Acórdão nº 71010478030 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Turma Recursal Criminal, 27-06-2022

Data de Julgamento27 Junho 2022
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Classe processualApelação
Número do processo71010478030
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTurma Recursal Criminal

PODER JUDICIÁRIO


LGZP

Nº 71010478030 (Nº CNJ: 0014970-43.2022.8.21.9000)

2022/Crime


APELAÇÃO CRIME.
POSSE DE DROGAS. ART. 28 DA LEI 11.343/06. 1. RECURSO DEFENSIVO. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AFASTADO. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. A posse de entorpecentes para uso próprio, no caso 3,0g de cannabis sativa, configura a conduta ilícita prevista no art. 28 da Lei de Drogas, por afetar o bem jurídico tutelado, que é a saúde pública, não sendo hipótese de autolesão ou de aplicação do princípio da insignificância. Suficiência do conjunto probatório, embasada em prova técnica e testemunhal, que conduz à condenação. 2. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESACATO. ART. 331 DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. Conjunto probatório que se resume à palavra das vítimas mediatas, policiais militares supostamente desacatados, mostrando-se insuficiente para sustentar um juízo condenatório. A palavra dos funcionários públicos, em crimes em que há interesse em legitimar a conduta não produz presunção de veracidade, justamente pelo interesse na solução criminal do processo, também por reflexos na área cível. Ausentes outros elementos de prova a confirmar a versão acusatória, impositiva a manutenção do édito absolutório. RECURSOS DESPROVIDOS.

Recurso Crime


Turma Recursal Criminal

Nº 71010478030 (Nº CNJ: 0014970-43.2022.8.21.9000)


Comarca de Getúlio Vargas

MINISTERIO PUBLICO


RECORRENTE/RECORRIDO

MATEUS DOS SANTOS


RECORRIDO/RECORRENTE


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria, em negar provimento ao recurso defensivo e, à unanimidade, ao recurso do Ministério Público.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Dr. Luiz Antônio Alves Capra (Presidente) e Dr.ª Keila Lisiane Kloeckner Catta-Preta.


Porto Alegre, 27 de junho de 2022.


DR. LUIS GUSTAVO ZANELLA PICCININ,

Relator.


RELATÓRIO

Apelam o Ministério Público e o réu da sentença que julgou parcialmente procedente a denúncia, para: absolver Mateus dos Santos, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, da imputação referente ao art. 331, do Código Penal, bem como condená-lo como incurso nas sanções do art. 28, ?
caput?, da Lei 11.343/06 à pena de advertência sobre os efeitos das drogas.
O Ministério Público requer a condenação do acusado nas sanções do art. 331 do Código Penal, uma vez que tanto a materialidade quanto à autoria restou devidamente comprovada.

A defesa, por sua vez, pede a absolvição do réu, ante a insuficiência probatória, restrita aos depoimentos dos policiais militares que efetuaram a apreensão da droga, além da atipicidade da conduta.


Apresentadas contrarrazões.


O Ministério Público, nesta instância recursal, opinou pelo provimento do recurso ministerial e pelo desprovimento do recurso defensivo.

VOTOS

Dr. Luis Gustavo Zanella Piccinin (RELATOR)

Conheço dos recursos, pois cabíveis, adequados e tempestivos.

Narra a denúncia que:

?
(...)

1° FATO:

No dia 03 de julho de 2019, por volta das 18h35min, na Av.
Brasil, 915, próximo à Escola Bandeirantes, em Sertão/RS, o denunciado MATEUS DOS SANTOS guardou, teve em depósito, transportou e trouxe consigo, para consumo pessoal, uma porção de substância esverdeada, conhecida como ?maconha?, pensando aproximadamente 03 (três) gramas, na qual foi constatada a presença de tetrahidrocannabinol, conforme laudo pericial n° 113874/2019 (fl. 30), sem autorização e em desacordo com determinação legal.

Na ocasião, durante o patrulhamento de rotina pela Brigada Militar, policiais deparam-se com um suspeito em atividade suspeita, momento no qual abordaram o denunciado e, em revista pessoal, localizaram no bolso de sua calça a droga supramencionada.


2° FATO:

Instantes após o primeiro dato, nas mesmas condições de espaço, o denunciado MATEUS DOS SANTOS desacatou funcionário público no exercício da função e em razão dela.


Na oportunidade, o denunciado, após ser liberado da abordagem a que se refere o primeiro fato, passou a proferir ameaças ao policial militar Alisson Luis dos Santos Pinto, tais como ?
isso não ficar assim?, ?tu não anda fardado o tempo inteiro?, ?sei quem tu é e por onde anda?.

(...)?.

Em relação ao primeiro fato narrado na denúncia, Mateus dos Santos foi condenado pelo crime de posse de entorpecentes (art. 28, ?
caput?, da Lei 11.343/06), porque trazia consigo, em 03/07/2019, na cidade de Sertão/RS, uma porção de cannabis sativa, pesando 3,0g, consoante auto de apreensão de fl. 07, e o laudo toxicológico da fl. 30, que constatou a presença de tetrahidrocannabinol no material examinado. Materialidade delitiva comprovada, portanto.

