Acórdão nº 70085582013 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Tribunal Pleno, 15-07-2022

Data de Julgamento15 Julho 2022
ÓrgãoTribunal Pleno
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade
Número do processo70085582013
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO




MBP

Nº 70085582013 (Nº CNJ: 0007690-07.2022.8.21.7000)

2022/Cível


ação direta de inconstitucionalidade.
lei nº 10.571/2018 do município de lajeado que estabelece novos requisitos para o comércio ambulante e de trailers estacionados no município. lei de iniciativa do chefe do poder legislativo que viola a competência constitucional do chefe do poder executivo. vício de iniciativa. inconstitucionalidade formal. violação ao princípio da separação dos poderes.

É inconstitucional a Lei Municipal de iniciativa do Poder Legislativo que, ao estabelecer novas regras de organização e requisitos para o comércio ambulante e de trailers no município, interfere no funcionamento da administração pública municipal.
Lei que importa indevida interferência do Poder Legislativo na organização do Poder Executivo, no que tange à condução das políticas públicas do comércio local. Competência privativa do chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria.

A Constituição Estadual (da mesma forma que a Constituição Federal), quando estabelece um rol de matérias cuja iniciativa é reservada a uma estrutura de poder, o faz como garantia da independência e harmonia entre os poderes.


Quando o legislativo municipal interfere nas competências que são reservadas à iniciativa privativa do Prefeito, não apenas incorre em inconstitucionalidade formal propriamente dita, por vício de iniciativa (inconstitucionalidade subjetiva), senão que também comete flagrante violação à independência e harmonia dos Poderes que compõem o ente federativo.


Precedentes deste Órgão Especial.


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE.
UNÂNIME.
Ação Direta de Inconstitucionalidade


Órgão Especial

Nº 70085582013 (Nº CNJ: 0007690-07.2022.8.21.7000)


Comarca de Porto Alegre

PREFEITO MUNICIPAL DE LAJEADO


PROPONENTE

CAMARA MUNICIPAL DE LAJEADO


REQUERIDO

PROCURADOR-GERAL DO ESTADO


INTERESSADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar procedente o pedido da ação direta de inconstitucionalidade.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente), Des.
Arminio José Abreu Lima da Rosa, Des. Vicente Barroco de Vasconcellos, Des. Newton Brasil de Leão, Des. Sylvio Baptista Neto, Des. Francisco José Moesch, Des. Ivan Leomar Bruxel, Des.ª Maria Isabel de Azevedo Souza, Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana, Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro, Des. João Batista Marques Tovo, Des.ª Lúcia de Fátima Cerveira, Des.ª Laura Louzada Jaccottet, Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, Des. Miguel Ângelo da Silva, Des.ª Lizete Andreis Sebben, Des. Antonio Vinicius Amaro da Silveira, Des. Giovanni Conti, Des. Carlos Eduardo Richinitti, Des. Ricardo Torres Hermann, Des. Alberto Delgado Neto, Des. Ricardo Pippi Schmidt e Des. Niwton Carpes da Silva.

Porto Alegre, 15 de julho de 2022.


DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Marcelo Bandeira Pereira (RELATOR)

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo PREFEITO DO MUNICÍPIO DE LAJEADO em face da Lei Municipal nº 10.571/2018, iniciada e promulgada pela CÂMARA MUNICIPAL DE LAJEADO que alterou dispositivos da Lei Municipal nº 8.136/2009, a qual estabelece norma para a exploração do comércio ambulante e trailers estacionados.


Em suas razões, alega, em síntese, que a referida legislação padece de vício de iniciativa, pois usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo, uma vez que trata de matéria relativa à organização e ao funcionamento da administração local.
Invocou afronta aos artigos 10 e 82, inciso VII, ambos da CE, em simetria aos artigos , 61, §1º, inciso II, alínea ?b?, e 84, inciso VI, alínea ?a?, todos da CF. Citou jurisprudência desta Corte em casos análogos, inclusive em relação a outra lei municipal de Lajeado que visava à alteração da mesma legislação municipal. Referiu, ainda, que qualquer lei que altere a previsão orçamentária, igualmente, fere a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, conforme previsão do artigo 154 da CE e artigo 167 da CF. Requereu a procedência do pedido, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.571, de 26 de fevereiro de 2018, do Município de Lajeado.
Recebida a ação, não houve pedido liminar.


O Estado do Rio Grande do Sul requereu manutenção das disposições legais questionadas, com lastro na presunção de constitucionalidade derivada da independência e harmonia entre os poderes estatais (artigo 2º da CF/88).

