Administrative reforms in Brazil: a theoretical and critical approach/Reformas administrativas no Brasil: uma abordagem teorica e critica/Reformas administrativas en Brasil: un abordaje teorico y critico.

AutorCapobiango, Ronan Pereira
CargoARTIGO--ADMINISTRACAO PUBLICA
  1. INTRODUCAO

    A Reforma Administrativa e discutida e debatida em todo o mundo como um processo de adaptacao da maquina publica ao ambiente em que se insere. No entanto, cada pais apresenta um perfil peculiar, com suas limitacoes e suas caracteristicas culturais, que devem ser levadas em consideracao ao se propor alguma alteracao que interfira na vida social de todos que compoem o Estado.

    Esse Estado, na condicao de um sistema que engloba outros subsistemas, e composto de diversas partes que interagem entre si e se interrelacionam, constituindo um todo para a concepcao dos objetivos que se pretende alcancar. Nessa concepcao, os cidadaos, que fazem parte desse sistema, sofrem influencia das decisoes estabelecidas e influenciam essas mesmas decisoes. Infelizmente, muitas vezes a sociedade civil nao e convidada a participar do processo de formulacao e implementacao de uma acao governamental ao propor uma mudanca. Como consequencia, o Estado se depara com um sistema deficiente, cujas partes nao se encontram em perfeita harmonia, e, por isso, tem seu funcionamento prejudicado.

    O tema Reforma Administrativa esta relacionado a mudancas ligadas necessariamente a resistencia em razao do medo do novo e da impossibilidade de se vislumbrar o resultado final a ser alcancado. Maquiavel (2006:26) alertou que "aquele que a introduz tera por inimigos todos os que da velha ordem extraiam privilegios e por timidos defensores todos os que das vantagens da nova ordem poderiam usufruir".

    O reconhecimento das bases culturais presentes em um Estado permite conhece-lo melhor e, dessa forma, propor medidas condizentes com uma realidade que, na maioria das vezes, necessita de modificacoes para que, a partir destas, outras medidas possam ser estabelecidas e, aos poucos, uma nova percepcao mais flexivel as mudancas seja introduzida.

    Varias reformas tem sido propostas ao longo dos anos por diversos paises, porem, na ansia de querer mudar apenas por mudar, como uma forma de acompanhar as tendencias bem-sucedidas de outros paises, muitos Estados tem suas experiencias de reformas frustradas. Modelos bem implementados em outros paises, quando trazidos para uma realidade distinta daquela em que foram elaborados sem se considerarem os aspectos das bases culturais encontrados, deparam-se com barreiras que impedem seu bom funcionamento e nao apresentam os resultados que buscavam oferecer.

    Quando sao reconhecidas as limitacoes de certo modelo no atendimento dos objetivos almejados por um Estado e pelas partes que o compoem, novas propostas sao apresentadas como alternativas capazes de melhorar o funcionamento desse sistema, que, continuamente, necessita ser reajustado e adaptado a uma realidade, em um ambiente dinamico de mudancas permanentes.

    Nesse contexto, este ensaio teorico, com base em referencias bibliograficas, busca contextualizar o cenario das reformas administrativas, levantando indagacoes e reflexoes sobre o tema, sem ter a pretensao de esgotar seus pontos especificos e suas tendencias. Para tanto, foram selecionados autores que desenvolveram trabalhos importantes da literatura nacional, principalmente sobre o periodo da segunda metade do seculo XX. Essa periodizacao politico-institucional foi definida em razao de se terem como pano de fundo as reformas no Brasil, para, a partir dai, apresentar uma perspectiva que nao separa as reformas administrativas dos movimentos concomitantes e estruturais ocorridos no plano politico e economico ao longo do processo de modernizacao do pais, incluindo o contexto das transformacoes ocorridas no plano gerencial. Alem desses autores, sao mencionados, da literatura internacional, Whitaker (1980), Denhardt (1990), Pollitt (1993), Osborn e Gaebler (1992), Brudney e England (2003), Bouckaert e Halligan (2008), dentre outros.

    Especificamente, pretende-se: apresentar as bases dos sistemas de acao cultural brasileiro; levantar um breve historico da administracao publica brasileira entre 1930 e 1995; apresentar, considerando o contexto historico mundial e nacional, os modelos e tendencias atuais; e incitar algumas reflexoes a respeito das reformas administrativas. As recentes discussoes sobre administracao publica e reformas do Estado tem chamado a atencao de diversos estudiosos que buscam compreender as recorrentes transformacoes implementadas nos mais variados setores publicos no Brasil. Sao transformacoes que objetivam atender as demandas do Estado brasileiro, de um lado, e da sociedade civil, de outro. Nesse sentido, a tematica referente as reformas administrativas gera questionamentos que sustentam diversas discussoes, as quais fazem dessa tematica um assunto sempre relevante e importante para os avancos dos debates e reflexoes.

