Acórdão nº 71010335149 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Turma Recursal Cível, 20-05-2022

Data de Julgamento20 Maio 2022
ÓrgãoQuarta Turma Recursal Cível
Classe processualRecurso Inominado
Número do processo71010335149
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO




VRM

Nº 71010335149 (Nº CNJ: 0000681-08.2022.8.21.9000)

2022/Cível


RECURSO INOMINADO.
AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUE PRESCRITO. CÁRTULA EMITIDA PELA RÉ EM RAZÃO DE NEGÓCIO HAVIDO COM TERCEIRO. ENDOSSO EM PRETO. CIRCULAÇÃO DO TÍTULO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA CAUSA DEBENDI. PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA E ABSTRAÇÃO. EXCEÇÃO PESSOAL DO EMITENTE QUE NÃO PODE SER ARGUIDA EM FACE DO PORTADOR DE BOA FÉ. DEVER DE PAGAMENTO DO VALOR EXPRESSO NO TÍTULO. A TAXA DE JUROS DEVERÁ SER A SELIC, SEM A INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA, A CONTAR DA DATA DA PRIMEIRA APRESENTAÇÃO, POIS QUANDO EVIDENCIADA A MORA. PRECEDENTES DO STJ E DA 4ª TURMA RECURSAL CÍVEL. PROTESTO INDEVIDO. CHEQUE PRESCRITO. DANO MORAL CONFIGURADO.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Recurso Inominado


Quarta Turma Recursal Cível

Nº 71010335149 (Nº CNJ: 0000681-08.2022.8.21.9000)


Comarca de Santa Rosa

CARLOS ALBERTO SEELEND


RECORRENTE

CAMILA NASI


RECORRIDO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Quarta Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Dr.ª Nara Cristina Neumann Cano Saraiva e Dr. Jerson Moacir Gubert.


Porto Alegre, 20 de maio de 2022.


DRA. VANISE RÖHRIG MONTE AÇO,

Relatora.


RELATÓRIO

CARLOS ALBERTO SEELEND interpôs recurso inominado em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos deduzidos nos autos da ação de cobrança proposta contra CAMILA NASI, e procedente o pedido contraposto (fls.
224/229):

Vistos.

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38, caput, da lei 9.099/95.


Fundamentação.

Trata-se de Ação de Cobrança, ajuizada por Carlos Alberto Seelend em face de Camila Nasi.


Narra a parte autora que estabeleceu um vínculo contratual com a parte requerida, tendo recebido os cheques acostados aos autos a título de pagamento.
No entanto, afirma que os cheques foram devolvidos pelo banco pelo motivo 21, ou seja, foram sustados. Diante disso, requer seja a requerida condenada a realizar o pagamento do montante, devidamente atualizado.

Em sede de contestação, a requerida defende que o cheque acostado aos autos foi entregue a terceiro em virtude da celebração de negócio jurídico, o qual restou desfeito.


Sustenta a existência de litisconsórcio passivo necessário.
Apresenta pedido contraposto pela condenação do autor à indenização por danos morais por apresentação tardia do título a protesto. Requer a improcedência da demanda.

Essa é a síntese dos argumentos esposados no feito.


Do litisconsórcio passivo.


Compulsando os autos, entendo que não é o caso de litisconsórcio passivo necessário.


Com efeito, em se tratando de endosso tardio, aplicam-se as normas de cessão de crédito, forte no artigo 920 do Código Civil.


As normas de cessão civil, por sua vez, preceituam que o cedente não responde pela solvência do devedor, apenas pela existência da dívida.
Nesse caso, é possível o ajuizamento de demanda contra quem prestou o endosso, porém a obrigação nesse caso não é solidária, não há imposição legal para o litisconsórcio e a sentença nos autos não depende da citação de quem prestou o endosso para produzir efeitos.

Sendo assim, não está configurada nenhuma das hipóteses previstas no art. 114 do CPC, razão pela qual afasto a prefacial aventada.
Nesse sentido, a jurisprudência:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
CESSÃO DE CRÉDITO. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. EXTINÇÃO DO FEITO POR NÃO INCLUSÃO DO CEDENTE DO CRÉDITO NO POLO PASSIVO. DESCABIMENTO. SENTENÇADESCONSTITUÍDA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO E NÃO NECESSÁRIO. APELO PROVIDO. (Apelação Cível, Nº 50101538120208210022, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em: 23-06-2021)

Do pedido principal ?
Petição inicial.

