Acórdão nº 71010511368 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, 30-08-2022

Data de Julgamento30 Agosto 2022
ÓrgãoSegunda Turma Recursal da Fazenda Pública
Classe processualRecurso Inominado
Número do processo71010511368
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO




QVC

Nº 71010511368 (Nº CNJ: 0018303-03.2022.8.21.9000)

2022/Cível


RECURSO INOMINADO.
SEGUNDA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. SAÚDE. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. MEDICAMENTO FORA DAS LISTAS DO SUS. TEMA 793 DO STF. NECESSIDADE DE DIRECIONAMENTO DA OBRIGAÇÃO À UNIÃO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA DETERMINAR A INCLUSÃO DO ÓRGÃO NO POLO PASSIVO DA LIDE. SÚMULA 150 DO STJ. DEMANDA JÁ ESTABILIZADA. ART. 329, INCISO II, DO CPC. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO. PROCESSO EXTINTO, DE OFÍCIO. RECURSO PREJUDICADO.

Recurso Inominado


Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública

Nº 71010511368 (Nº CNJ: 0018303-03.2022.8.21.9000)


Comarca de Torres

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


RECORRENTE

MARIBEL ZEFERINO TYSKI


RECORRIDO

MINISTERIO PUBLICO


INTERESSADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria, vencido o Relator, Dr. Daniel Henrique Dummer, em negar provimento ao recurso inominado.


Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente Senhor Dr. José Luiz John dos Santos (Presidente).


Porto Alegre, 24 de agosto de 2022.


DR. DANIEL HENRIQUE DUMMER,

Relator.


DRA. QUELEN VAN CANEGHAN,

Redatora.


RELATÓRIO

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38 da Lei n. 9.099/95, aplicado subsidiariamente ao rito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, conforme art. 27 da Lei n. 12.153/09.

VOTOS

Dr. Daniel Henrique Dummer (RELATOR)

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso.


A preliminar de cerceamento de defesa arguida pelo Estado do Rio Grande do Sul não merece guarida.


Consoante o disposto no art. 370, caput, e parágrafo único, do CPC
, o Juiz é o destinatário das provas, podendo indeferir as provas desnecessárias, em atenção aos princípios da celeridade e da economia processual, norteadores do Sistema dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei 9.099/95
), e em respeito à garantia fundamental à duração razoável do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88).


O princípio do livre convencimento motivado do Juiz, não significa, que este deva exaurir todos os argumentos aduzidos pelos litigantes, mas que a sua decisão seja lastreada no sistema jurídico a que está adstrito.


Conforme disposto no art. 355, inciso I, do CPC:

Art. 355.
O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:

I - não houver necessidade de produção de outras provas;

Os laudos médicos, firmados por profissional habilitado, são plenamente suficientes pata atestar a necessidade e adequação da prescrição do medicamento, dispensando a produção de prova em contrário.


Trata-se de medicação conhecida no âmbito da medicina terapêutica, com ampla indicação aos pacientes por diferentes profissionais da área, os quais estão sujeitos às normas que disciplina a profissão, não havendo razão para maiores questionamentos.


A sentença justificou a solução adotada com menção aos fundamentos jurídicos que sustentam o direito afirmado e os elementos de prova que confortam os fatos alegados, cumprindo, portanto, com as exigências do artigo 489, inciso II, do Código de Processo Civil
, e do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal
.
A manifestação de todas as questões legais e constitucionais discutidas no processo e/ou referidas na fundamentação do recurso em julgamento foram plenamente suficientes para o desembaraço e julgamento da lide. Conforme o Novo Código de Processo Civil, §1º inciso IV, do art. 489:

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
Também não há se falar em invasão pelo Poder Judiciário à esfera restrita ao administrador, visto que o tratamento foi negado após prévio requerimento administrativo, surgindo, assim, a pretensão da autora em buscar o bem almejado.
Entendimento em contrário violaria o direito fundamental ao acesso à Justiça, preconizado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Assim, a decisão do juízo a quo observa os princípios da simplicidade, celeridade e da economia processual, norteadores dos juizados especiais
.


Afasto, pois, as preliminares arguidas pelo Estado.


A fonte de todas as Leis, a Constituição Federal, em seu art. 196, estabelece que:
?
Art. 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação?.

