Acórdão nº 71010262921 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, 10-06-2022

Data de Julgamento10 Junho 2022
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Classe processualRecurso Inominado
Número do processo71010262921
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Turma Recursal da Fazenda Pública

PODER JUDICIÁRIO




DHD

Nº 71010262921 (Nº CNJ: 0042842-67.2021.8.21.9000)

2021/Cível


RECURSO INOMINADO.
SEGUNDA TURMA RECURSAL. MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL. MÉDICO. PARTICIPAÇÃO EM MOVIMENTO GREVISTA. DESCONTO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENALIDADE DE SUSPENSÃO, CONVERTIDA EM MULTA. ILEGALIDADE. DESCONTOS SALARIAIS E CORTE DOS DIREITOS FUNCIONAIS. POSSIBILIDADE. TEMA 581 DO STF.
1. No julgamento do RE nº 693.456-RJ (Tema 531), sob a sistemática da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal Federal firmou a tese de que: ?A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público?. In casu, não restou comprovada a conduta ilícita da Administração, razão pela qual não há ilegalidade no desconto dos dias não trabalhados. Nessa linha, observada a suspensão do vínculo funcional, não devem ser computados os direitos funcionais nos dias de ausência ao trabalho em razão da participação no movimento paredista. 2. Ainda, em razão da suspensão do vínculo funcional, da ausência de trabalho em dias úteis e do disposto nos arts. 79 e 105, §2º do Regime Jurídico dos Servidores (Lei Complementar nº 3.673/91), viável que o desconto salarial atinja também os dias de feriados, pontos facultativos e descanso semanal remunerado. 3. Por outro lado, os dias de paralisação não podem ser considerados como falta injustificada para fins de aplicação de sanções disciplinares ao servidor, porquanto a falta ao trabalho é inerente ao movimento grevista. Assim, não se deve considerar as ausências do servidor como falta injustificada, sobretudo para aplicação de penalidade administrativa, sob pena de esvaziamento do próprio direito constitucional do servidor ao exercício da greve. Logo, como a paralisação de 01.03.2017 a 03.03.2017 foi declarada ilegal em decisão judicial proferido apenas em 23/11/2017, as faltas anteriores a esta data devem ser consideradas justificadas. Por consequência, a penalidade de suspensão convertida em multa deve ser anulada, provendo-se o recurso da parte autora, no ponto.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.


Recurso Inominado


Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública

Nº 71010262921 (Nº CNJ: 0042842-67.2021.8.21.9000)


Comarca de Caxias do Sul

NORBERTO NORA


RECORRENTE

MUNICIPIO DE CAXIAS DO SUL


RECORRIDO

MINISTERIO PUBLICO


INTERESSADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Dr. José Luiz John dos Santos (Presidente) e Dra.
Quelen Van Caneghan.

Porto Alegre, 09 de junho de 2022.


DR. DANIEL HENRIQUE DUMMER,

Relator.


RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Inominado interposto pelo servidor NORBERTO NORA em face da sentença de improcedência do pedido formulado na ação proposta contra o MUNICIPIO DE CAXIAS DO SUL, na qual requer: (i) a declaração de nulidade da Portaria 143.322, que lhe aplicou a penalidade de suspensão de 26.06.2019 a 23.07.2019, com conversão em multa, decorrente de processo administrativo instaurado em razão de sua participação nas paralisações grevistas ocorridas de 01.03.2017 até 03.03.2017, de 20.03.2017 até 24.03.2017 e de 17.04.2017 até o final do mesmo ano; (ii) a restituição dos valores descontados em sua folha de pagamento e; (iii) a exclusão dos assentos funcionais dos registros de ?
falta injustificada? referente aos dias em que houve ausência ao trabalho em razão da greve, restituindo os direitos funcionais aos ?status quo ante?, em relação às férias, 13º salário, licenças prêmios e tempo para aposentadoria.
Em suas razões recursais, a parte autora arguiu a nulidade da sentença, alegando que o juízo a quo não enfrentou o argumento de que os descontos e a multa aplicada levaram em consideração o somatório de faltas aplicadas pela Administração nos finais de semana, feriados e pontos facultativos, e não apenas os dias de paralisação.
No mérito, defendeu que a aplicação da penalidade de suspensão é ilegal, pois não restou caracterizado o ilícito administrativo, considerando que o direito ao exercício de greve legítima possui amparo jurisprudencial e não se confunde com o animus do servidor em se ausentar ou abandonar o serviço. Assim, a ausência ao serviço em virtude de greve não pode dar ensejo ao lançamento de faltas não justificadas e aplicação das sanções. Pediu o provimento do recurso e a reforma da sentença.

Por sua vez, o Município apresentou contrarrazões, sustentando, em síntese, que as penalidades questionadas pelo autor foram aplicadas de acordo com as normas pertinentes e impostas mediante regular processo administrativo.
Ponderou que não há ilegalidade ou pedido de nulidade do processo administrativo em que as faltas do servidor foram apuradas. Aduziu que é dever da Administração aplicar as sanções decorrentes da greve ilegal e realizar os descontos dos dias não trabalhados, na esteira da tese de Repercussão Geral firmada no julgamento do Tema 531 pelo Supremo Tribunal Federal. Requereu a manutenção da sentença.