A Câmara Municipal de Lajeado, notificada, não se manifestou.


Com vista dos autos, a Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela procedência do pedido.

É o relatório.

VOTOS

Des. Marcelo Bandeira Pereira (RELATOR)

Desde logo adianto que o pedido vai acolhido, considerando a inconstitucionalidade formal da Lei Municipal nº 10.571, de 26 de fevereiro de 2018, do Município de Lajeado, na esteira de precedentes análogos, inclusive do mesmo município, já apreciados por este colegiado.


Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade por alegada afronta, pela Lei do Município de Lajeado nº 10.571/2018, que alterou dispositivos da Lei Municipal nº 8.136, de 15 de abril de 2009, à separação de poderes, por violação do Poder Legislativo Municipal às competências reservadas ao Poder Executivo.


A Lei Municipal nº 10.571/2018, que alterou a Lei nº 8.136/2009, assim dispôs:
Art. 1º Acrescenta alínea ao inciso II no § 1º do Artigo 3º da Lei Municipal nº 8.136/2009 passando a vigorar com a seguinte redação:

?
Art. 3º ...

§ 1º ...

I - ...

II - ...

b) O proprietário do veículo arcará com todas as despesas de instalação, identificação e delimitação do veículo e local.
?

Art. 2º Acrescenta inciso no Parágrafo único do artigo 8º da Lei Municipal nº 8.136/2009 que passa a vigorar com a seguinte redação:

?
Art. 8º ...

Parágrafo único.
...

I - O proprietário do veículo com licença especial para estacionamento, e que necessitar de energia elétrica para o manuseio e armazenamento de alimentos, ou, para a oferta de serviços diversos, deverá requisitar autorização da administração municipal para instalar medidor, e após ser autorizado, solicitar a ligação de energia à concessionária responsável pelo serviço, no local autorizado.
?

Art. 3º Ficam inalteradas as demais disposições legais.


Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.


SALA DA PRESIDÊNCIA, 26 de fevereiro de 2018.

Os dispositivos reproduzidos, efetivamente, tratam de matérias que, de acordo com o que dispõe à Constituição Estadual, estariam reservadas à iniciativa do Chefe do Poder Executivo.


É que, ao dispor sobre novas regras e requisitos à instalação de comércio ambulante e de trailers estacionados no município, necessariamente interferiu no funcionamento da administração pública municipal (no seu sentido objetivo, material, funcional).


Com efeito, estabelece a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul:

Art. 60.
São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar;

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.


Ademais, as competências privativas do Governador estão listadas no art. 82, dentre as quais destaco: II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual; III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

Nesse sentido, a inconstitucionalidade ganha corpo quando a Lei importa indevida interferência do Poder Legislativo na organização do Poder Executivo, no que tange à condução das políticas relativas à organização do comércio local, podendo acarretar despesas não previstas pela Lei Orçamentária ou até mesmo redução da oferta de serviços no comércio, o que igualmente não é de interesse da municipalidade.


À vista do que referido, patente é a violação à separação dos poderes, que vem assegurada na Constituição do Estado no seu artigo 5º
e, especificamente quanto aos municípios, no artigo 10
.


A Constituição Estadual (da mesma forma que a Constituição Federal), quando estabelece um rol de matérias cuja iniciativa é reservada a uma estrutura de poder (no caso, ao chefe do Poder Executivo), ao fim e ao cabo, o faz como garantia da independência e harmonia entre os poderes.


Assim, quando o legislativo municipal interfere nas competências que são reservadas à iniciativa privativa do Prefeito ?
como, no caso, para estabelecer novas regras e requisitos ao desenvolvimento do comércio local, não apenas incorre em inconstitucionalidade formal propriamente dita, por vício de iniciativa (inconstitucionalidade subjetiva), o que já seria suficiente para expungir a norma do ordenamento jurídico, como também incorre em flagrante violação à independência e harmonia dos Poderes que compõem o ente federativo.

Há precedentes deste Órgão Especial, especificamente ao assunto tratado nesta lei, um deles referente ao próprio Município de Lajeado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
MUNICÍPIO DE ERECHIM. LEI MUNICIPAL DISPONDO ACERCA DE NORMAS PARA ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO COMÉRCIO AMBULANTE. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. O art. 15 da Lei Municipal nº 222/2020, que regulamenta o comércio ambulante no Município de Erechim e revoga a Lei n. 5.153/2011 do Município padece de vício formal na medida em que o Poder Legislativo Municipal invadiu a seara de competência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT