Acórdão nº 71010366847 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Turma Recursal Criminal, 21-03-2022

Data de Julgamento21 Março 2022
ÓrgãoTurma Recursal Criminal
Classe processualApelação
Número do processo71010366847
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO


EJC

Nº 71010366847 (Nº CNJ: 0003851-85.2022.8.21.9000)

2022/Crime


APELAÇÃO-CRIME.
Art. 28, ?CAPUT?, da lei N. 11.343 de 2006. posse de DROGAS. DECISÃO DE REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Impositiva a desconstituição de decisão que rejeita denúncia oferecida em relação à posse de substância entorpecente, por entender pela ausência de justa causa para o exercício da ação penal.
2. Inconstitucionalidade por violação do princípio da alteridade desacolhida. A disposição busca coibir a difusão da droga, resguardando a saúde pública, sem afronta a qualquer das franquias constitucionais.
3. A Lei n. 11.343/2006 não descriminalizou a conduta de porte de substância entorpecente para uso próprio, vindo apenas a cominar novas modalidades de sanção para o tipo penal previsto em seu artigo 28, inexistindo impedimento legal a que penas restritivas de direito sejam as únicas sanções cominadas ao tipo penal. Conduta, por sinal, lesiva, por extrapolar a esfera da discricionariedade do indivíduo em causar dano próprio para atingir o coletivo.
4. Há justa causa para o manejo da ação penal, não havendo que se falar em atipicidade da conduta por autolesão que, em realidade, tem fundo constitucional, pelo entendimento de que a criminalização das condutas descritas no dispositivo em exame busca resguardar a saúde pública, sem afronta à garantia da liberdade individual.

5. Retorno do processo à origem para regular tramitação.

6. Inaplicabilidade, no caso, da súmula 709 do STF, por ser necessária a realização do ato previsto no artigo 81 da Lei número 9.099/95, inclusive, se for o caso, com precedente oferta dos benefícios despenalizadores.

RECURSO PROVIDO.
Recurso Crime


Turma Recursal Criminal

Nº 71010366847 (Nº CNJ: 0003851-85.2022.8.21.9000)


Comarca de Osório

MINISTERIO PUBLICO


RECORRENTE

FABRICIO DA SILVA COSTA


RECORRIDO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em dar provimento ao recurso para desconstituir a decisão que rejeitou a denúncia e determinar o prosseguimento do feito.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Dr. Luiz Antônio Alves Capra e Dr. Luis Gustavo Zanella Piccinin.


Porto Alegre, 21 de março de 2022.


DR. EDSON JORGE CECHET,

Relator.


RELATÓRIO

O Ministério Público interpôs recurso de apelação contra decisão que rejeitou a denúncia oferecida contra Fabrício da Silva Costa, por incurso nas sanções do art. 28 da Lei 11.343/06, uma vez que o julgador singular entendeu ser inconstitucional o delito tipificado.
Requereu a reforma da decisão para que se dê prosseguimento ao feito.
A defesa apresentou contrarrazões.


O parquet, nesta instância recursal, opinou pelo provimento do recurso, para regular prosseguimento do feito.

VOTOS

Dr. Edson Jorge Cechet (RELATOR)

Eminentes colegas.


Conheço do recurso, porquanto presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Imputação oficial

O recorrido foi denunciado porque, no dia 16 de setembro de 2020, por volta das 15h45min, na Rua Luís Bernardino da Silva Neto, nº 148, bairro Caravagio, no município de Osorio/RS, trazia consigo, para consumo pessoal, quatro porções de aproximadamente 13g, droga identificada como ?
Cannabis Sativa?, substância entorpecente, causadora de dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar. Na ocasião o denunciado conduzia um veículo Gol, branco, em péssimo estado de conservação, quando foi abordado por policiais militares que, durante a revista pessoal, localizaram, em seu bolso, a substância entorpecente.

A rejeição da denúncia

O ilustre julgador singular fundamentou a decisão na ausência de justa causa para o exercício da ação penal.


Antes de entrar no exame do mérito propriamente dito, convém registrar que não se encontra operada a ?
abolitio criminis?, o que afastaria o ilícito do crime imputado.

Nesse sentido, impõe-se dizer que a Lei n. 11.343/06 não descriminalizou o tipo penal em questão, tendo apenas cominado abrandamento no tocante às penas não privativas de liberdade, permitindo, com isso, se pudesse oportunizar ao infrator, usuário de entorpecentes, sua ressocialização.


Este foi o cerne, por sinal, do elucidativo julgamento do RE n. 430105, em cuja ementa se anotou:

I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 - nova lei de drogas): natureza jurídica de crime.
1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo \"rigor técnico\", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado \"Dos Crimes e das Penas\", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão \"reincidência\", também não se pode emprestar um sentido \"popular\", especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a regra geral do C. Penal (C.Penal, art. 12). 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de \"despenalização\", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado. (RE 430105 QO, Primeira Turma, julgado em 13/02/2007). (Ênfase acrescentada).
No julgamento do RE acima citado, ficou também definida a lesividade da conduta, a qual extrapola a esfera de discricionariedade do indivíduo de causar dano a si mesmo para atingir à sociedade, configurando danos à saúde pública, expungindo-se a tese de que a conduta do denunciado não causa dano a outrem, estando na órbita de exercício de sua liberdade individual, assegurada pela Constituição.
Nesse sentido transcreve-se intervenção do Ministro Ricardo Lewandowski:

?
O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski ? Realmente, a conduta é lesiva. Há um componente de lesividade que atinge a sociedade e permite a tipificação como crime. Não é uma conduta que diz respeito só à própria pessoa?.

Além disso, gize-se que o consumo de substância entorpecente, tipificado no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 (adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar), é de perigo presumido ou abstrato, possuindo plena aplicabilidade em nosso sistema repressivo.
A expressão ?para consumo pessoal?, descrita no tipo penal, significa que a pequena quantidade da droga faça parte da essência do delito, motivo pelo qual a configuração do crime está sujeita a pequena quantidade de substância apreendida, pois, se assim não o fosse, a capitulação deveria ocorrer no art. 33 da Lei nº 11.343/2006.

Da Atipicidade da conduta por autolesão

Tampouco há que se falar em atipicidade da conduta, pelo argumento de que a posse de substância entorpecente para uso próprio configuraria autolesão.
Essa assertiva, em realidade, tem fundo constitucional, pelo entendimento de que a conduta de posse de droga destinada ao uso pessoal situa-se na esfera de privacidade de cada indivíduo, não podendo nela o Direito intervir. Nessa parte, valho-me dos argumentos deduzidos pelo ilustre Des. José Antônio Hirt Preiss, por ocasião do julgamento da Apelação n. 70019033141, quando assim ficou ementado o acórdão:

APELAÇÃO CRIME.
ART. 28, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06. 1. A criminalização das condutas descritas no art. 28 da Lei nº 11.343/06 visa a coibir a difusão da droga, resguardando a saúde pública e, sendo norma de interesse social. Assim, não afronta a garantia constitucional da liberdade individual, não havendo falar em inconstitucionalidade do aludido dispositivo. É inadmissível que o direito à intimidade sobreponha-se ao interesse coletivo de proteção da saúde pública. 2. Encontrando-se convergentes e idôneos os elementos coligidos a apontar a veracidade dos fatos noticiados na incoativa, a manutenção da condenação imposta na sentença é medida que se impõe. 3. A circunstância de ser defendido por Defensoria Pública não significa que o réu não tenha condições de pagar custas judiciais. Taxas, despesas pagas com verbas oriundas dos cofres públicos e pagas pelo contribuinte não podem ser isentadas, salvo motivos comprovados. Eventual insolvência deverá ser encaminhada pelo juiz da Execução. APELO IMPROVIDO, VENCIDO, EM PARTE, O RELATOR. (Apelação Crime Nº 70019033141, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Hirt Preiss, Julgado em 05/07/2007) (Ênfase acrescentada)

Desta forma, impositiva a desconstituição da decisão que rejeitou a denúncia, sendo inaplicável, no caso, a súmula 709 do STF, por ser necessária a realização do ato previsto no artigo 81 da Lei n.
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