Acórdão nº 70085699239 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Tribunal Pleno, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade
Número do processo70085699239
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTribunal Pleno

PODER JUDICIÁRIO


@ (PROCESSO ELETRÔNICO)

RTH

Nº 70085699239 (Nº CNJ: 0019412-38.2022.8.21.7000)

2022/Cível


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
MUNICÍPIO DE DOM FELICIANO. Lei Municipal nº 4.410/22. redução da carga horária semanal dos servidores públicos municipais. INICIATIVA DO LEGISLATIVO. MATÉRIA AFETA AO REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. VÍCIO FORMAL. artigo 60, II, ?b?, da Constituição estadual E 61, §1º, inciso II, alínea c, da Constituição FederaL. INCONSTITUCIONALidade. RECONHECIMENTO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO.
1. Padece de inconstitucionalidade formal a Lei n.º 4.410, de 02 de setembro de 2022, do Município de Dom Feliciano, que ?assegura direito a servidor(es) cujo(s) filho(s) possuam deficiência e dá outras providências?. Matéria afeita ao regime jurídico de servidores públicos, de modo que a Lei oriunda do Poder Legislativo apresenta vício de iniciativa, configurando afronta ao princípio da harmonia e independência entre os poderes.

2. Norma que enseja incremento de despesas, considerando a necessidade que exsurge de remanejamento de servidores de outras áreas, ou mesmo de contratação temporária, invariavelmente acarretando dispêndio de dinheiro público, o que não prescinde de prévio estudo de impacto orçamentário e financeiro. Violação aos artigos 10, 60, inciso II, alínea ?b?, e 82, inciso VII, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 8º, ?caput?, todos da Constituição Estadual. Precedentes.

3. Modulação de efeitos que se mostra cabível, com efeitos ex nunc da declaração da inconstitucionalidade da norma a contar da publicação do acórdão, com o fito de evitar prejuízos aos trabalhadores que se beneficiaram do permissivo legal em exame. Enquadramento no artigo 27 da Lei Federal nº 9.868/99.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE, DIFERIDOS OS EFEITOS DA DECISÃO A CONTAR DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO.
UNÂNIME.
Ação Direta de Inconstitucionalidade


Órgão Especial

Nº 70085699239 (Nº CNJ: 0019412-38.2022.8.21.7000)




PREFEITO MUNICIPAL DE DOM FELICIANO


PROPONENTE

CAMARA MUNICIPAL DE DOM FELICIANO


REQUERIDO

PROCURADOR-GERAL DO ESTADO


INTERESSADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade, com efeitos a contar da publicação do acórdão.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente), Des.
Marcelo Bandeira Pereira, Des. Newton Brasil de Leão, Des. Jorge Luís Dall\'Agnol, Des. Francisco José Moesch, Des. Ivan Leomar Bruxel, Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Des.ª Maria Isabel de Azevedo Souza, Des. Irineu Mariani, Des. Marco Aurélio Heinz, Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana, Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro, Des.ª Matilde Chabar Maia, Des. Carlos Cini Marchionatti, Des. João Batista Marques Tovo, Des.ª Marilene Bonzanini, Des. Túlio de Oliveira Martins, Des. Ney Wiedemann Neto, Des.ª Laura Louzada Jaccottet, Des. Antonio Vinicius Amaro da Silveira, Des. Giovanni Conti, Des. Carlos Eduardo Richinitti, Des. Alberto Delgado Neto e Des. Sérgio Miguel Achutti Blattes.

Porto Alegre, 17 de fevereiro de 2023.


DES. RICARDO TORRES HERMANN,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Ricardo Torres Hermann (RELATOR)

Trata-se de AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE proposta pelo PREFEITO MUNICIPAL DE DOM FELICIANO contra a Lei Municipal nº 4.410, de 02 de setembro de 2022, que assegura direito a servidor(es) cujo(s) filho(s) possua deficiência e dá outras providências.

Em suas razões, alega que é de competência do Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que se ocupem com a organização e funcionamento dos órgãos da Administração Pública.
Argumenta que o Diploma Legal em questão reduz a carga horária semanal dos servidores públicos municipais, em um terço, sem compensação de horário, que possuam filho (a) dependente, com idade até 18 (dezoito) anos, que possuam deficiência congênita ou adquirida. Sustenta que a Câmara de Vereadores não poderia regular e impor a referida lei, uma vez que há clara ofensa aos artigos 10, 60, II, ?b?, 61, I e 82, III, todos da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, de normas de reprodução obrigatória, também previstas na Constituição Federal ? artigos , 61, §1º, II, ?c?, 63, I e 84, III. Aduz a inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, destacando a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre a carga horária dos servidores público municipal, o que deve ser preservado sob pena de afronta à independência e à harmonia dos Poderes. Refere a ocorrência de inconstitucionalidade formal também, em razão da promulgação extemporânea da Lei por autoridade incompetente. Sustenta, ainda, a ocorrência de vício da inconstitucionalidade material, em face do aumento de despesa sem a correspondente previsão orçamentária, pois com a redução da carga horária dos servidores haverá a necessidade de contratação de novos trabalhadores para suprir a demanda. Requer, portanto, a suspensão, de plano, da vigência da Lei Municipal nº 4.410/2022 e, no mérito, pela procedência.
O pedido de liminar é deferido.


