Acórdão nº 70085444727 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo70085444727
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO




MMM

Nº 70085444727 (Nº CNJ: 0058025-64.2021.8.21.7000)

2021/Cível


AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. REQUISITOS. ÔNUS DA PROVA.

Instituto que não se confunde com o bem de família, regido por norma infraconstitucional (Lei 8.009/90), não se submetendo às exceções contidas na referida lei.

Considerada a relevância da pequena propriedade rural trabalhada pela entidade familiar, a propiciar a sua subsistência, bem como a promover o almejado atendimento à função socioeconômica, afigurou-se indispensável conferir-lhe ampla proteção (art. 5º, XXVI, da Constituição Federal).

O art. 833, VIII, do Código de Processo Civil, ao simplesmente reconhecer a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, sem especificar a natureza da dívida, acabou por explicitar a exata extensão do comando constitucional em comento, interpretado segundo o princípio hermenêutico da máxima efetividade.

Impenhorabilidade da pequena propriedade rural que necessita do preenchimento de dois requisitos: i) que a dimensão da área seja qualificada como pequena, nos termos da lei de regência; e ii) que a propriedade seja trabalhada pelo agricultor e sua família.
Não se exige que o imóvel seja a moradia do executado, mas que o bem seja o meio de sustento do executado e de sua família, que ali desenvolverá a atividade agrícola.
Entendimento do STJ, com o qual se alinha este órgão fracionário, de que restando comprovado pelo produtor rural que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural, a exploração do imóvel para sua subsistência fica presumida.
Trata-se de presunção juris tantum, cabendo à parte contrária desfazê-la, comprovando não ser caso de impenhorabilidade.
Tese firmada pelo STF no julgamento do Tema 961, de que é impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 01 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização.

Hipótese em que o agravante demonstrou o enquadramento de seu imóvel na proteção legal, bem como exercer a atividade de agricultura e criação de alguns animais, em regime de economia familiar com seus pais e irmãos, não tendo a parte agravada derruído a presunção de que o bem não serviria para subsistência familiar, o que não decorre do simples fato de o agravante não residir no imóvel e de exercer atividade de motorista para fins de complementação da renda.


AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

Agravo de Instrumento


Décima Nona Câmara Cível

Nº 70085444727 (Nº CNJ: 0058025-64.2021.8.21.7000)


Comarca de Camaquã

ALEX PAGANI DE MATTOS


AGRAVANTE

ALLIANCE ONE BRASIL EXPORTADORA DE TABACOS LTDA


AGRAVADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao agravo de instrumento.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des.
Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard (Presidente) e Des. Eduardo João Lima Costa.

Porto Alegre, 08 de julho de 2022.


DES.ª MYLENE MARIA MICHEL,

Relatora.


RELATÓRIO

Des.ª Mylene Maria Michel (RELATORA)

Trata-se de agravo de instrumento interposto por ALEX PAGANI DE MATTOS contra decisão que rejeitou o incidente de impenhorabilidade manejado em face da execução ajuizada por ALLIANCE ONE BRASIL EXPORTADORA DE TABACOS LTDA, in verbis:
O executado alegou impenhorabilidade do imóvel de Matrícula 18.116 do RI de Camaquã sob o fundamento de que se trata de pequena propriedade rural, moradia e sustento do devedor.


Intimada, a exequente alegou que não sobreveio a juntada de documentos com o pedido, razão pela qual as alegações do executado carecem de fundamentação.


Designada audiência de instrução, foi colhido o depoimento pessoal do executado Alex e ouvida uma testemunha arrolada pela parte exequente.


É O BREVE RELATO. DECIDO.

Conforme disciplina o art. 833, VIII, do CPC, a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, é impenhorável.


Quanto ao conceito de pequena propriedade rural, é incontroverso e decorrente de matéria legal que se define por área com até 04 módulos fiscais.


Conforme informação obtida junto a Tabela do INCRA, o módulo fiscal para o Município de Camaquã corresponde a 16ha.
Assim, é considerada pequena propriedade rural o imóvel com até 64ha.

No caso dos autos, o imóvel conta com 7,4704ha, ou seja, é pequena propriedade.


Entretanto, os demais requisitos necessários ao reconhecimento do instituto (que a parte executada reside no local e o explora economicamente através da agricultura em regime familiar e de subsistência, retirando dali o seu sustento), não restaram demonstrados.


