Acórdão nº 71010532836 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Turma Recursal Criminal, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
ÓrgãoTurma Recursal Criminal
Classe processualEmbargos de Declaração
Número do processo71010532836
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO


LAAC

Nº 71010532836 (Nº CNJ: 0020450-02.2022.8.21.9000)

2022/Crime


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
PROCURAÇÃO COM PODERES ESPECIAIS. ACOLHIMENTO. CONHECIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. QUEIXA-CRIME. INJÚRIA (ART. 140 DO CÓDIGO PENAL). SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA
1.
A menção do número de boletim de ocorrência na procuração supre a necessidade de descrição do fato, ínsito ao modelo de mandato com poderes especiais previsto no art. do 44 do CPP. Ressalva do entendimento do Relator pela necessidade de indicação, na esteira de Precedentes do STJ do nomem juris do delito (AgRg no RHC n. 159.718/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022) ou do tipo penal (AgRg no REsp n. 1.791.282/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/5/2019, DJe de 20/5/2019).
2. A injúria consiste em opinião depreciativa a respeito da vítima, de modo a atingi-la em sua dignidade e decoro. Evidenciada, no caso dos autos, a intenção de ofender e atingir a dignidade da vítima, com evidente animus injuriandi.
3. Alegação de retorsão imediata, que pressupõe a existência de duas injúrias, afastada, por não configurada.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS POR MAIORIA.
APELAÇÃO DESPROVIDA.
Embargos de Declaração


Turma Recursal Criminal

Nº 71010532836 (Nº CNJ: 0020450-02.2022.8.21.9000)


Comarca de Caxias do Sul

GIANA MARIA FRANCESCHI


EMBARGANTE

FABIO GUELLA BACEDO


EMBARGADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul, em, por maioria, acolher os embargos declaratórios e, à unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Dr. Edson Jorge Cechet (Presidente) e Dr. Luis Gustavo Zanella Piccinin.


Porto Alegre, 26 de setembro de 2022.


DR. LUIZ ANTÔNIO ALVES CAPRA,

Relator.


RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração interpostos pela querelante contra a decisão que declarou extinta a punibilidade do querelado, em face da decadência.


VOTOS

Não há omissão ou contradição a ser sanada na decisão proferida por este Colegiado.


Ao contrário do alegado pela embargante, a matéria tida como obscura foi enfrentada pelo acórdão (fl. 168/171).
Reproduzo o trecho abaixo, a fim de evitar tautologia:

?
[...] no instrumento de mandato mencionado, foram outorgados poderes para o oferecimento de queixa-crime em face do querelado sem qualquer descrição fática, contendo somente a data do incidente, nome do querelado e referência ao número do boletim de ocorrência?.

Com efeito, não consta da procuração a descrição do fato propriamente dito, tampouco o nomen iuris ou o tipo penal dos supostos delitos cometidos.


Daí porque omissão e ou contradição não há no julgado que determinou a extinção da punibilidade do querelado em face da decadência.


Por outro lado, mesmo que a exigência relativa à procuração tenha sido flexibilizada pelo STJ, mas não nos termos sustentados pelo Embargante, o mínimo seria que fossem indicados, na procuração, o nomem juris dos delitos (AgRg no RHC n. 159.718/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022) ou os artigos de lei a que se referem (AgRg no REsp n. 1.791.282/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/5/2019, DJe de 20/5/2019).


Limitou-se, contudo, o ora embargante, a laconicamente apontar ?
crime contra a honra?, acrescentando o número da ocorrência, o que não atende, a toda evidência, nem mesmo ao posicionamento mais flexível construído pelo STJ.

No caso o art. 44 do CPP estabelece que ?
A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal?, o que afasta a possibilidade de buscar a complementação em outros documentos carreados aos autos do que, nos exatos termos da lei, deveria constar da procuração.

Assim, qualquer interpretação que se pretenda alcançar ao aludido dispositivo legal para albergar o que nele não está contido, traduz, na realidade, verdadeiro solipsismo que acaba socorrer a parte em face de seu próprio equívoco.


Não se trata, consigno, de rigor demasiado.
É que no processo penal a forma é garantia. Aliás, esse mesmo rigor tem sido adotado por esta Turma Recursal no exame das iniciais, tanto de ações penais públicas, quanto de ações penais de iniciativa privada.