Do mesmo modo, a autoria emerge do conjunto da prova oral obtida em juízo, tendo-se em conta os relatos dos policiais militares Marcelo e Allison, os quais relataram que, durante abordagem ao acusado, realizaram a revista pessoal e encontraram com ele uma porção de maconha.


O réu, em sede policial, admitiu a posse da droga ao afirmar que era destinada ao seu consumo pessoal, assumindo ser usuário de maconha.
Todavia, em juízo, alterou sua versão para os fatos, dizendo que a droga havia sido enxertada pelos agentes públicos. Neste contexto, tenho que a negativa vertida pelo acusado em juízo restou isolada das demais provas trazidas ao feito, inexistindo qualquer outro elemento que a corrobore, ônus que a ele incumbia, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. A negativa, assim, não possuiu força suficiente para se sobrepor a prova acusatória, que restou amparada pela prova oral e técnica, não se traduzindo, evidentemente, em prova lastreada exclusivamente na palavra dos agentes públicos.

O conjunto da prova, portanto, é uníssono e não deixa antever qualquer discrepância entre seus elementos integrativos, de modo a não restar dúvidas em relação à autoria e forma de como aconteceu a localização da droga, mostrando-se suficiente para sustentar o decreto condenatório.


No mais, não é de hoje nem recente o debate que se dá quanto ao bem juridicamente tutelado no que diz respeito ao aparente conflito entre a liberdade individual do consumidor de entorpecente e o móvel político-legislativo que autoriza a punição do usuário de drogas, justamente legitimada a ação do Estado no interesse em preservar (e coibir) a lesão a bem jurídico de caráter supraindividual, que transcende a figura do simples usuário e da mera ótica da lesão quanto ao plano das liberdades individuais.


Fora de dúvida está que o usuário de drogas não é propriamente um criminoso ?
senão que colateralmente fomenta o crime ? e, na mais das vezes, vê o vício impelir-lhe ao consumo da droga. Nesse contexto, a opção legislativa brasileira da Lei 11.343/2006 foi de inequívoco acerto, pois, sem perder o foco de que a conduta do usuário é que, em última análise, fomenta o tráfico, criou mecanismos para abrandar as sanções cominadas aos usuários de drogas, afastando a necessidade de aplicação de penas privativas de liberdade, prevendo, apenas, as sanções de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, de modo a possibilitar a recuperação dos usuários. Note-se a aparente sutileza, de felicidade extremada do legislador: - se por um lado é certo não ser o usuário propriamente um criminoso, por outro não há como considerá-lo somente uma vítima da droga, ou um doente, pois é seu vício que alimenta toda a indústria bilionária do tráfico, com seus vertentes corretados, como homicídios daí decorrentes, lavagem de dinheiro e toda a sorte de crimes financeiros, que servem para a manutenção de poder e para viabilizar a funcionalidade, garantir territórios e a operacionalidade da indústria da droga. Assim, quanto ao usuário, a intenção do legislador foi a de impor a ele medidas de caráter educativo, objetivando alertá-lo sobre o risco de sua conduta para a própria saúde, além de evitar a reiteração do delito.

Nem a discussão que se dá atualmente no STF, em que se pretende descriminalizar a conduta do consumidor (RExt 635.659/SP), desmerece o mérito da lei.
Antes pelo contrário. Os dispositivos conhecidos lançados na conclusão dos votos dos Min. Gilmar Mendes e Min. Edson Fachin, que são no sentido diametralmente oposto a este voto, descriminalizando a conduta, portanto, são expressos em manter o texto da atual legislação, especialmente no que tange à submissão do usuário àquelas medidas previstas no artigo 28 da Lei 11.343/06. Ora, então do que estamos tratando exatamente aqui?! Tão e apenas somente de decidir qual o juízo para aplicá-las: o cível ou o criminal, já que mesmo no reconhecimento da inconstitucionalidade vingar, o usuário não deixará de ser submetido àquelas medidas não-privativas de liberdade do artigo 28 da Lei. Lembro e reitero que nenhuma das penalidades ali previstas será convertida em prisão e, no tocante à advertência, deve seguir a mesma sorte da pena de multa para fins de não gerar reincidência, aplicando-se-lhe o texto do artigo 84, parágrafo único, da Lei 9.099/95: ?Art. 84. Aplicada exclusivamente pena de multa, seu cumprimento far-se-á mediante pagamento na Secretaria do Juizado. Parágrafo único. Efetuado o pagamento, o Juiz declarará extinta a punibilidade, determinando que a condenação não fique constando dos registros criminais, exceto para fins de requisição judicial?. É inevitável conciliar a intenção do legislador em desencarcerar o consumidor de drogas, tratando-o como doente ? tanto que nunca se aplica a ele medida de prisão ? e por igual não considerar aquele que pratica delito de menor potencial ofensivo que resulte em multa, aí incluída a posse de droga, como reincidente, não se constando a condenação para qualquer fim. Se a pena maior, a ?multa? não gera registro desabonatório que gere...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT