Acórdão nº 71010430874 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Classe processualRecurso Inominado
Número do processo71010430874
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Turma Recursal da Fazenda Pública

PODER JUDICIÁRIO




JLJS

Nº 71010430874 (Nº CNJ: 0010254-70.2022.8.21.9000)

2022/Cível


RECURSO INOMINADO.
SEGUNDA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. uso de algemas. Caso concreto.

I. Autor/recorrido que estava em companhia de duas pessoas, sendo que uma delas identificou-se como policial de outro Estado da Federação, apresentando carteira funcional vencida, em cuja posse havia um revólver Taurus calibre .38 municiado com seis cartuchos, bem como dois carregadores cada um deles municiado com seis cartuchos.
No veículo utilizado por eles foram encontrados dois rádios comunicadores; uma caixa de munições com 24 cartuchos calibre .38 e uma arma de choque. No painel, havia um dispositivo usado em viaturas que emite sinais sonoros de sirene.
II. Uso de algemas justificado pela quantidade de munição encontrada; pelo porte de arma de fogo, até então sem comprovação da licitude da conduta; além do local de abordagem (local isolado, no interior do Município de Vitória das Missões) e da diferença numérica entre os policiais (dois) e os conduzidos (três).

III. Exercício regular de direito (art. 188, I, do CC) vinculado ao Poder de Polícia exercido pelo Estado ? que, por outro lado, tem o dever de garantir a Segurança Pública para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas (art. 144 da CF/88). Dano moral não configurado.
sentença de procedência reformada.
recurso inominado provido.

Recurso Inominado


Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública

Nº 71010430874 (Nº CNJ: 0010254-70.2022.8.21.9000)


Comarca de Santo Ângelo

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


RECORRENTE

LUCIANO ROPKE


RECORRIDO

MINISTERIO PUBLICO


INTERESSADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria, em dar provimento ao Recurso Inominado para reformar a sentença e julgar improcedente a ação, vencida a Dra.
Rute dos Santos Rossato.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Dr. Daniel Henrique Dummer e Dr.ª Rute dos Santos Rossato.


Porto Alegre, 22 de junho de 2022.


DR. JOSÉ LUIZ JOHN DOS SANTOS,

Relator.


RELATÓRIO

Dispensado o relatório, ex vi dos arts.
38 e 46 da Lei nº 9.099/95, aplicados, subsidiariamente, ao rito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, nos termos do art. 27 da Lei nº 12.153/09.

VOTOS

Dr. José Luiz John dos Santos (RELATOR)

Conheço do recurso inominado, pois atendidos os requisitos legais de admissibilidade, nos termos do art. 42, §1º, e art. 12-A da Lei nº 9.099/95.
Tempestivo, uma vez que interposto em 10 dias úteis a contar da intimação da sentença. Quanto à necessidade de preparo, dispensado seu recolhimento tendo em vista tratar-se de pessoa jurídica de direito público.

No mérito, assiste razão ao recorrente.


Inicialmente, o reconhecimento do dever da Administração Pública de indenizar encontra-se no §6º, do art. 37, da Constituição Federal:

Art. 37.
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.


Esse mesmo dispositivo constitucional inaugura a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, que prescinde dos elementos de culpa ou dolo.
Como pontua Celso Antônio Bandeira de Mello, entende-se por responsabilidade extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos
.


Por isso, a teoria objetiva relaciona-se ao risco assumido pelo Poder Público diante de um pressuposto de igualdade dos ônus e encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos
.


Todavia, nas hipóteses de ação ou omissão do Poder Público ?
caso dos autos -, aplica-se a Teoria da Responsabilidade Civil Subjetiva, exigindo-se, com isso, a comprovação da falha do ente público no dever de agir, a fim de impedir o resultado danoso. Na teoria da culpa administrativa, a responsabilidade estatal é de natureza subjetiva, ou seja, somente se efetiva mediante a comprovação dos elementos dolo ou culpa, esta consubstanciada na imprudência, negligência e imperícia pelo agente estatal.

Além disso, o dever de indenizar não prescinde da comprovação da conduta, do dano e do nexo de causalidade entre eles.


No caso, não restam evidenciados o nexo de causalidade e a ilicitude na conduta dos agentes da Administração Pública, tampouco comprovação dos elementos dolo ou culpa.

Salienta-se que o autor foi abordado na companhia de Ademilton Castro Neres, que portava, na cintura, um revólver Taurus calibre .38 municiado com seis cartuchos, bem como dois carregadores cada um deles municiado com seis cartuchos.

No porta-luvas do veículo utilizado por eles havia dois rádios comunicadores; uma caixa de munições com 24 cartuchos calibre .38 e uma arma de choque.
O veículo estava registrado em nome de Ademilton, e havia instalado, no painel, dispositivo usado em viaturas que emite sinais sonoros de sirene.
Ademilton apresentou-se como policial do Estado do Paraná, apresentando carteira funcional vencida (fls.
56-8).

O uso de algemas, portanto, justifica-se pela quantidade de munição encontrada e pelo porte de arma de fogo, até então sem comprovação da licitude da conduta do autor e de seus companheiros, dentre os quais Ademilton, que apresentou carteira funcional vencida, de outro Estado; além do local de abordagem (local isolado, no interior do Município de Vitória das Missões) e da diferença numérica entre os policiais (dois) e os conduzidos (três).

A contenção das pessoas consideradas suspeitas de crime configura consectário lógico da prisão/detenção, que implica cerceamento da liberdade, seja por meio de grades (no estabelecimento prisional), seja por meio de algemas (quando em deslocamento de um lugar para o outro, ou para condução à delegacia), a fim de que se garanta, com isso, a integridade física de todos aqueles que trabalham na ocorrência ?
inclusive dos próprios conduzidos.
Os agentes policiais, portanto, agiram de acordo com suas funções, com base nos fatos encontrados, diante dos indícios de autoria e materialidade do possível delito.


Não há, portanto, nexo de causalidade entre a conduta do ente público e o abalo moral suportado pelo demandante, capaz de gerar responsabilidade civil do ente federativo a indenizar.


A Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal tem como principal objetivo evitar abusos relacionados ao uso de algemas em determinadas situações.
Todavia, no caso dos autos, nenhum abuso foi verificado, de modo que não incide a restrição do enunciado.

Registra-se, ainda, que a súmula apenas limita o uso das algemas, mas não o proíbe.


Está-se diante, portanto, de exercício regular de direito (art. 188, I, do CC) vinculado ao Poder de Polícia exercido pelo Estado ?
que, por outro lado, tem o dever de garantir a Segurança Pública para a preservação da ordem pública e da incolumidade das...

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