Acórdão nº 70085567261 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Tribunal Pleno, 02-12-2022

Data de Julgamento02 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade
Número do processo70085567261
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTribunal Pleno

PODER JUDICIÁRIO


@ (PROCESSO ELETRÔNICO)

NAMP

Nº 70085567261 (Nº CNJ: 0006215-16.2022.8.21.7000)

2022/Cível


AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE.
LEI - PORTO ALEGrE nº 13.029, de 14mar22, que institui as diretrizes da educação domiciliar (homeschooling) no âmbito DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE e dá outras providências. DEFEITO DE REPRESENTAÇÃO SANADO E LEGITIMIDADE DO PROPONENTE RECONHECIDA. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. VÍCIO FORMAL CARACTERIZADO POR Usurpação da competência da União para editar normas gerais a respeito de educação. CONEXÃO CONFIGURADA.
1. Julgamento conjunto das ADI?s tombadas sob nº 70085567261 e 70085602407 está justificado em razão da conexão.

2. Defeito de representação do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre - SIMPA, sanado durante a instrução, pela juntada de instrumento de mandato com poderes específicos para o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade nos autos da ADI nº 70085567261.

3. Legitimidade do SIMPA configurada. Embora a lei questionada não atinja, de modo exclusivo, toda a categoria profissional abarcada pelo proponente, presente a pertinência temática, que lhe confere o direito de questioná-la em juízo.

4. A Lei - Porto Alegre nº 13.029/22 padece de vício formal na medida em que invade a competência exclusiva da União para editar normas gerais a respeito de educação, em especial na modalidade homeschooling, consoante entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE nº 888.815, consubstanciado no Tema nº 822 da sua repercussão geral.

5. Verificada a ocorrência de vício de inconstitucionalidade formal e, consequentemente, afronta aos arts. 1º; 8º, caput; 60, II, ?d?, c/c 82, III e VII, da CE-89, combinados com o art. 22, XXIV; 24, IX e § 1º, da CF-88, o que autoriza o manejo das ações diretas de inconstitucionalidade, ora em exame.

6. Diante dos efeitos do presente julgado e em observância ao comando do art. 27 da Lei nº 9.868/99 e ainda por razões de segurança jurídica e interesse social, os efeitos da presente declaração vão modulados, com o diferimento da eficácia desta decisão para a partir do ano letivo de 2023. Tal modulação visa não prejudicar as famílias que optaram pela modalidade de ensino prevista na presente norma no ano letivo de 2022, que aqui fica assegurada.
PRELIMINARES REJEITADAS.


AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PROCEDENTES POR MAIORIA.

Ação Direta de Inconstitucionalidade


Órgão Especial

Nº 70085567261 (Nº CNJ: 0006215-16.2022.8.21.7000)


Comarca de Porto Alegre

Nº 70085602407 (Nº CNJ: 0009729-74.2022.8.21.7000)




SINDICATO DOS MUNICIPÁRIOS DE PORTO ALEGRE - SIMPA


PROPONENTE

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA


PROPONENTE

CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE


REQUERIDO

MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE


REQUERIDO

PROCURADOR-GERAL DO ESTADO


INTERESSADO

ASSOCIAÇÃO PRÓ-FAMÍLIA DO RIO GRANDE DO SUL - PRÓ-FAMÍLIA/RS


AMICUS CURIAE


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar as preliminares e, por maioria, julgar procedentes as ações diretas de inconstitucionalidade, com modulação de efeitos, vencido o Desembargador Alexandre Mussoi Moreira, que as julgava improcedentes.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente), Des.
Marcelo Bandeira Pereira, Des. Newton Brasil de Leão, Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Des.ª Maria Isabel de Azevedo Souza, Des. Irineu Mariani, Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro, Des.ª Matilde Chabar Maia, Des. Alexandre Mussoi Moreira, Des.ª Angela Terezinha de Oliveira Brito, Des. Mário Crespo Brum, Des. Ney Wiedemann Neto, Des.ª Laura Louzada Jaccottet, Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, Des.ª Lizete Andreis Sebben, Des. Antonio Vinicius Amaro da Silveira, Des. Giovanni Conti, Des. Carlos Eduardo Richinitti, Des. Ricardo Torres Hermann, Des. Newton Luís Medeiros Fabrício, Des. Alberto Delgado Neto, Des. Ricardo Pippi Schmidt, Des.ª Deborah Coleto Assumpção de Moraes e Des. Roberto Carvalho Fraga.

Porto Alegre, 25 de novembro de 2022.


RELATÓRIO

Trata-se de ações diretas de inconstitucionalidade tombadas sob nº 70085567261 e 70085602407 ajuizadas, respectivamente, pelo SINDICATO DOS MUNICIPÁRIOS DE PORTO ALEGRE - SIMPA e pelo PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, tendo por objeto a Lei - Porto Alegre nº 13.029, de 14MAR22, que institui as diretrizes da educação domiciliar (homeschooling) no âmbito municipal e dá outras providências.

