Acórdão nº 71010440469 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, 20-05-2022

Data de Julgamento20 Maio 2022
ÓrgãoSegunda Turma Recursal da Fazenda Pública
Classe processualRecurso Inominado
Número do processo71010440469
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO


DHD

Nº 71010440469 (Nº CNJ: 0011213-41.2022.8.21.9000)

2022/Cível


RECURSO INOMINADO.
SEGUNDA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. direito à SAÚDE. fornecimento de MEDICAMENTO. direito evidenciado. possibiliade de substituição dos fármacos pela denominação comum brasileira. solidariedade dos entes federados. tema 793 DO stf.

- A fonte de todas as Leis, a Constituição Federal, em seu art. 196, estabelece que: ?
Art. 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação?.
- O direito à saúde e a solidariedade dos entes públicos na sua garantia é matéria já pacificada tanto nestas Turmas Recursais, quanto no Tribunal de Justiça e nas Cortes Superiores.
Trata-se de interpretação sistemática da legislação infraconstitucional com os arts. 196 e 198 da Constituição Federal, não sendo oponível ao cidadão qualquer regulamentação que tolha seus direitos fundamentais à saúde e à dignidade.

- Não restou demonstrado que o tratamento necessário à saúde da parte autora não esteja dentre aqueles previstos nas regras de repartição de competência do SUS aos Estados (ou que, como decidido no Tema 793, a competência - técnica ou de execução - extrapole a responsabilidade prevista nas regras de repartição do SUS).


- A Lei nº 9.787/99 (Lei do medicamento genérico) não impede a aquisição do medicamento pelo seu nome comercial, contudo no caso, há possibilidade de substituição da medicação especificada em conformidade com a Denominação Comum Brasileira (DCB).

RECURSO INOMINADO PROVIDO EM parte, POR MAIORIA.


Recurso Inominado


Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública

Nº 71010440469 (Nº CNJ: 0011213-41.2022.8.21.9000)


Comarca de Três Passos

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


RECORRENTE

FLAVIO LEUZE


RECORRIDO

MINISTERIO PUBLICO


INTERESSADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria, em dar parcial provimento ao recurso inominado.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Dr. José Luiz John dos Santos (Presidente) e Dr.ª Rute dos Santos Rossato.


Porto Alegre, 20 de maio de 2022.


DR. DANIEL HENRIQUE DUMMER,

Relator.


RELATÓRIO

Cuida-se de Recurso Inominado interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face da sentença que julgou procedente a ação ajuizada por FLAVIO LEUZE para condenar o fornecimento dos medicamentos ANLODIPINO, SELOZOK, em razão de ser portador da patologia no CID I.10, I50.9 e I20.


Em suas razões recursais, o Estado do Rio grande do Sul sustenta em síntese, que a sentença proferida não demonstra o preenchimento dos requisitos exigidos para fornecimento da medicação pretendida, conforme teses dos Tribunais Superiores.
Aduziu a aplicação do Tema 793 do STF, entendendo que o demandado não é o responsável pela dispensação dos fármacos, em razão do medicamento não constar na lista da rede pública de saúde. Requereu que o fornecimento dos medicamentos se desse pela Denominação Comum Brasileira, em razão da possibilidade de dispensação do fármaco postulado pela forma genérica. Postulou, assim, a reforma da sentença.

Apresentadas contrarrazões.


O Ministério Público exarou parecer.

VOTOS

Dr. Daniel Henrique Dummer (RELATOR)

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.


A fonte de todas as Leis, a Constituição Federal, em seu art. 196, estabelece que:
?
Art. 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação?.

Por sua vez, o art. 6º da Constituição Federal assegura que a saúde é um direito social.
Sendo assim, a saúde faz parte do rol dos direitos fundamentais, aqueles inerentes ao chamado princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se de princípio que tem como objetivo garantir uma gama mínima de direitos sem os quais o indivíduo não consegue ter uma vida digna.

