Acórdão nº 70085608289 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Tribunal Pleno, 15-07-2022

Data de Julgamento15 Julho 2022
ÓrgãoTribunal Pleno
Classe processualPetição
Número do processo70085608289
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO




FJM

Nº 70085608289 (Nº CNJ: 0010317-81.2022.8.21.7000)

2022/Cível


INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
artigo 11 da lei complementar nº 606/2020. município de caxias do sul/rs. programa de regularização arquitetônica ?caxias legal?. instituição da taxa de regularização de construções edificadas e de reformas já consolidadas em edificações do município. ofensa ao disposto no artigo 145, inciso ii, da constituição federal e artigo 140, ?caput? e § 1º, inciso II, da constituição estadual.

I. O artigo 11 da Lei Complementar nº 606/2020, do Município de Caxias do Sul, que institui o Programa de Regularização Arquitetônica ?
Caxias Legal? no Município de Caxias do Sul, e dá outras providências, estabeleceu a taxa de regularização de construções edificadas e de reformas já consolidadas em edificações no Município.

II. A Constituição Federal confere competência às esferas de governo para instituírem taxas com fundamento (a) no exercício regular do poder de polícia e (b) na utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados aos contribuintes ou postos à sua disposição.
III. Caso em que verificado o desequilíbrio entre o custo da taxa cobrada e o valor despendido na atuação estatal, caracterizando o efeito confiscatório vedado pelo artigo 150, inciso IV, da CF.

IV. Reconhecido o vício material de inconstitucionalidade da norma, por ofensa ao artigo 145, inciso II, da Constituição Federal e artigo 140, ?caput? e § 1º, inciso II, da Constituição Estadual.

INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADO PROCEDENTE.
UNÂNIME.

Peticao


Órgão Especial

Nº 70085608289 (Nº CNJ: 0010317-81.2022.8.21.7000)


Caxias do Sul

COLENDA 22ª CÂMARA CÍVEL,


AUTORA;

MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL,


INTERESSADO;

EUROAR SISTEMAS AUTOMOTIVOS LTDA.,


INTERESSADA;

MINISTÉRIO PÚBLICO,


INTERESSADO.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar procedente o incidente de arguição de inconstitucionalidade.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente), Des.
Arminio José Abreu Lima da Rosa, Des. Marcelo Bandeira Pereira, Des. Vicente Barroco de Vasconcellos, Des. Newton Brasil de Leão, Des. Sylvio Baptista Neto, Des. Ivan Leomar Bruxel, Des.ª Maria Isabel de Azevedo Souza, Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana, Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro, Des. João Batista Marques Tovo, Des.ª Lúcia de Fátima Cerveira, Des.ª Laura Louzada Jaccottet, Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, Des. Miguel Ângelo da Silva, Des.ª Lizete Andreis Sebben, Des. Antonio Vinicius Amaro da Silveira, Des. Giovanni Conti, Des. Carlos Eduardo Richinitti, Des. Ricardo Torres Hermann, Des. Alberto Delgado Neto, Des. Ricardo Pippi Schmidt e Des. Niwton Carpes da Silva.

Porto Alegre, 15 de julho de 2022.


DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Francisco José Moesch (RELATOR)

Trata-se de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade suscitado pela 22ª Câmara Cível, em relação ao artigo 11 da Lei Complementar nº 606/2020, do Município de Caxias do Sul/RS, nos autos da APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007344-23.2021.8.21.0010/RS ajuizada pelo MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL, oriunda do Mandado de Segurança impetrado por EUROAR SISTEMAS AUTOMOTIVOS LTDA, em que proferida sentença de parcial procedência, reconhecendo a inexigibilidade da taxa de regularização exigida pela municipalidade, nos termos em que cobrada do ente municipal e determinando a readequação do montante exigido a esse título, a partir dos apontamentos dispostos pelo Juízo.


Em sede de apelação, sustentou o Município que a taxa de regularização em questão está prevista no artigo 11 da Lei Complementar Municipal nº 606/2020, com valor a ser calculado com base na área irregularmente construída.
Aduziu que se trata de taxa com o intuito de regularizar áreas construídas à margem do previsto na legislação municipal e que não foram averbadas na matrícula do imóvel ou, se o foram, não observaram a realidade da construção. Afirmou que, ao contrário do esboçado na sentença, a taxa não possui caráter de penalidade, tendo sido instituída em valor mais elevado justamente por ter natureza diversa da taxa de ?habite-se? simples. Salientou que a Taxa de Habite-se tem valor reduzido por ser uma simples conferência entre o que está na obra e o que foi aprovado, já que está regularizado, sendo bem mais simples do que regularizar um imóvel que tenha descumprido com o projeto que foi aprovado, ou pior, em alguns casos, sequer há projeto aprovado, razão pela qual pugnou pelo provimento do recurso.

O Órgão Fracionário destacou que, no caso em tela, a discussão sobre a razoabilidade e a proporcionalidade da base de cálculo da taxa exigida pelo Município, metragem do imóvel multiplicada por 12 (doze), que implica em suposta contraprestação abusiva pelo serviço prestado pela municipalidade para licenciamento do imóvel, exige a análise da constitucionalidade do dispositivo que a embasa.
No caso, afastar a base de cálculo da taxa prevista no artigo 11 da Lei Complementar nº 606/2020 do Município de Caxias do Sul/RS, sem prévio exame de sua constitucionalidade, violaria o disposto na Súmula Vinculante nº 10.

Os autos foram a mim redistribuídos, sendo determinada vista ao Procurador-Geral de Justiça, nos termos do artigo 210 do Regimento Interno.


Sobreveio parecer da Procuradora-Geral de Justiça, em exercício, pela procedência da presente arguição ?
fls. 226/246.

É o relatório.

VOTOS

Des. Francisco José Moesch (RELATOR)

Eminentes colegas.

Merece acolhida o presente incidente de inconstitucionalidade.


O acórdão da Colenda 22ª Câmara Cível, de minha relatoria, que analisou o recurso de apelação nº.
5007344-23.2021.8.21.0010 e, à unanimidade, suscitou o presente incidente restou assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA.
MANDADO DE SEGURANÇA. TAXA DE REGULARIZAÇÃO. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA BASE DE CÁLCULO PREVISTA NO ART. 11 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 606 DO MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL. SUPOSTA DESPROPORCIONALIDADE DOS CRITÉRIOS ADOTADOS PARA A CONTRAPRESTAÇÃO DO SERVIÇO PRESTADO PELA MUNICIPALIDADE. EFEITO CONFISCATÓRIO VEDADO PELO ART. 150, INCISO IV, DA CF. CARÁTER DE PENALIDADE VEDADO PELO ART. 3º DO CTN. SÚMULA VINCULANTE 10. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO.

I) O controle difuso de constitucionalidade permite a todos os órgãos do Poder Judiciário a confrontação de normas jurídicas em face da Carta Magna.
Nos Tribunais, todavia, deve ser observado quorum qualificado, com competência privativa para tal averiguação.

II) Segundo a Súmula Vinculante nº 10: \
"Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.\"
III) No caso, de acordo com o teor da Súmula vinculante, afastar a base de cálculo da taxa prevista no art. 11 da Lei Complementar nº 606/20 do Município de Caxias do Sul, violaria o disposto na Súmula Vinculante nº 10.
Impõe-se, pois, no presente caso, que seja suscitado incidente de inconstitucionalidade, a ser apreciado pelo Órgão Especial desta Corte.

SUSCITADO INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE.
UNÂNIME.
Pois bem.

O artigo 11 da Lei Complementar nº 606/2020, do Município de Caxias do Sul, que institui o Programa de Regularização Arquitetônica ?
Caxias Legal? no Município de Caxias do Sul, e dá outras providências, estabeleceu a taxa de regularização de construções edificadas e de reformas já consolidadas em edificações no município, nestes termos:

Art. 11.
Para os fins a que trata a presente Lei, será cobrada taxa de regularização, calculada a partir do total de metros quadrados de área irregularmente construída, aplicando-se a seguinte fórmula:

Valor (R$) = Ai x i, sendo:

Ai = área irregular construída (em m²)

I - = índice de proporcionalidade (em R$)

§ 1º Independentemente da atividade, será utilizado o índice de proporcionalidade igual a 12 (doze).


§ 2º Edificações habitacionais unifamiliares irregulares com área total de até 70,00m² (setenta metros quadrados) utilizarão índice de proporcionalidade igual a zero.


§ 3º As edificações regularizadas enquadradas no art. 4º, independentemente da atividade, utilizarão o índice de proporcionalidade igual a 40 (quarenta) sobre a parcela de área que incidir sobre a previsão de alargamento da via ou extrapolar o alinhamento viário.


Inicialmente, destaco o disposto na Carta Magna quanto à questão posta ?
sub judice?:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(...)

II ?
taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

Tal dispositivo vem reproduzido no artigo 140, § 1º, inciso II, Constituição Estadual, ?
in verbis?:
Art. 140 ? O sistema tributário no Estado é regido pelo disposto na Constituição Federal, nesta Constituição, em leis complementares e ordinárias, e nas leis orgânicas municipais.

§ 1º - O sistema tributário a que se refere o ?
caput? compreende os seguintes tributos:

(...)

II ?
taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.

No mesmo sentido, dispõe o artigo 77 do Código Tributário Nacional:
Art. 77 - As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de
...

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