A propósito, cito os seguintes precedentes:

APELAÇÃO CRIMINAL.
MAUS-TRATOS. ARTIGO 136 DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA INICIAL NULIDADE DO PROCESSO. Denúncia que se reveste de inépcia ao não conter qualquer descrição a respeito da forma como praticados os maus-tratos, não sendo suficiente a mera reprodução da redação contida no tipo penal, tampouco a alusão ao número do boletim de ocorrência policial. Hipótese em que mesmo diante dos critérios orientadores estabelecidos pelo art. 62 da Lei nº 9.099/95 para o JECRIM, não há como fugir do reconhecimento da inépcia. Não se trata, por óbvio, de mera formalidade, mas de assegurar o cumprimento das garantias constitucionais. Não se transige, mesmo na informalidade do JECRIM, com o contraditório e a ampla defesa. Nulidade que se reconhece desde o nascedouro do processo. PROCESSO ANULADO, DE OFÍCIO.(Apelação Criminal, Nº 71008966236, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em: 25-11-2019)

APELAÇÃO-CRIME.
ARTIGO 139 DO CP. DIFAMAÇÃO. REJEIÇÃO DA QUEIXA CRIME POR INÉPCIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS EXIGIDOS PELO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MANUTENÇÃO DO DECISUM. Para o recebimento da queixa-crime faz-se necessário que a inicial venha acompanhada de um mínimo de elementos indiciários da existência do ilícito, de forma a configurar justa causa para o início da ação penal, além de o fato criminoso dever estar exposto com todas as suas circunstâncias e o rol de testemunhas, quando indispensável, sob pena de inépcia, de acordo com o estabelecido no art. 41 do Código de Processo Penal. RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Criminal, Nº 71010197945, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em: 15-12-2021)

APELAÇÃO CRIME CONTRA A HONRA.
CALÚNIA (ART. 138, CP). INÉPCIA DA QUEIXA-CRIME. REJEIÇÃO. INOBSERVÂNCIA DO ART. 41 DO CP. DECADÊNCIA. MANTIDA A DECISÃO QUE REJEITOU A QUEIXA-CRIME. A narrativa contida na peça acusatória desatende ao disposto no art. 41 do CPP, na medida em que deixa de descrever o fato imputado ao querelado com todas as suas circunstâncias, ou seja, em que teria consistido o ato calunioso. A mera reclamação despropositada dirigida a uma associação protetora dos animais da cidade, sem efetiva e clara imputação de práticas delitivas, em nada sugere a intenção do querelado de caluniar um sujeito específico, até porque nem claro efetivamente o que supostamente foi dito a esse título. Com efeito, da situação descrita não se vislumbra animus caluniandi por parte do acusado, indispensável para a prática do art. 138, caput, do CP. Acertada, portanto, a decisão de rejeição da queixa-crime. RECURSO IMPROVIDO.(Apelação Criminal, Nº 71009827999, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em: 19-04-2021)
Daí porque, não estando presentes as hipóteses do artigo 83 da Lei 9099/95, razão não há para que sejam acolhidos os embargos declaratórios.

Voto, pois, por rejeitar os embargos declaratórios interpostos.


Dr. Luis Gustavo Zanella Piccinin

Peço vênia para divergir do e. Relator no tocante aos requisitos da procuração.


O acórdão embargado julgou extinta a punibilidade do querelado, em face da decadência, em razão de que a procuração de fl. 04 não teria atendido aos requisitos do art. 44 do Código de Processo Penal, já que não fez menção ao fato imputado ao querelado.

Penso, contudo, após reflexão detida, que temos que evoluir um tanto na ideia assentada com algum rigor a mais nesta TRCrim quanto à necessidade de que a procuração contenha descrição do fato objeto da ação penal privada.
Isso porque temos gerado algum paradoxo interpretativo, de sorte que somos mesmo mais rigorosos com a procuração do que com a própria peça inicial da ação penal, o que revela um contrassenso. Daí que vislumbro ocorrente aqui pressuposto de embargabilidade tal qual verte a acusação. Daí que a referência ou na procuração ou nela referindo documento, no caso Boletim de Ocorrência, onde esteja descrito o fato delituoso é suficiente para prevenir a responsabilidade pela denunciação caluniosa, que é o que se quer coibir com a exigência da procuração específica e que contenha a narrativa sucinta dos fatos.
Conforme corretamente alegado pela embargante, na referida procuração há menção ao fato criminoso descrito na inicial acusatória, providência essa estampada com base na referência ao boletim de ocorrência de nº 3800/2019/100310 (fl. 06), onde descrita a conduta praticada pelo querelado ?
?(...) INJÚRIA. INFORMA QUE O ACUSADO, FABIO GUELLA BACEDO, LHE OFENDEU COM PALAVRAS DE BAIXO CALAO DE FORMA GRATUITA, LHE CHAMANDO DE IDIOTA, OTARIA, LADRA, VAI PROCURAR ALGO O QUE FAZER. QUE É PROFESSORA CONCURSADA E NÃO ADMITE ESSE TIPO DE VIOLENCIA CONTRA SUA HONRA? (SIC).
Ademais, vê-se que o boletim de ocorrência referido na procuração foi igualmente assinado pela querelante (fl. 06), donde se depreende que ela detinha o perfeito conhecimento dos exatos termos e limites da imputação que está atribuindo a terceiro, o que previne a limitação da sua responsabilidade em caso de imputação falsa.


Portanto, a conclusão é de que a procuração juntada pela querelante contém todos os requisitos exigidos pelo art. 44 do Código de Processo Penal, especificando o fato ao qual a querelante imputa
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