  2. CONSIDERACOES SOBRE AS RAIZES CULTURAIS BRASILEIRAS

    O sistema cultural brasileiro, de acordo com Barros e Prates (1996), e formado por quatro grandes subsistemas: institucional (macro); pessoal (micro); lideres (donos do poder); e liderados (subordinados ao poder). Esses subsistemas, caracterizados, respectivamente, pela concentracao de poder, postura de expectador, personalismo e pratica de evitar conflito, articulam-se pelos tracos do formalismo, da lealdade as pessoas, do paternalismo e do formalismo. Essa articulacao pode ser mais bem visualizada na Figura 1.

    [FIGURE 1 OMITTED]

    Esse sistema de acao cultural e formado pela inter-relacao de todos os componentes, cuja interpretacao esta sintetizada no Quadro 1.

    O modelo cultural brasileiro traz consigo as raizes de nossa colonizacao--patrimonialismo e clientelismo. O processo de industrializacao deuse com o surgimento dos engenhos, e as raizes do trabalho coletivo foram vinculadas e confundidas com a escravidao recem-abolida, num processo contrario a industrializacao da Europa, por exemplo, onde os trabalhadores que ingressaram na industria eram livres (NASCIMENTO, 1999).

    No ambito das organizacoes, Fleury (1990:22) define a cultura organizacional como:

    [...] um conjunto de valores e pressupostos basicos expressos em elementos simbolicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significacoes, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicacao e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relacoes de dominacao. (FLEURY, 1990:22).

    Segundo Medeiros e Vasconcellos (1992), o modelo gerencial adotado nas organizacoes brasileiras nao considera a realidade como um todo, uma vez que exclui os elementos culturais, levando em consideracao apenas o desejo de modernidade.

    Com o desenvolvimento da economia, verificada especialmente apos a Segunda Guerra Mundial, as praticas gerenciais pautadas pelo autoritarismo coronelista deixaram de ser aplicaveis, comecando assim a tradicao de importacao de teorias e modelos. A sociedade rural, modelada pela influencia europeia, transforma-se em sociedade urbana, influenciada agora pelos Estados Unidos da America (BARROS; PRATES, 1996).

    No contexto da administracao publica brasileira, Martins (2007) busca fortalecer tres proposicoes: a administracao publica brasileira e o Estado brasileiro foram fundados sob a influencia de um etos fortemente patrimonialista, presente na heranca cultural lusitana; o processo de construcao nacional e a trajetoria modernizante da administracao publica brasileira tem buscado implementar formas institucionais antipatrimonialistas, tais como a democracia representativa de massas e o padrao burocratico de administracao publica, respectivamente; e o carater dissociativo entre politica e administracao e indicio da recorrencia e persistencia de uma cultura de modernizacao nacional patrimonialista.

    Para uma melhor compreensao do processo de modernizacao da administracao publica brasileira, e importante que sejam observadas as raizes culturais brasileiras, que podem estar na base de algumas praticas existentes ao longo da trajetoria da administracao publica brasileira, conforme revela Caldas (2007:82), por exemplo:

    Nosso forte traco autoritario e, ao mesmo tempo, paternalista criou no brasileiro o gosto simultaneo pelo protecionismo e pela dependencia. Fomos acostumados, como povo, a nutrir uma postura de espectador sempre dependente de algo ou alguem--em geral, algum tipo "estrangeiro--que nos leve e nos conduza." (CALDAS, 2007:82).

    A importancia da questao cultural transcende as fronteiras da curiosidade ou do debate academico, uma vez que a inovacao nas praticas organizacionais exige a compreensao da dinamica das praticas existentes, para gerar mudanca socialmente apropriada e historicamente enraizada (SPINK, 2007). Nesse sentido, o entendimento dos tracos culturais pode fornecer alguns subsidios para uma melhor compreensao da trajetoria da administracao publica brasileira.

  3. ADMINISTRACAO PUBLICA BRASILEIRA: DE 1930 A 1995

    A expressao Republica Nova esta relacionada a ascensao de Getulio Vargas ao poder em 1930, tornando-se presidente da Republica. As acoes implementadas por esse governo, que promoveram uma profissionalizacao da Administracao Publica, representaram uma tentativa de rompimento com as oligarquias dominantes. Foi um tempo marcado pela criacao do Departamento de Administracao do Servico Publico (DASP) e por conquistas sociais, como o voto secreto e as leis trabalhistas, alem do direito de voto para as mulheres.

    A primeira reforma administrativa, de 1936, conhecida como Reforma Burocratica, teve como caracteristica, segundo Matias-Pereira (2009), a enfase na reforma dos meios em detrimento dos fins, ou seja, focou as atividades de administracao geral; buscou montar um corpo burocratico classico, de funcionarios do Estado, nao contemplando as atividades substantivas; pautouse na teoria administrativa que consagrava a existencia de "principios de administracao"; e adotou como modelo o prescrito na teoria administrativa importada dos paises mais desenvolvidos, buscando modernizar a maquina publica inspirando-se no modelo taylorista/fayoliano/weberiano (COSTA, 2008).

    A reforma burocratica, conforme Bresser-Pereira (2009)...

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