Ressalto que a Carta Magna de 1998, rompeu com uma tradição que era mantida nas anteriores Constituições, pois cuidou dos direitos fundamentais no seu início, antes mesmo de cuidar da organização do Governo e do Estado, numa nítida demonstração de que se tratava de uma Constituição Garantista, preocupada antes com o indivíduo do que com o Estado, razão pela qual é também chamada de Constituição Cidadã.


Logo, todo ser humano pela simples razão de nascer, adquire o direito subjetivo à saúde, direito esse público, e exigível do Estado.


A responsabilidade pelo tratamento de saúde pertence às esferas municipal, estadual e federal, não podendo o Estado do Rio Grande do Sul ver afastado seu dever constitucional.

No artigo 198, parágrafo único, da mesma Constituição Federal, a previsão do Sistema Único de Saúde.
A Lei nº 8.080/90 disciplina o Sistema Único de Saúde, atribuindo aos Estados, Distrito Federal e Municípios a prestação dos serviços de saúde à população, vislumbrada a legitimidade de cada um desses entes.

Portanto, todo ser humano pela simples razão de nascer, adquire o direito subjetivo à saúde, direito esse público, e exigível do Estado.


O que não se pode permitir, é que o cidadão, que necessita do medicamento e tratamento ao tempo e à hora necessários, fique à espera da burocracia que muitas vezes emperra o funcionamento da máquina estatal.


Quanto à responsabilidade pelo fornecimento do medicamento, vale registrar que, perante a população, a responsabilidade é solidária, dos três entes, da União, Estado e Município, os quais são obrigados a fornecerem todos os tipos de medicamentos e tratamentos, como forma de garantia do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196, CF/88).


Ao depois, o direito constitucional à saúde pública, estabelecido no art. 196 da CF, não pode ser considerado como norma programática, que dependa de previsão orçamentária dos Estados-membros para sua execução.


O direito à saúde também foi tratado pela legislação infraconstitucional, federal e estadual.


Já a Lei Estadual nº 9.908/93 expressamente impõe ao Estado do Rio Grande do Sul, o dever de alcançar medicamentos para pessoas carentes.


Em relação ao idoso, como na hipótese, há previsão legal específica que também garante o direito o direito em voga, conforme preconiza o art. 15, da Lei Federal n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso): ?
É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde - SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos \".

Aliás, a solidariedade entre os entes federados está assentada na Jurisprudência do Supremo Tribunal, que ao julgar o RE 855.178-RG/SE (Tema 793 da Repercussão Geral
), firmou a tese de que: ?
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.?

Inclusive é possível aferir no Informativo n. 941/STF, de maio de 2019, que trata do RE 855.178:

?
A tese não trata da formação do polo passivo. Caso se direcione e depois se alegue que, por alguma circunstância, o atendimento da demanda da cidadania possa ter levado um ente da Federação a eventual ônus excessivo, a autoridade judicial determinará o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.?

Reporto-me, por sua vez, ao recente julgamento dos embargos de declaração
- os quais foram rejeitados- em que a União buscava a declaração de sua competência de maneira subsidiária, e não solidária.


Por fim, a maioria acompanhou a divergência lançada pelo Ministro Edson Fachin, entendendo por bem assegurar o fundamento do voto, com sutis e relevantes especificações:

(a) há solidariedade entre os entes federados, podendo a parte escolher contra quem pretende litigar;

(b) demonstrado pelo demandado que a competência (técnica ou de execução) extrapola a responsabilidade prevista nas regras de repartição do SUS, deve provocar o julgador ao redirecionamento do processo, sendo a análise feita caso a caso (e não necessariamente ensejar na inclusão da União e o deslocamento da competência) e

(c) tratando-se de medicamento sem o registro na ANVISA, a União, necessariamente, deve integrar a lide.


Dessa forma, tecidas tais ponderações, os embargos de declaração foram desprovidos, ficando ementado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. 2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o...

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