Acórdão nº 70085490852 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Primeira Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualEmbargos de Declaração
Número do processo70085490852
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO


ARPM

Nº 70085490852 (Nº CNJ: 0062638-30.2021.8.21.7000)

2021/Cível


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÕES CÍVEIS.
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE CONSUMO. TRANSPORTE E DISTRIBUIÇÃO DE LEITE IN NATURA ADULTERADO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA SOLIDÁRIA NA CADEIA PRODUTIVA DO LEITE.


1. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO E/OU ERRO MATERIAL. PRETENSÃO DE REEXAME DO MÉRITO RECURSAL. VIA PROCESSUAL INADEQUADA.

2. prequestionamento. DESNECESSIDADE DE ENFRENTAMENTO DE TODOS OS DISPOSITIVOS LEGAIS APONTADOS PELOs EMBARGANTEs.

JULGAMENTO UNIFICADO.
RECURSOS DESPROVIDOS.

M/ED 1.646 ? S 23.03.2022 ? P 1


M/ED 1.647 ? S 23.03.2022 ? P 2

Embargos de Declaração


Décima Primeira Câmara Cível

Nº 70.085.490.852 (Nº CNJ: 0062638-30.2021.8.21.7000)

Nº 70.085.491.819 (Nº CNJ: 0062734-45.2021.8.21.7000)


Comarca de Getúlio Vargas

TRANSPORTES DE CARGAS POGORZELSKI LTDA


1º EMBARGANTE

DIONISIO POGORZELSKI

JOVANI JOSE POGORZELSKI
1º EMBARGANTE

2º EMBARGANTE



MINISTERIO PUBLICO


EMBARGADO





ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Decidem os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento aos recursos de embargos de declaração.


Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des.ª Katia Elenise Oliveira da Silva, Des.
Guinther Spode, Des. Umberto Guaspari Sudbrack e Des. Pedro Luiz Pozza.

Porto Alegre, 23 de março de 2022.


DES. AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO

PRESIDENTE E RELATOR

RELATÓRIO

Des.
Aymoré Roque Pottes de Mello (PRESIDENTE E RELATOR)

Trata-se de recursos de embargos de declaração interpostos, respectivamente, por TRANSPORTES DE CARGAS POGORZELSKI LTDA e DIONISIO POGORZELSKI (1ºs embargantes), conjuntamente, e por JOVANI JOSÉ POGORZELSKI (2º embargante), contra o acórdão oriundo de julgamento estendido (art. 942 do CPC) da 11ª Câmara Cível desta Corte nos autos da apelação cível nº.
70.083.226.928, sob a relatoria do Des. GUINTHER SPODE, em que, por maioria (3 a 2), com o meu voto-líder da divergência, foram desprovidas as apelações interpostas pelos embargantes.


No 1º recurso, os embargantes TRANSPORTES DE CARGAS POGORZELSKI LTDA e DIONISIO POGORZELSKI sustentam a ocorrência de obscuridades e contradições no acórdão embargado.
Referem que somente pode ser admitida a fraude se realizadas 03 (três) provas de rotina apontando que o leite está fora do padrão, considerando o disposto no art. 536 do Decreto Federal nº 30.691/1953. Aduzem que as interceptações telefônicas, autorizadas judicialmente, não envolveram os embargantes, razão pela qual não foram condenados na ação penal. Assim, requerem o provimento do recurso de embargos de declaração, com atribuição de efeito infringente, para sanar as obscuridades e contradições, bem assim para fins de prequestionamento dos artigos 12, § 3º, inc. I, e 18, § 5º, ambos do CDC; dos artigos 535 e 536 do Decreto Federal nº 30.691/52; e do art. 447 do CPC.

No 2º recurso, o embargante JOVANI JOSÉ POGORZELSKI afirma a ocorrência de contradições e obscuridades no julgado embargado.
Aduz que não é o administrador da pessoa jurídica TRANSPORTES POGORZELSKI, razão pela qual não lhe pode ser atribuída a responsabilidade civil pela fraude do leite. Refere que configuração de fraude do leite exige a realização de três amostras de rotina para concluir a imprestabilidade do produto ao consumo humano. Aduz que a sua condenação está baseada em meras conjecturas. Alega que o transportador do leite in natura não pode ser responsabilizado civilmente pela disponibilização do produto no mercado de consumo, cabendo apenas esta responsabilização ao fornecedor direto. Assim, requer o provimento do recurso, para sanar as contradições e obscuridades, com a atribuição de efeito infringente, bem assim para fins de prequestionamento.



Em 27/01/2022, vieram os autos conclusos, sendo incluídos na pauta da sessão virtual de julgamento de 23/03/2022.


É o relatório.

VOTOS

Des. Aymoré Roque Pottes de Mello (PRESIDENTE E RELATOR)


A.
EM PRELIMINAR.



Os recursos são típicos, próprios, tempestivos (certidão da fl. 1.358 e protocolos das fls.
1.363 e 1.3672) e estão dispensados de preparo (art. 1.023, caput, do CPC).

B.
NO MÉRITO.


1.
De pronto, anoto que não prosperam os recursos declaratórios sob exame, pois o julgado embargado não contém as contradições ou obscuridades que lhe são atribuídas pelos embargantes TRANSPORTES DE CARGAS POGORZELSKI LTDA, DIONISIO POGORZELSKI e por JOVANI JOSÉ POGORZELSKI, porque os seus fundamentos de fato e de direito, e os respectivos limites decisórios, estão alinhados com clareza e objetividade, viabilizando a identificação de suas causas e a compreensão dos seus efeitos, independentemente da concordância ou dissídio com o conteúdo e o julgamento proferido.



