Acórdão nº 70085570885 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, 10-05-2022

Data de Julgamento10 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Número do processo70085570885
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeiro Grupo de Câmaras Criminais

PODER JUDICIÁRIO


JCKS

Nº 70085570885 (Nº CNJ: 0006577-18.2022.8.21.7000)

2022/Crime


EMBARGOS INFRINGENTES.
APELAÇÃO CRIMINAL. LEI DE DROGAS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. PROVA ILÍCITA EM VIRTUDE DA INOBSERVÂNCIA DA INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO (ART. 5º, XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). INGRESSO DOS POLICIAIS MILITARES SEM MANDADO JUDICIAL OU JUSTA CAUSA QUE JUSTIFICASSE A CONCLUSÃO DE OCORRÊNCIA DE CRIME NO INTERIOR DA RESIDÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ. ABSOLVIÇÃO.
EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS.
POR MAIORIA.

Embargos Infringentes e de Nulidade


Primeiro Grupo Criminal

Nº 70085570885 (Nº CNJ: 0006577-18.2022.8.21.7000)


Comarca de Porto Alegre

LARISSA MARQUES MARTINS


EMBARGANTE

MINISTERIO PUBLICO


EMBARGADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Magistrados integrantes do Primeiro Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em acolher os Embargos Infringentes, vencidos os Desembargadores José Antônio Cidade Pitrez (Relator) e Sylvio Baptista Neto.
Redator para o acórdão o Desembargador José Conrado Kurtz de Souza.
Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além dos signatários, os eminentes Senhores Des.
Sylvio Baptista Neto (Presidente) e Des. Jayme Weingartner Neto, Dr.ª Viviane de Faria Miranda.

Porto Alegre, 10 de maio de 2022.

DES. JOSÉ ANTÔNIO CIDADE PITREZ,

Relator.


DES. JOSÉ CONRADO KURTZ DE SOUZA,

Revisor e Redator.


RELATÓRIO

Des. José Antônio Cidade Pitrez (RELATOR)

A ora embargante LARISSA MARQUES MARTINS foi denunciada por narcotráfico e porte ilegal de munição, com a majorante de tráfico efetuado nas proximidades de creche, sendo posteriormente absolvida de tais delitos.


Inconformado com a sentença, o agente ministerial da origem ingressou com recurso de apelação de nº 70083979062, visando a reforma da sentença e condenação da acusada pelo delito do artigo 33, caput, c/c o artigo 40, III, ambos da Lei de Drogas e do artigo 14, caput, da Lei de Armas.


Seguiu-se julgamento do recurso, ocasião em que foi, por maioria (formada pelo Desembargador Jayme e Dr. Irion), improvido, vencido o Des.
Honório, que provia dito apelo e condenava a ré por narcotráfico e porte de munição.

Opostos, pelo Ministério Público, Recursos Especial e Extraordinário, ocasião em que ao exame do Recurso Extraordinário, restou determinada a remessa dos autos ao órgão julgador para examinar a possibilidade de retratação, sobrestado o Recurso Especial (fls.
225/227).

Em juízo de retratação, o acórdão foi reformado, por maioria composta pelo Des.
Honório e Drª. Andréia, para prover o apelo ministerial, com a condenação da acusada pelos delitos dos artigos 33, caput da Lei de Tóxicos e 14, caput, da Lei de Armas, vencido o Des. Jayme que o improvia, mantendo o acordão primevo, reiterando que o acórdão recorrido estava em sintonia com o Tema 280, do STF, reforçando que a prova obtida pelo ingresso na residência é nula, por violação de domicílio, tal qual a sentença já destacara, sendo este o voto isolado.

Seguiu-se o ingresso de embargos infringentes, opostos pela Defensoria Pública em prol da acusada, de fls.
245/252, objetivando a prevalência do douto voto vencido, exarado pelo Des. Jayme, colacionando-o modo integral.

Colheu-se parecer escrito da douta Procuradoria de Justiça, no rumo do conhecimento e da rejeição dos embargos infringentes ?
fls. 257/260.

Após, os autos vieram conclusos.


É o relatório.

VOTOS

Des. José Antônio Cidade Pitrez (RELATOR)

Rogando vênia ao eminente prolator do voto minoritário, dele divirjo e rejeito os presentes embargos infringentes, aderindo integralmente ao voto condutor da maioria, por ocasião do julgamento do recurso ministerial, da lavra do Des.
Honório, que bem equacionou a questão.

Colaciono dito voto (que encontra eco no parecer ministerial da lavra da Drª.
Maria Ignez Franco Santos), onde disposto, acertadamente, a ponderação abaixo, à qual me filio:

?
Mantenho o voto que proferi no julgamento anterior, provendo o recurso do Ministério Público, assim vazado:

Estou divergindo.


Isso porque a prova oral, mesmo considerando o resumo levado a efeito pela magistrada, evidencia o equívoco em que incorreu essa ao afirmar a existência de violação de domicílio.