Compulsando os autos, tenho que a demanda é improcedente.


Com efeito, a cobrança de cheques prescritos rege-se pela Lei nº 7.357/1985, a qual estabelece, em seu artigo 62, que ?
salvo prova de novação, a emissão ou a transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal, feita a prova do não-pagamento. ?.

Ou seja, de acordo com a legislação, é cabível o ajuizamento da Ação de Cobrança, porém é necessário, a partir da prescrição do título executivo, a demonstração do negócio jurídico que deu causa ao título.


No caso dos autos, a parte autora nem sequer indica qual foi a relação jurídica entabulada com a parte requerida.
Ainda é de se observar que o autor não trouxe aos autos qualquer contrato ou documento escrito que comprove sequer que as partes se conheciam antes do protocolo da ação.

Além disso, a requerida comprovou que os cheques foram repassados a um terceiro por uma outra compra, a qual restou desfeita, tendo o terceiro repassado os cheques até chegar nas mãos da parte autora.
Tal fato se verifica pela cópia do processo acostado aos autos.

Nesse caso, muito embora sejam os cheques ordem de pagamento à vista, a legislação é clara no sentido de que, havendo prescrição e querendo a parte cobrar os valores pelas vias ordinárias, é necessária a comprovação da relação causal, ônus do qual a parte autora não se desincumbiu.


Nesse sentido, a jurisprudência:

RECURSO INOMINADO.
AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUE PRESCRITO. CAUSA DEBENDI. DEMONSTRAÇÃO. NECESSIDADE. AÇÃO CAUSAL. EXEGESE DO ART. 62 DA LEI DO CHEQUE. 1. Na ação de cobrança, prevista no art. 62 da Lei nº 7.357/1985 ? hipótese dos autos ? é imprescindível a demonstração da causa debendi, não apenas porque o cheque já perdeu sua natureza cambial, mas porque o referido dispositivo legal é claro ao afirmar que tal ação deve ser ?fundada na relação causal?. 2. Assim, a ausência de prova do direito alegado, ou seja, efetiva demonstração do negócio jurídico subjacente importa na improcedência do pedido, a teor do art. 373, I, do NCPC. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME. (Recurso Cível, Nº 71008102261, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em: 26-06-2019)

APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE COBRANÇA. CHEQUE RASURADO. AUSÊNCIA DE PROVA DA CAUSA DEBENDI. Cuidando-se de ação de cobrança fundada em relação jurídica de direito material, o cheque prescrito serve como início de prova. Hipótese em que a cártula acostada aos autos sequer se presta a esta finalidade, porquanto o campo destinado ao beneficiário do título encontra-se rasurado, sendo indispensável a demonstração da causa debendi. Precedentes deste Tribunal. Ausência de prova da relação negocial supostamente mantida entre as partes, ônus que recaía sobre a autora, nos termos do art. 373, I, do CPC. Honorários recursais arbitrados ? art. 85, §11, do CPC. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível, Nº 70079151791, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudia Maria Hardt, Julgado em: 28-03-2019)

Do pedido contraposto.


A parte requerida apresentou pedido contraposto, consistente na condenação do autor ao pagamento de indenização por danos morais, uma vez que apresentou o cheque a protesto após a sua prescrição.


Compulsando os autos, tenho que o pedido é procedente.


Com efeito, a Lei do Cheque prevê que o protesto deve ser efetuado antes da expiração do prazo para apresentação, sendo que o STJ autoriza a apresentação até a prescrição.


Ocorre que, no caso dos autos, o cheque assinado pela parte requerida data de 18/06/2018, tendo sido protestado em 02/07/2019, ou seja, mais de um ano após a emissão e sete meses após o vencimento.


Sendo assim, o cheque estava prescrito quando o autor indevidamente protestou o título e inseriu de forma arbitrária o nome da requerida nos Serviços de Proteção ao Crédito.
No caso, considerando a inexigibilidade do valor, está evidenciada a cobrança indevida e a conduta ilícita do requerente.

No que diz respeito ao dano, comprovada a ilicitude da cobrança e, ainda, inexistente prova de outros registros no nome da autora, o dano moral é presumido, já que, de acordo com o STJ \"
a própria inclusão ou manutenção equivocada configura o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos\" (Ag 1.379.761).

Nesse sentido, a jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL.
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CHEQUE PRESCRITO. PROTESTO INDEVIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. Em que pese pertinente o deferimento da AJG ao demandado, eis que comprovada situação...

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