Acórdão nº 70085673358 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Tribunal Pleno, 02-12-2022

Data de Julgamento02 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualIncidente de Arguição de Inconstitucionalidade
Número do processo70085673358
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTribunal Pleno

PODER JUDICIÁRIO


CER

Nº 70085673358 (Nº CNJ: 0016824-58.2022.8.21.7000)

2022/Cível


INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
REGIMENTO INTERNO DISCIPLINAR DA GUARDA MUNICIPAL DE CACHOEIRINHA. PADRONIZAÇÃO VISUAL DO QUADRO EFETIVO. PROIBIÇÃO DO USO DE BARBA POR SERVIDORES DO SEXO MASCULINO. LIMITAÇÃO DESPROPORCIONAL A DIREITOS DA PERSONALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE PRONUNCIADA.

1. As guardas municipais, ainda que não reconhecidas legalmente como instituições de caráter militar, estão inseridas em contexto de coadjuvação direta com os demais órgãos de segurança pública, integrando, inclusive, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), conforme expressa previsão constante do artigo 9º da Lei nº 13.675/2018.
2. Nesse norte, em se tratando de instituição atualmente reconhecida como órgão operacional do sistema nacional de segurança pública, é forçoso reconhecer que seus integrantes estão sujeitos a diferenciado regime disciplinar e a regramentos de conduta mais rígidos do que aqueles próprios dos servidores públicos civis em geral. Diante de tal contexto, reputam-se razoáveis e proporcionais as disposições da norma questionada que preveem o uso obrigatório, pelo efetivo feminino, de cabelos curtos ou presos, brincos pequenos e maquiagem leve, bem como cabelos curtos, suíça curta e bigode aparado por agentes do sexo masculino, visto que tais exigências visam padronizar visualmente o respectivo quadro efetivo em harmonia com os valores institucionais de sobriedade e comedimento do referido órgão de segurança pública. Regramentos específicos de asseio pessoal que não infringem princípios constitucionais e garantias fundamentais, sendo justificáveis à luz do especial contexto funcional desses servidores.
3. Sem embargo, a respeito da imposição legal de ?barba raspada? aos guardas do sexo masculino, entende-se que a restrição já desborda das balizas da razoabilidade e da proporcionalidade por buscar a concreção de uma finalidade (padronização visual do quadro efetivo de guardas) mediante restrição demasiada ao exercício de direitos da personalidade de tais servidores (como imagem e identidade próprias). Com efeito, o que se espera do agente estatal é a adoção mínima de cuidados estéticos e de asseio pessoal que sejam condizentes com a dignidade da instituição, propósito que se atende suficientemente com uma barba aparada, devidamente alinhada e feita. Situação de desleixo pessoal, potencialmente comprometedora da reputação e da dignidade da instituição integrada pelo servidor público, que seria cogitável em caso de uma barba comprida, não feita ou por fazer, mas não em hipótese de barbas devidamente aparadas e alinhadas. Exigência de eliminação total da barba do guarda municipal, como regra obrigatória e permanente de conduta, que traduz medida normativa desarrazoada e desproporcional, constituindo proibição excessiva por restringir exageradamente um direito fundamental quando existente providência bem menos gravosa e igualmente apta a concretizar a finalidade pública visada pela norma legal (como a imposição de barba feita e aparada, tão somente). Suficiência da exigência de utilização de barba devidamente aparada (a exemplo, aliás, do que foi previsto para o uso de bigode) para fins de cumprimento a padrão básico de apresentação pessoal minimamente asseada e consequentemente alinhada com a dignidade da instituição de segurança pública. Uso de barba aparada por agente civil de segurança pública que não atenta contra a dignidade e seriedade da instituição e tampouco afeta o trabalho habitualmente desenvolvido pelo guarda municipal perante a comunidade. Proibição do uso de barba que já traz consigo um padrão de rigidez estética próprio da disciplina militar ? regime que, como é cediço, não pode ser estendido às guardas municipais por força de comando expresso do próprio estatuto geral do órgão (artigo 14, parágrafo único, da Lei nº 13.022/2014). Violação, no ponto, aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (em sentido estrito). Inteligência e aplicação do princípio do devido processo legal substantivo no âmbito do controle incidental de constitucionalidade.
4. Declaração parcial de inconstitucionalidade, \"in concreto\", que se restringe, portanto, à parte final da redação da alínea \"a\" do inciso I do artigo 4º da Lei Municipal nº 4.355/2018 (exclusivamente da expressão \'barba raspada\'), dada a afronta aos direitos à liberdade individual, à autodeterminação e à preservação da imagem e identidade pessoais, consabidas derivações lógicas do princípio da dignidade humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição da República), além da inobservância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
INCIDENTE JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

Arguição de Inconstitucionalidade


Órgão Especial

Nº 70085673358 (Nº CNJ: 0016824-58.2022.8.21.7000)


Comarca de Cachoeirinha

COLENDA 4 CAMARA CIVEL


PROPONENTE

SINDICATO DOS MUNICIPARIOS DE CACHOEIRINHA/RS - SIMCA


INTERESSADO

MUNICIPIO DE CACHOEIRINHA


INTERESSADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar parcialmente procedente o incidente de arguição de inconstitucionalidade.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente), Des.
Arminio José Abreu Lima da Rosa, Des. Marcelo Bandeira Pereira, Des. Vicente Barroco de Vasconcellos, Des. Newton Brasil de Leão, Des. Rui Portanova, Des. Francisco José Moesch, Des. Ivan Leomar Bruxel, Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco, Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Des. Irineu Mariani, Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro, Des.ª Matilde Chabar Maia, Des. Carlos Cini Marchionatti, Des. João Batista Marques Tovo, Des.ª Angela Terezinha de Oliveira Brito, Des. Ney Wiedemann Neto, Des.ª Laura Louzada Jaccottet, Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, Des.ª Lizete Andreis Sebben, Des. Antonio Vinicius Amaro da Silveira, Des. Giovanni Conti, Des. Alberto Delgado Neto e Des. Ricardo Pippi Schmidt.

Porto Alegre, 25 de novembro de 2022.


DES. CARLOS EDUARDO RICHINITTI,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Carlos Eduardo Richinitti (RELATOR)

Trata-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade suscitado pela Quarta Câmara Cível deste Tribunal nos autos da Apelação Cível nº 70081488108, interposta pelo Município de Cachoeirinha em face de decisão que concedeu a ordem no âmbito de mandado de segurança
impetrado pelo Sindicato dos Municipários de Cachoeirinha (SIMCA), em aresto ementado nos seguintes termos:

APELAÇÃO CÍVEL.
MANDADO DE SEGURANÇA. RESTRIÇÃO AO USO DE BARBA PELOS INTEGRANTES DA GUARDA MUNICIPAL, PREVISTA NO ARTIGO 4º DA LEI MUNICIPAL N. 4.355/2018. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. Havendo discussão acerca da constitucionalidade do artigo 4º da Lei nº 4.355/2018, impõe-se, assim, que seja suscitado incidente de inconstitucionalidade, em salvaguarda ao princípio da reserva de plenário. SUSCITARAM INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME.
(Apelação / Remessa Necessária nº 70081488108, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em: 29-06-2022)

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela improcedência do incidente (fls.
138/143v).

Vieram os autos conclusos para julgamento.


É o relatório.

VOTOS

Des. Carlos Eduardo Richinitti (RELATOR)

Eminentes Colegas.


Estou conhecendo do presente incidente de arguição de inconstitucionalidade, uma vez que satisfeitos os seus pressupostos de procedibilidade.


Com efeito, por entender que a solução da controvérsia estabelecida em grau recursal pressupõe o desate prévio de questão relacionada à constitucionalidade do artigo 4º da Lei nº 4.355/2018 (do Município de Cachoeirinha), resolveu a Colenda 4ª Câmara Cível deste Tribunal suscitar o presente incidente para efeito de apreciação da compatibilidade do precitado dispositivo com a Constituição.


Alega o SIMCA (Sindicato dos Municipários de Cachoeirinha), em suma, que a Administração Pública de Cachoeirinha contrariou o princípio da dignidade humana ao publicar lei com imposição de restrições à forma de apresentação pessoal e estética dos seus guardas municipais.
Argumenta-se, na inicial do mandado de segurança coletivo e preventivo, que o ente público municipal, ?ao editar lei que disponha quanto à apresentação pessoal do servidor público ? seja sobre como deve o servidor aparar os cabelos ou barbas, ou o uso de acessórios como brincos e piercings, ou ainda sobre o uso de tatuagens ? invade a esfera privada do trabalhador, atentando contra um dos direitos mais elementares garantidos por nossa Constituição, qual seja, o direito à personalidade, fulminando com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana? (fl. 09).

A Prefeitura Municipal de Cachoeirinha, por sua vez, informou que ?
a previsão de barba raspada não está associada ao preconceito, mas simplesmente à necessidade em razão da função que os guardas desempenham?, sendo que ?a padronização visual do efetivo masculino com uso de barba raspada e bigodes aparados da Guarda Municipal de Cachoeirinha é mantido desde a sua criação em 1987, o qual trouxe uma identificação da instituição com a comunidade municipal? (fls. 94 e 96).

Pois bem.

A norma legal sob análise ?
artigo 4º da Lei nº 4.355/2018 (fl. 38v) ? contém o seguinte teor, verbatim:

Art. 4º.
Por razões de segurança e padronização visual do quadro efetivo da Guarda Municipal, deverá obrigatoriamente usar:
I - para o efetivo masculino:
a).
cabelos curtos, suíça na altura da cartilagem de tragus, barba raspada;
b).
é permitido o uso de bigode de forma aparada.
II - para o efetivo feminino:
a).
os cabelos curtos ou presos segundo estilo (coque);
b).
é permitido o uso de brincos pequenos fixados na orelha e maquiagem leve.

Como sabido, a Constituição da República
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