Acórdão nº 71010477933 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Turma Recursal Criminal, 27-06-2022

Data de Julgamento27 Junho 2022
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Classe processualApelação
Número do processo71010477933
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTurma Recursal Criminal

PODER JUDICIÁRIO


LGZP

Nº 71010477933 (Nº CNJ: 0014960-96.2022.8.21.9000)

2022/Crime


POSSE DE DROGAS.
ART. 28 DA LEI 11.343/06. LEGALIDADE DA PROVA MATERIAL. PRINCÍPIOS DA INSIGNIFICÂNCIA E AUTOLESAO AFASTADOS. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. 1. A posse de entorpecentes para uso próprio, no caso 1,326g de maconha, configura a conduta ilícita prevista no art. 28 da Lei de Drogas, por afetar o bem jurídico tutelado, que é a saúde pública, não sendo hipótese de autolesão ou de aplicação do princípio da insignificância. 2. A prova material não é ilegal quando colhida por busca pessoal realizada a partir de fundada suspeita, como é o caso dos autos, em que o réu fugiu à abordagem acelerando a motocicleta que conduzia, na tentativa de escapar dos policiais. 3. Na casuística, a consistência do conjunto da prova trazida aos autos conduz ao édito condenatório. RECURSO DESPROVIDO.
Recurso Crime


Turma Recursal Criminal

Nº 71010477933 (Nº CNJ: 0014960-96.2022.8.21.9000)


Comarca de Uruguaiana

WILLIAN DOS SANTOS APESTEGUI


RECORRENTE

MINISTERIO PUBLICO


RECORRIDO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Dr. Luiz Antônio Alves Capra (Presidente) e Dr.ª Keila Lisiane Kloeckner Catta-Preta.


Porto Alegre, 27 de junho de 2022.


DR. LUIS GUSTAVO ZANELLA PICCININ,

Relator.


RELATÓRIO

Apela o réu, por intermédio da Defensoria Pública, porque revel (fls.
50/57), da sentença (fls. 43/46) que julgou procedente a denúncia e o condenou, por incurso nas sanções do art. 28 da Lei 11.343/06, à pena de prestação de serviços à comunidade pelo prazo de dois meses.

A Defesa sustenta, preliminarmente, a ilegalidade da prova material porque obtida por meio de revista policial imotivada; no mérito, argui a atipicidade da conduta em face da pequena quantidade de droga apreendida em poder do réu e a inconstitucionalidade da criminalização da posse de drogas para uso pessoal.
Requer a absolvição ou, subsidiariamente, a substituição da pena fixada em sentença por advertência verbal.

O Ministério Público, nos dois graus de jurisdição, opinou pelo desprovimento do recurso.


VOTOS

Dr. Luis Gustavo Zanella Piccinin (RELATOR)

Conheço do recurso, pois cabível, adequado e tempestivo.
Além disso, não há fato impeditivo ? renúncia ou preclusão ? ou extintivo ? desistência ou deserção ?, sendo formalmente regular. Presentes, também, a legitimidade e o interesse recursal, requisitos subjetivos de admissibilidade.

Preliminarmente, afasto a pretensão de invalidade da prova material por ter sido colhida, segundo a defesa, de forma imotivada.


A irresignação não procede.
A tese de invalidade da prova material acostada aos autos ante a ilegalidade da busca pessoal não encontra respaldo, visto que, do depoimento policial prestado em juízo, colhe-se que o acusado assumiu comportamento suspeito, fora da normalidade, apenas por ter visualizado a aproximação da viatura policial, acelerando a motocicleta que conduzia para afastar-se do local. Nessas circunstâncias, instala-se a fundada suspeita que autoriza a abordagem e busca pessoal, suspeita que, aliás, confirmada pela localização da substância ilícita na posse do réu.

Nesse sentido a jurisprudência:

APELAÇÃO CRIMINAL.
PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRIMEIRO FATO DELITUOSO. (...) PRELIMINAR DE NULIDADE AFASTADA. ART. 16, §1º, IV, DA LEI 10.826/03. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. PROVAS DA AUTORIA E MATERIALIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA. (...). Embora a denúncia anônima não sirva, isoladamente, para dar início à persecução penal, é meio hábil a iniciar uma investigação para que se possa averiguar a veracidade da notícia. Hipótese em que, para além da denúncia anônima, os réus estavam parados de madrugada, em frente a um ponto de tráfico, sendo um dos acusados previamente conhecido da guarnição, em razão de outras duas prisões por porte ilegal de arma de fogo. Presença de fundada suspeita para a abordagem pessoal. Inexistência de ilegalidade. Preliminar afastada. (...). APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Criminal, Nº 70083856286, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar Finger, Julgado em: 12-05-2022)
Willian dos Santos Apestegui foi condenado pelo crime de posse de entorpecentes (artigo 28, caput, da Lei 11.343/06), uma vez que ele, trazia consigo 1,446g de maconha, consoante o laudo toxicológico da fl. 28, o qual constatou a presença de tetrahidrocanabinol no material periciado.
Materialidade delitiva comprovada, portanto.

