), sendo que desde 02.12.2020 estão sendo pagos valores indevidos à impetrante, os quais deverão ser objeto de futura reposição ao Erário. Refere que o gestor público deve revisar os atos administrativos que contenham vícios, como é a hipótese de pagamento indevido de remuneração. Invoca o enunciado da Súmula 473 do STF. Cita precedentes.

O Estado requereu a sua habilitação no feito (fl. 187).


O Ministério Público, em parecer da Procuradora de Justiça Sônia Eliana Radin, opinou pela concessão da segurança (fls.
191/198).

A impetrante peticionou informando o descumprimento da liminar (fls.
202/203), tendo o Relator (fls. 207/208) determinado a intimação da autoridade coatora ?para que cumpra a decisão judicial?, inclusive em relação à folha de pagamento do mês de novembro/2021?.

O Estado peticionou (fls.
230/231), requerendo a revogação do provimento liminar, tendo sido determinada a intimação da parte impetrante (fl. 235).

O feito foi redistribuído em razão do então Relator ter assumido o cargo de 2º Vice-Presidente desta Corte.


Na petição das fls.
244/245, a impetrante requereu a manutenção da liminar até o julgamento do mérito do mandado de segurança.

Na decisão das fls.
247/252, indeferi o pedido da petição das fls. 230/231.

É o relatório.

VOTOS

Des. Leonel Pires Ohlweiler (RELATOR)

I ?
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Conheço do mandado de segurança, uma vez que observada a competência do Grupo para o seu processamento e julgamento (artigo 17, inciso I, letra ?
b?, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça).

II ? MÉRITO.

O Cabimento do Mandado de Segurança

Conforme determina o artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal:

?
conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público?.

A Lei nº 12.016/09, no seu artigo 1º, caput, igualmente prevê:

Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.


O direito líquido e certo é aquele que se mostra inequívoco, sem necessidade de dilação probatória, urgindo, para sua configuração, a comprovação dos pressupostos fáticos adequados à regra jurídica.
A propósito do tema, alude Hely Lopes Meirelles
:

?
... o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.?

Sobre o ponto, importa referir o entendimento do Ministro Luiz Fux:

?
O direito líquido e certo no Mandado de Segurança diz respeito à desnecessidade de dilação probatória dos fatos em que se fundamenta o pedido. Trata-se de pressuposto processual objetivo (adequação do procedimento), que não subtrai do autor o direito à jurisdição sobre o litígio, mas apenas invalida a sua tutela através da via do Mandado de Segurança.

(...)

?O direito líquido e certo é, pois, requisito lindeiro ao âmbito probatório, posto referir-se à comprovação dos fatos e não ao direito objetivo em si, emigrando para o campo eminentemente processual. É, então, titular do direito líquido e certo aquele que demonstrar, desde o ajuizamento da ação, a incontestabilidade do seu direito, mediante prova pré-constituída, em regra, consubstanciada em prova documental ou prova documentada, como v.g., uma...

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