O Ministério Público declinou da intervenção.


VOTOS

Dr. Daniel Henrique Dummer (RELATOR)

Preenchidos os pressupostos legais, conheço do recurso do autor, devidamente preparado.


O autor é servidor público do Município de Caxias do Sul e pretende a reversão das sanções administrativas decorrentes do lançamento de falta não justificada ao trabalho em razão de sua participação das paralisações de greve ocorridas de 01.
03. 2017 até 03. 03. 2017, de 20. 03. 2017 até 24. 03. 2017 e de 17. 04. 2017 até o final de 2017.

Segundo o informado na inicial, o ente público aplicou a penalidade de suspensão pelo período de 26 de junho de 2019 a 23 de julho de 2019, num total de 28 (vinte e oito) dias, convertendo a suspensão em multa, na base de 50% (cinquenta por cento) por dia de retribuição, tudo sob pretexto no artigo 241, inc.
I, II, VI, VII e IX, art. 242, caput e inc. IX, XIV e XVI, art. 253, inc. III, c/c art. 255, inc. I e II, e §3º, todos da Lei Complementar nº 3.673/91 (Estatuto dos Servidores Públicos Municipais), formalizando tal reprimenda mediante a expedição da Portaria nº 143.322.

Ainda, a parte referiu que deixou de receber seus salários e direitos concernentes aos períodos em que estava em greve, incluindo?se finais de semana, feriados e pontos facultativos, além de descontos decorrência da pena de suspensão aplicada.


Dito isso, verifica-se que a sentença não refutou especificamente todas as alegações vertidas na exordial, mas fundamentou a rejeição dos pedidos relativos aos descontos e à penalidade de suspensão, especialmente tecer a seguinte argumentação:

Não restou demonstrado nos autos que a paralisação foi provocada por conduta ilícita da Administração.


Nessa conformidade, incontroversa a paralisação do serviço, mostra-se descabido o pedido de restituição dos valores descontados a tal título e, mais ainda, a exclusão dos registros de falta injustificada nos assentos funcionais.

Nesse sentido:

APELAÇÕES CÍVEIS.
REMESSA NECESSÁRIA. SERVIDOR PÚBLICO - MÉDICO. MANDADO SE SEGURANÇA. MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ? PAD N° 2017/41107. PENA DE DEMISSÃO ? PORTARIA N° 133. 126. FALTAS AO SERVIÇO SUPERIOR A SESSENTA DIAS INTERCALADOS ? ART. 257, IV, DA L. C. N° 3.673/91. JUSTIFICAÇÃO LEGAL EVIDENCIADA ? DIREITO CONSTITUCIONAL DE GREVE (ARTS. 9°, §§ 1° E 2°, E 37, VII, DA C. R). ÂNIMO DE ABANDONO ? ENUNCIADO DA SÚMULA 316 DO E. STF. AUSÊNCIA. ILEGALIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À REINTEGRAÇÃO NO CARGO PÚBLICO. EFEITOS PATRIMONIAIS A PARTIR DA IMPETRAÇÃO DO MANDAMUS ? ART. 14, §4°, DA LEI N° 12.016/09 E SÚMULAS 269 E 271 DO E. STF. ABONO DOS DIAS NÃO TRABALHADOS. ACORDO DE COMPENSAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO E/ OU ATO ILÍCITO DO PODER PÚBLICO NÃO DEMONSTRADOS. REPERCUSSÃO GERAL NO E. STF - REXT N° 693456. DESCABIMENTO. [...] ? Acerca das consequências da paralisação havida, em especial a pretensão inicial de abono das faltas, sem notícia de acordo com a Administração, o desiderato do RExt n° 693456 no e. STF ? repercussão geral, no sentido da legitimidade dos descontos dos dias não trabalhos, salvo nas hipóteses de agir ilícito do Poder Público, situação não demonstrada de Apelações desprovidas. formal cabal - pressuposto da via eleita ? nos autos. Sentença mantida em remessa necessária.(Apelação / Remessa Necessária, Nº 70081995375, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado em:31-10-2019) ? grifei ?

Notadamente, embora de forma sucinta, a sentença reconheceu a ilegalidade da greve, manteve as faltas não justificadas, a suspensão das penalidades aplicadas e os descontos da forma como realizados pelo Município.


Logo, rejeito a preliminar recursal de nulidade da sentença.


No mérito, tenho que o recurso deve ser provido em parte.


O direito de greve está previsto no art. 37, inciso VII, da Constituição Federal:

Art. 37.
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, enquanto não regulamentado o inciso VII, a greve dos servidores públicos deve ser seguir os ditames da legislação grevista dos trabalhadores privados (Lei nº 7.701/88 e Lei nº 7.783/89).


Nessa linha, quanto à
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