O réu, em seu depoimento pessoal, qualificou-se com agricultor e motorista de caminhão.
A partir daí se depreende que o sustento não é retirado apenas da terra, que parece, em verdade, servir como um complemento de renda.

Ademais, o executado admitiu que sequer mora na propriedade rural, mas sim na Vila São Carlos com a atual companheira.


A testemunha SOLON MARTINS DE MATTOS, pai de Alex, referiu que a área de terras é utilizada ocasionalmente pelos filhos.
Nesse passo, o imóvel em comento não pode ser declarado impenhorável. Face ao exposto, JULGO IMPROCEDENTE o incidente de impenhorabilidade manejado pelo executado ALEX PAGANI DE MATTOS.

Intimem-se. À parte credora para que se manifeste
Opostos embargos de declaração, os mesmos foram desacolhidos, nos seguintes termos:

CONHEÇO dos embargos de declaração, na forma do art. 1.023 do Código de Processo Civil.
Entretanto, analisando os fundamentos dos embargos, não restando caracterizada na decisão obscuridade, contradição, omissão ou erro material, devem ser rejeitados, sendo que o que busca o embargante é a reforma da decisão, o que é vedado em sede de embargos de declaração. A decisão atacada é clara ao referir que o executado não reside no local, sendo que o imóvel rural é usado apenas excepcionalmente pelos filhos. Assim, a proteção legal invocada a título de bem de família igualmente não prospera. Caso a parte esteja insatisfeita, deve ajuizar o recurso cabível. Desta forma, nego provimento aos embargos de declaração.

Em razões sustenta que a execução decorre de dívida proveniente de lavoura de fumo, o que desde já comprova a condição do executado/agravante de agricultor.
Alega que para complementar a renda, faz bicos como caminhoneiro na entre safra. Afirma que o imóvel é o único bem da família e, portanto, não pode ser penhorado. Argumenta que se trata genuinamente de ?bem de família?, pois dali depende o Executado/Agravante, o qual anteriormente plantava fumo e hoje planta milho, conforme comprova através de notas sua atividade principal (fl. 129, 130,131 e 132) exercendo também outras atividades laborais, a fim de resguardar a sobrevivência da prole que hoje tem no presente imóvel a sua única condição e chance de auto sustento, em regime de economia familiar. Invoca o teor da Lei 8.009/90, 833 e 805 do CPC, assim como do art. 5º, XXVI da CF. Refere que a decisão já consubstanciou a condição de pequena propriedade rural do imóvel, por possuir menos de 4 módulos fiscais, conforme conceitua a Lei nº 8.629, art. 4º, inc. II, letra ?a?, além da proteção decorrente da Lei 8.009/90, passível de ser invocada a qualquer tempo ou fase processual. Cita precedentes jurisprudenciais e o entendimento fixado pelo STF no julgamento do Tema 961. Postulou o recebimento do recurso no duplo efeito e seu final provimento a fim de que seja reconhecida a impenhorabilidade da pequena propriedade rural pertencente ao executado/agravante.

O agravo de instrumento foi recebido, tendo sido deferido o efeito suspensivo.


A parte agravada, intimada, não apresentou contrarrazões.


Determinada a intimação da parte para juntar aos autos a mídia da audiência realizada pelo juízo de origem para fins de comprovação da impenhorabilidade, aportou, inicialmente, petição com link que estava inacessível.
Renovada a intimação das partes, foi fornecido link com acesso público.
É o relatório.

VOTOS

Des.ª Mylene Maria Michel (RELATORA)

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e comporta conhecimento.


A Constituição Federal prevê que ?
a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento? (art. 5º, XXVI, CF).

A impenhorabilidade da pequena propriedade rural também é assegurada pelo art. 833, VIII, do Código de Processo Civil.


E, a fim de regulamentar referidos dispositivos, a Lei nº 8.629/93, em seu artigo 4º, definiu o imóvel rural como sendo prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial.


Nesse contexto, o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) tenta definir ?
propriedade familiar? e usa como referência de área o módulo rural. Vejamos:

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
(...)
II - \"Propriedade Familiar\", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;
III - \"Módulo Rural\", a área fixada nos termos do inciso anterior;
A competência para fixar o módulo rural para cada município brasileiro é do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), conforme previsto no art. 5º do Estatuto da Terra, in verbis:
Art. 5º A dimensão da área dos módulos de propriedade rural será
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