2.
Em ambos recursos declaratórios, os embargantes sustentam que a configuração da fraude do leite depende da realização de provas de rotina, nos termos do art. 536 do Decreto Federal nº 30.691/52, então vigente à época dos fatos, que assim dispõe, verbis:



?
Art. 536. Dada a imprecisão das provas de rotina só poderá ser considerado anormal, e dêsse modo condenado por fraude, o leite que se apresente fora do padrão no mínimo em 3 (três) provas de rotina ou em 1 (uma) de rotina e 1 (uma) de precisão.



Parágrafo único.
Consideram-se provas de precisão:


1 - Determinação do índice de refração no sôro cúprico;


2 - Determinação do índice crioscópico.
?



Contudo, o aludido Decreto Federal não excluiu a apuração da fraude do leite por outros meios, mormente quando não realizada a prova de rotina durante a cadeia de produção e circulação do leite.




No caso, a fraude está comprovada pelas análises realizadas em laboratório credenciado ao MAPA, corroboradas pelas provas produzidas em Juízo, sendo a questão enfrentada no acórdão embargado, verbis:


No caso, está demonstrado nos autos que os réus transportavam leite in natura impróprio para o consumo.
A esse respeito, os Certificados Oficiais de Análise nº 17871/2014, nº 39482/2014 e nº 42282/2014, todos emitidos pelo Laboratório de Análises e Serviços da UNIVATES ? UNIANÁLISES, autorizado e credenciado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ? MAPA, para proceder à análise do leite, nos termos da Portaria nº 136, de 11/07/2014, estão a comprovar que as amostras do leite in natura, colhidos no posto de resfriamento nas datas de 22/05/2014, 13/10/2014 e 03/11/2014, respectivamente, estavam fora das especificações estabelecidas pela Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ? IN MAPA nº 62, Anexo II, de 29/11/2011, que aprovou o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Cru Refrigerado e o Regulamento Técnico da Coleta de Leite Cru Refrigerado e seu Transporte a Granel.


Nesse sentido, as análises laboratoriais foram realizadas por instituição credenciada ao MAPA, que constataram, por adição, a presença de água e soluto não identificado ao leite in natura transportado pelos réus.



O parecer técnico do Engenheiro Químico Jerônimo Friedrich (fls.
52/57), servidor público do Ministério Público Estadual, elaborado com base nos referidos Certificados Oficiais, descreve que o parâmetro FQ 001, pertinente à ?acidez titulável?, está fora dos padrões, indicando que o leite começa a se deteriorar pela proliferação de microrganismos formadores de ácido lático, consequentemente tornando-se impróprio ao consumo humano. Quanto aos parâmetros FQ 011 e FQ 036, pertinentes aos ?açucares redutores em lactose? e ao ?extrato seco desengordurado?, também estão fora dos padrões, indicando a adição de água ao leite cru e, por via de consequência, a redução do valor nutricional da matéria-prima. Por sua vez, o parâmetro FQ 043, pertinente ao ?índice crioscópico?, em valor abaixo de -0,550°H, como no caso dos autos, sugere a ocorrência de adição de algum soluto, tais como citrato de sódio, cloreto de sódio, bicarbonato de cálcio, etc, no intuito de diminuir o índice crioscópico do leite cru.


De outro lado, o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), aprovado pelo Decreto Federal nº 30.691/1952, vigente à época dos fatos, assim dispunha no seu art. 476, quanto ao leite considerado ?
normal?, verbis:

?Art. 476. Considera-se leite normal o produto que apresente:

1 - caracteres normais;

2 - teor de gordura minimo de 3% (três por cento);

3 - acidez em graus Dornic entre 15 e 20 (quinze e vinte);

4 - densidade a 15ºC (quinze graus centígrados) entre1.028 (um mil e vinte e oito) e 1.033 (um mil e trinta e três);

5 - Lactose - minimo de 4,3% (quatro e três décimos por cento);

6 - extrato sêco desengordurado ?
mínimo 8,5% (oito e cinco décimos por cento);

7 - extrato sêco total - mínimo 11,5% (onze e cinco décimos por cento);

8 - Índice crioscópico minimo - 0,55º C (menos cinquenta e cinco centésimos de grau centigrafo);

9 - índice refratométrico no soro cúprico à 20ºC (vinte graus centigrados) não inferior a 87º (trinta e sete graus) Zeiss.



Cotejando-se os aludidos padrões especificados no Decreto Federal nº 30.691/1952, com os padrões especificados na Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ?
IN MAPA nº 62, o padrão destoante, em relação aos Certificados de Análise das fls. 58/60, diz respeito ao parâmetro mínimo para a lactose (FQ 011), pois situado no COA nº 42282/2014 em 4,5% (fl. 60), ou seja, acima do índice mínimo estabelecido no Decreto Federal (4,3%) e abaixo do índice mínimo da Instrução Normativa do MAPA (de 4,7% a 5,2%). Ocorre que apenas esta amostra consona com o estabelecido no aludido Decreto Federal, pois as demais amostras e padrões retro referidos são dissonantes dos limites estabelecidos em ambos os atos normativos. Portanto, subsistem resultados...

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