Do mesmo modo, a autoria emerge do conjunto da prova oral obtida em juízo, tendo-se em conta o relato do policial militar que efetuou a apreensão, Flávio Schuster Paim, o qual confirmou ter abordado o réu em razão da conduta furtiva deste ao avistar a viatura policial e que a substância foi localizada em sua carteira.


Na decorrência da abordagem, o réu admitiu ter comprado a droga de um menino no bairro Tarragô.
Em juízo o réu não compareceu para dar sua versão dos fatos e foi declarado revel.
O conjunto da prova, composta por laudo pericial, depoimento de testemunha em juízo e confissão do réu na fase policial é, portanto, uníssono e não deixa antever qualquer discrepância entre seus elementos integrativos, de modo a não restar dúvidas em relação à autoria e forma de como aconteceu a localização da droga, mostrando-se suficiente para sustentar o decreto condenatório.


No mais, não é de hoje nem recente o debate que se dá quanto ao bem juridicamente tutelado no que diz respeito ao aparente conflito entre a liberdade individual do consumidor de entorpecente e o móvel político-legislativo que autoriza a punição do usuário de drogas, justamente legitimada a ação do Estado no interesse em preservar (e coibir) a lesão a bem jurídico de caráter supraindividual, que transcende a figura do simples usuário e da mera ótica da lesão quanto ao plano das liberdades individuais.


Fora de dúvida está que o usuário de drogas não é propriamente um criminoso ?
senão que colateralmente fomenta o crime ? e, na mais das vezes, vê o vício impelir-lhe ao consumo da droga. Nesse contexto, a opção legislativa brasileira da Lei 11.343/2006 foi de inequívoco acerto, pois, sem perder o foco de que a conduta do usuário é que, em última análise, fomenta o tráfico, criou mecanismos para abrandar as sanções cominadas aos usuários de drogas, afastando a necessidade de aplicação de penas privativas de liberdade, prevendo, apenas, as sanções de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, de modo a possibilitar a recuperação dos usuários. Note-se a aparente sutileza, de felicidade extremada do legislador: - se por um lado é certo não ser o usuário propriamente um criminoso, por outro não há como considerá-lo somente uma vítima da droga, ou um doente, pois é seu vício que alimenta toda a indústria bilionária do tráfico, com seus vertentes corretados, como homicídios daí decorrentes, lavagem de dinheiro e toda a sorte de crimes financeiros, que servem para a manutenção de poder e para viabilizar a funcionalidade, garantir territórios e a operacionalidade da indústria da droga. Assim, quanto ao usuário, a intenção do legislador foi a de impor a ele medidas de caráter educativo, objetivando alertá-lo sobre o risco de sua conduta para a própria saúde, além de evitar a reiteração do delito.

Nem a discussão que se dá atualmente no STF, em que se pretende descriminalizar a conduta do consumidor (REXt 635.659/SP), desmerece o mérito da lei.
Antes pelo contrário. Os dispositivos conhecidos lançados na conclusão dos votos dos Min. Gilmar Mendes e Min. Edson Fachin, que são no sentido diametralmente oposto a este voto, descriminalizando a conduta, portanto, são expressos em manter o texto da atual legislação, especialmente no que tange à submissão do usuário àquelas medidas previstas no artigo 28 da Lei 11.343/06. Ora, então do que estamos tratando exatamente aqui?! Tão e apenas somente de decidir qual o juízo para aplicá-las: o cível ou o criminal, já que mesmo no reconhecimento da inconstitucionalidade vingar, o usuário não deixará de ser submetido àquelas medidas não-privativas de liberdade do artigo 28 da Lei. Lembro e reitero que nenhuma das penalidades ali previstas será convertida em prisão e, no tocante à advertência, deve seguir a mesma sorte da pena de multa para fins de não gerar reincidência, aplicando-se-lhe o texto do artigo 84, parágrafo único, da Lei 9.099/95: ?Art. 84. Aplicada exclusivamente pena de multa, seu cumprimento far-se-á mediante pagamento na Secretaria do Juizado. Parágrafo único. Efetuado o pagamento, o Juiz declarará extinta a punibilidade, determinando que a condenação não fique constando dos registros criminais, exceto para fins de requisição judicial?. É inevitável conciliar a intenção do legislador em desencarcerar o consumidor de drogas, tratando-o como doente ? tanto que nunca se aplica a ele medida de prisão ? e por igual não considerar aquele que pratica delito de menor potencial ofensivo que resulte em multa, aí incluída a posse de droga, como reincidente, não se constando a condenação para qualquer fim. Se a pena maior, a ?multa? não gera registro desabonatório que gere reincidência, mais razão ainda que a advertência, medida não-penal ?menor?, prevista no inciso I do artigo 28 também não gere antecedente ou reincidência.

Trago a baila, por pertinente, a discussão que se travou no HC 104.410, julgado pelo STF, no qual o Ministro Relator Gilmar Mendes, realizando uma digressão quanto aos níveis de intensidade do controle de leis penais, faz referência ao caso Cannabis (BVerfGEe 90,145), julgado pela Corte alemã, em que o Tribunal confirmou a constitucionalidade da tipificação
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