Nas ADI nº 70085567261, o SINDICATO DOS MUNICIPÁRIOS DE PORTO ALEGRE - SIMPA inicialmente defendeu sua legitimidade e a pertinência temática para questionar a norma objeto da demanda.
No mérito, defendeu a inconstitucionalidade material da Lei-POA nº 13.029/22, por ofensa ao princípio da dignidade humana, à efetividade da cidadania e ao dever solidário do Estado e da família na prestação do ensino fundamental, ofendendo, assim, o disposto nos arts. 196; 197; 199; e 200, da CE-89. Aduziu que a responsabilidade pela educação é do Estado e da família, solidariamente, não sendo possível a família assumir o desenvolvimento pedagógico do estudante, sem matriculá-lo em escola de ensino regular. Asseverou que é direito subjetivo de cada criança, adolescente, e jovem, a matrícula em instituição de ensino formal, sob pena de responsabilização do gestor público, tratando-se de dever cogente do administrador, consoante o disposto no art. 200 da CE-89. Questionou os dispositivos da lei objurgada, tecendo considerações acerca da sua inconstitucionalidade, dando destaque aos arts. 208, I; 209; 211; e 214, da CF-88, bem assim ao entendimento consolidado no Tema 822 da repercussão geral no Supremo Tribunal Federal, acerca do qual fez comentários e catalogou arestos. Pediu o deferimento do provimento cautelar para sobrestar a eficácia da Lei - POA nº 13.029, de 14MAR22 até o julgamento final da ação. Ao final, pugnou pela procedência do pedido.

Recebida a inicial, o provimento cautelar foi indeferido, sendo determinada a notificação do Prefeito Municipal de Porto Alegre e do Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, para prestar informações, bem como a citação do Procurador-Geral do Estado (fls.
83-91).

A ASSOCIAÇÃO PRÓ-FAMÍLIA DO RIO GRANDE DO SUL - PRÓ-FAMÍLIA/RS requereu o ingresso no feito como amicus curiae (fls.
111-41). Juntou documentos (fls. 142-64), o que foi deferido (fls. 165-6).

A Vereadora FERNANDA DA CUNHA BARTH pugnou pelo ingresso no feito como amicus curiae, pleito que foi indeferido, nos termos do art. 7º da Lei nº 9.868/99 e art. 212, § 2º, do RITJRS (fls.
223-8).

A CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE prestou informações, nas quais defendeu a constitucionalidade da legislação inquinada, especialmente por conta da inexistência de lei federal regulando a matéria, o que permite aos municípios legislar sobre o tema, conforme autoriza o art. 24, IX e § 3º, c/c art. 30, ambos da CF-88.
Asseverou que o texto constitucional não veda de forma absoluta o ensino domiciliar, proibindo apenas quaisquer de suas espécies que não respeitem o dever de solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças e adolescentes. Pugnou pela improcedência da ação (fls. 234-40). Juntou documentos (fls. 241-7).

O Procurador-Geral do Estado questionou a legitimidade do SIMPA para propor a demanda, pois a norma questionada não se destina apenas aos representados pelo proponente.
Asseverou, ainda, a ausência de poderes específicos para o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade. No mérito, defendeu a procedência do pedido, em razão da inconstitucionalidade da norma (fls. 251-78).

Foi determinada a regularização da representação processual do proponente (fl. 279), o que restou atendido (fls.
289-96).

O PREFEITO MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE prestou informações, onde preliminarmente arguiu a ilegitimidade ativa do proponente diante da ausência de pertinência temática.
No mérito, asseverou que a Lei - POA nº 13.029/22 foi editada em conformidade com a Constituição Federal. Teceu considerações acerca do julgamento do RE nº 888.815, consubstanciado no Tema 822-STF, onde o Supremo Tribunal Federal admitiu a possibilidade de se implementar o homeschooling, dependendo somente de legislação que tratasse do tema. Disse que o Município detém competência para legislar sobre educação. Sob o aspecto material, assinalou que a norma em questão não implica afastamento do Poder Público do sistema educacional, não guardando similitude com as espécies de ensino reputadas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Alternativamente, pugnou pela modulação dos efeitos, caso julgada inconstitucional a Lei - POA nº 13.029/22 (fls. 299-314).

Os autos foram com vista à Drª Ângela Salton Rotunno, Procuradora-Geral de Justiça, em exercício, que opinou pela rejeição das preliminares e pela procedência do pedido (fls.
321-72).

Por sua vez, na ADI nº 70085483360, o PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, em suas razões, sustentou a inconstitucionalidade formal, porquanto dentro do espectro de competências, verifica-se que a norma municipal em cotejo editou norma geral, de forma absolutamente dissonante com o regramento federal já existente, havendo invasão da competência privativa da União.
Destacou o julgamento do RE 888.815, concluindo que o acesso da criança ao ensino fundamental constitui garantia constitucional, sendo dever do Estado assegurar aos infantes o direito-dever de frequentarem os estabelecimentos regulares de ensino, catalogando arestos das Câmaras Separadas, acerca da inviabilidade da implementação do homeschoooling. Lembrou, ainda, o julgamento da ADI 6132/RS, sustentando a existência de ofensa ao disposto nos arts. e , caput, da CE-89, bem como ao art. 22, XXIV, da CF-88,...

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