Veja-se:


Em relação à autoria, a ré Larissa Marques Martins negou a acusação, dizendo que estava em casa, mexendo em seu notebook e ?
quando eu olhei, eu vi um policial armado na porta do meu quarto. Na porta do meu quarto. Eu ouvi um barulho da porta abrindo, só que o meu pai passava bastante lá e eu ouvi o barulho da porta abrindo e eu achei que fosse o meu pai. Quando eu olhei pra porta eu vi o policial. Aí eles perguntaram o que eu sabia ou se tinha alguma coisa, eu disse que não, porque não era pra ter nada lá. Eles começaram a revirar tudo. [?] e me ameaçar. [?] Eu não tinha nada pra dizer pra eles?. Afirmou que eles estavam em 4 ou 5 policiais e confirmou a apreensão de drogas em sua casa, que estavam ?em cima de um armário, que tinha no corredor da minha casa e embaixo de uns cobertores, que são as bolsas que eles alegam que eu tava carregando na rua?. Confirmou o envolvimento de seu pai com o tráfico e disse que já brigou com ele para que nada fosse deixado na residência. Aduziu que morava no imóvel com sua esposa e que seu genitor frequentava o local. Noticiou, por fim, que estava sozinha no dia dos fatos e que atualmente não reside naquela casa.


Nesse mesmo sentido é o relato prestado pelas testemunhas arroladas pela defesa de Larissa:


Carmen Lucia de Lima Martins, tia da acusada, afirmou que ?
quando eu cheguei já tava acontecendo toda? todo o rebuliço, podemos dizer assim, dentro da residência?. Aduziu que não teve permissão para ingressar na casa, mas contou que Larissa, naquela ocasião, estava sozinha dentro do imóvel. Asseverou que a ré não saiu correndo e que a residência foi invadida pelos milicianos. Afirmou que a acusada não tem envolvimento ?com nada dessas porcarias? e que o responsável pelos objetos é o seu irmão, ?porque ele que tava nessa vida?. Disse acreditar que ele estivesse guardando objetos para algum amigo e contou que embora o genitor de Larissa não residisse na casa, ele costumava visitá-la.


Vitória Thomas Souza, companheira de Larissa, disse que não presenciou a prisão da acusada.
Contou, contudo, que moravam juntas na casa onde ela foi presa e relatou: ?pelo que eu entendi viu que tava chegando policial e tocou tudo pra dentro de casa, tanto é que ele fugiu e quando ele foi abordado ele não tinha nada?. Asseverou que o pai de Larissa morava próximo àquela casa e referiu que ele realmente é envolvido com o tráfico.

Everson Silveri Nunes Damasceno, tio da acusada, relatou que estava chegando em casa, quando viu a acusada sendo levada para a viatura.
Asseverou que soube da acusação quando foi no Denarc e relatou que o pai de Larissa residia naquele local. Contou que a acusada morava com a companheira e que ela nunca teve envolvimento com o tráfico.


Já o policial militar Luciano Chaves da Rocha informou que estavam em patrulhamento pelo local dos fatos, quando ?
nós abordamos ela, ela tentava sair da casa com uma mochila e uma sacola. Quando ela nos viu, que ela quis retornar ali, nos chamou a atenção e resolvemos por abordar. Na mochila encontramos ali, na mochila e na sacola, um colete, um colete a prova de balas [?], munições de calibre 380, 32, 38, maconha, cocaína e crack. Ao total deu mais de 1kg de maconha [...] alguns pinos de cocaína e cinquenta, cinquenta e poucas pedras de crack. Na casa, aí eu orientei uma busca na casa. Não sabia se tinha mais alguém lá dentro da casa, encontramos um binóculo, giroflex, duas balaclavas, um rádio [?] material que eu acredito que seja pra embalar droga?. Aduziu que a ré foi vista saindo da casa e que sua atitude suspeita consistiu no fato de ela, ao avistar a guarnição, tentar retornar para dentro da residência. Informou que não conhecia a acusada e que ela não reagiu à abordagem. Mencionou que Larissa informalmente afirmou que o material poderia ser de seu genitor, o qual não reside no imóvel e noticiou que a ré foi abordada no pátio da casa.

Tem-se, portanto, que a acusada saía da residência quando, ao perceber a presença da guarnição, tentou retornar, acabando por ser abordada no interior do pátio, oportunidade em que dispunha de vultosa quantidade de drogas diversas, bem assim de munições de armas de fogo.




Oportuno salientar, em tal contexto, que a ré nega que tenha saído do interior do imóvel onde ingressaram os policiais, versão que a magistrada, erroneamente, considerou confortada pelas declarações prestadas pelas testemunhas relacionadas pela defesa (diga-se, todas das relações da ré), pois, depreende-se, mesmo em leitura menos atenta dos depoimentos sintetizados na sentença, que nenhuma delas presenciou o início da diligência.


Por outro turno, considerando-se que a apelada dispunha das substâncias entorpecentes, e o delito de que trata o art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, é de natureza permanente, encontrava-se, sim, configurada a situação de flagrância, com o que a ação policial não demandava prévia obtenção de mandado de busca, estando autorizados os agentes ao ingresso na residência, sem autorização da moradora.


Aliás, nos termos da norma constitucional tida por violada, a situação retratada nos autos situa-se nas exceções nela contempladas.


A acrescer que a tentativa de fuga, diante da só percepção da presença da autoridade policial, mesmo se adotando a confusa orientação do Supremo Tribunal Federal, mostra-se suficiente para ensejar o ingresso na residência, pois, à evidência, sugere a prática de conduta ilícita, porquanto não há razão alguma para que qualquer pessoa, graciosamente, busque evitar a ação que, imagina, levarão a efeito os agentes policiais, a não ser a de se evadir à eventual responsabilização criminal.


Pelo jeito, com o propósito de impedir o ingresso de agentes policiais em
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