Por sua vez, o art. 6º da Constituição Federal assegura que a saúde é um direito social.
Sendo assim, a saúde faz parte do rol dos direitos fundamentais, aqueles inerentes ao chamado princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se de princípio que tem como objetivo garantir uma gama mínima de direitos sem os quais o indivíduo não consegue ter uma vida digna.

Ressalto que a Carta Magna de 1998, rompeu com uma tradição que era mantida nas anteriores Constituições, pois cuidou dos direitos fundamentais no seu início, antes mesmo de cuidar da organização do Governo e do Estado, numa nítida demonstração de que se tratava de uma Constituição Garantista, preocupada antes com o indivíduo do que com o Estado, razão pela qual é também chamada de Constituição Cidadã.


Logo, todo ser humano pela simples razão de nascer, adquire o direito subjetivo à saúde, direito esse público, e exigível do Estado.


A responsabilidade pelo tratamento de saúde pertence às esferas municipal, estadual e federal, não podendo o Estado do Rio Grande do Sul ver afastado seu dever constitucional.

No artigo 198, parágrafo único, da mesma Constituição Federal, a previsão do Sistema Único de Saúde.
A Lei nº 8.080/90 disciplina o Sistema Único de Saúde, atribuindo aos Estados, Distrito Federal e Municípios a prestação dos serviços de saúde à população, vislumbrada a legitimidade de cada um desses entes.

O que não se pode permitir, é que o cidadão, que necessita do medicamento e tratamento ao tempo e à hora necessários, fique à espera da burocracia que muitas vezes emperra o funcionamento da máquina estatal.


Quanto à responsabilidade pelo fornecimento do medicamento, vale registrar que, perante a população, a responsabilidade é solidária, dos três entes, da União, Estado e Município, os quais são obrigados a fornecerem todos os tipos de medicamentos e tratamentos, como forma de garantia do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196, CF/88).


Ao depois, o direito constitucional à saúde pública, estabelecido no art. 196 da CF, não pode ser considerado como norma programática, que dependa de previsão orçamentária dos Estados-membros para sua execução.


O direito à saúde também foi tratado pela legislação infraconstitucional, federal e estadual.


Já a Lei Estadual nº 9.908/93 expressamente impõe ao Estado do Rio Grande do Sul, o dever de alcançar medicamentos para pessoas carentes.


Enquanto o art. 30, inc. VII, da Carta Magna, atribui aos Municípios a competência ?
prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população?.

Acerca da a norma em análise, Jeferson Ferreira Barbosa
assevera que: ?
A finalidade da norma constitucional é a cooperação produtiva entre as diversas esferas da federação. São chamadas para uma ação conjunta e permanente e para a responsabilidade diante de obrigações que cabem a todos. ?

Aliás, a solidariedade entre os entes federados está assentada na Jurisprudência do Supremo Tribunal, que ao julgar o RE 855.178-RG/SE (Tema 793 da Repercussão Geral
), firmou a tese de que: ?
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.?

Inclusive é possível aferir no Informativo n. 941/STF, de maio de 2019, que trata do RE 855.178:

?
A tese não trata da formação do polo passivo. Caso se direcione e depois se alegue que, por alguma circunstância, o atendimento da demanda da cidadania possa ter levado um ente da Federação a eventual ônus excessivo, a autoridade judicial determinará o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.?

Reporto-me, por sua vez, ao recente julgamento dos embargos de declaração
- os quais foram rejeitados- em que a União buscava a declaração de sua competência de maneira subsidiária, e não solidária.


Por fim, a maioria acompanhou a divergência lançada pelo Ministro Edson Fachin, entendendo por bem assegurar o fundamento do voto, com sutis e relevantes especificações:

(a) há solidariedade entre os entes federados, podendo a parte escolher contra quem pretende litigar;

(b) demonstrado pelo demandado que a competência (técnica ou de execução) extrapola a responsabilidade prevista nas regras de repartição do SUS, deve provocar o julgador ao redirecionamento do processo, sendo a análise feita caso a caso (e não necessariamente ensejar na inclusão da União e o deslocamento da competência) e

(c) tratando-se de medicamento sem o registro na ANVISA, a União, necessariamente, deve integrar a lide.


Dessa forma, tecidas tais ponderações, os embargos de declaração foram desprovidos, ficando ementado:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSI...

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