O PROCURADOR-GERAL DO ESTADO defende a manutenção da lei questionada, forte no princípio da presunção de constitucionalidade derivada da independência e harmonia entre os poderes estatais (fls.
67/68).

A CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES, notificada a prestar informações (fls.
50, 56-57 e 61), silencia (fl. 71)
Em parecer final, a PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA opina pela procedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade.


É o relatório.

VOTOS

Des. Ricardo Torres Hermann (RELATOR)

Eminentes Colegas.


Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Chefe do Executivo Municipal, que pretende ver declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.410/2022 que trata da redução da carga horária semanal, em um terço e sem compensação de horário, dos servidores públicos municipais que possuam filho(a) ou dependente, com idade até 18 (dezoito) anos, que possua deficiência congênita ou adquirida.


Como forma de embasar sua pretensão, argumenta sobre a vulneração de disposição expressa da Constituição Estadual, em simetria à Constituição Federal, destacando o fato de que o Poder Legislativo Municipal, finalizando processo legislativo, com vício de iniciativa, acabou por reduzir a carga horária de um grupo específico, sem a correspondente compensação de horário, que acaba por promover um aumento remuneratório para esses servidores, fato que forçaria o Poder Executivo ao remanejamento de servidores de outras áreas ou mesmo a realização de contratação temporária, invariavelmente acarretando aumento de despesa.


O diploma legal em comento assim estabelece:

LEI MUNICIPAL Nº 4.410, DE 02/09/2022

Assegura direito a servidor(es) cujo(s) filho(s) possua deficiência e dá outras providências.


O VICE-PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE DOM FELICIANO, no uso de suas atribuições e em conformidade com a Lei Orgânica do Município.


FAÇO SABER QUE A CÂMARA MUNICIPAL MANTEVE E EU PROMULGO, NOS TERMOS DO § 8º, DO ARTIGO 69, DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO; A SEGUINTE LEI:

Art. 1º Os servidores públicos municipais que possuam filho (a) dependente, com idade até 18 (dezoito) anos, que possuam deficiência congênita ou adquirida, terão sua carga horária semanal reduzida em um terço, sem compensação de horário.


§ 1º A redução da carga horária, de que trata este artigo, destina-se ao acompanhamento do filho natural ou adotivo, no seu tratamento ou atendimento de suas necessidades básicas.


§ 2º No caso de ambos os cônjuges serem servidores municipais e enquadrados nas disposições desta Lei, a somente um deles será autorizada a redução da carga horária prevista para o acompanhamento de que trata esta Lei, de sua livre escolha.


§ 3º O afastamento poderá ser contínuo, alternado ou escalonado, conforme a necessidade e de acordo com a prescrição médica do programa de tratamento do deficiente.


Art. 2º Para a redução da carga horária de que trata esta Lei, o interessado deverá encaminhar requerimento, instruído com cópia da certidão de nascimento ou termo de adoção, atestado ou laudo médico, de que o filho é portador de deficiência, com dependência e quando possível, do laudo prescritivo do programa de tratamento.


Parágrafo Único. O requerimento acompanhado de laudo, emitido e firmado pelo médico como qual o paciente realiza seu tratamento e/ou acompanhamento clínico, será encaminhado ao Prefeito Municipal para despacho.

Art. 3º O benefício de que trata esta Lei será concedido pelo prazo de 01 ano, podendo ser renovado por igual período, observado o disposto no art. 2º e seus parágrafos.


Parágrafo único. Tratando-se de deficiência irreversível e que necessite de tratamento continuado, o servidor fará, na época da renovação, apenas a comunicação ao órgão de pessoal para registro e demais providências, prorrogando-se automaticamente o benefício.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


Dom Feliciano, 02 de setembro de 2.022

Marco Aurélio Tyska

Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vereadores

Razão, adianto, assiste ao proponente.


A fim de evitar inútil tautologia, reporto-me inicialmente aos fundamentos por mim adotados quando da concessão da medida liminar postulada na inicial, in litteris:
[...] Com efeito, calha observar que a promulgação da lei em exame acaba por dispor acerca do regime jurídico dos servidores municipais, invadindo a competência privativa do Prefeito Municipal, com base no que disciplina o artigo 60, II, ?
b?, da Constituição Estadual
e artigo 84, III, da Constituição Federal
.

Nessa linha, ainda que em juízo inicial, vê-se que o Poder Legislativo local violou as normas supracitadas, assim como o Princípio da Separação dos Poderes
, consagrado na Constituição
...

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