A advocacia pública e a recuperação de créditos públicos não pagos

AutorProf. Aldemario Araujo Castro
CargoProcurador da Fazenda Nacional. Professor da Universidade Católica de Brasília. Diretor do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional - SINPROFAZ Ex-Coordenador-Geral da Dívida Ativa da União
Páginas1-6

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Vivemos numa quadra histórica em que a palavra de ordem é privatizar. O mercado e o capital, notadamente o especulativo, são valores quase absolutos, praticamente sem qualquer contraponto social ou ideológico significativo. Neste terreno "fértil" prosperam as mais variadas iniciativas de terceirizar ou entregar toda e qualquer atividade realizada pelo Poder Público ao "deus" mercado. Nesta linha, algumas das propostas atingem as ações de cobrança dos créditos públicos não pagos nos prazos fixados em lei.

As motivações para tais projetos, nas suas mais variadas formas, giram invariavelmente em torno da discutível máxima da ineficiência das ações públicas nesta área. Esgrimindo verdades parciais, os autores das proposições procuram sempre comparar a recuperação de créditos num determinado ano com o estoque em cobrança. Este cotejo desconsidera, porque baseado em critério único, as condições logísticas das ações de cobrança, a natureza e as dificuldades peculiares desta atividade.

Destacamos, neste passo, duas das mais recentes e significativas propostas tendentes a subtrair dos órgãos públicos especializados a atividade de cobrança de créditos públicos não pagos. Tratam-se de dois projetos de lei de autoria do ex-Senador Luiz Estevão. O primeiro, identificado como Projeto de Lei do Senado n. 583, de 1999, dispõe sobre a alienação de títulos extrajudiciais relativos a créditos inscritos em dívida ativa. Já o segundo, tramitando como o Projeto de Lei do Senado n. 584, também de 1999, dispõe sobre delegação a advogado particular para cobrança de créditos inscritos na dívida ativa. Page 2

Na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, os dois projetos foram analisados, sob a ótica da compatibilidade com a ordem jurídica posta, pelos Procuradores da Fazenda Nacional Aldemario Araujo Castro, Christiano Mendes Wolney Valente e Francisco Joaquim de Sousa Neto. As duas proposições, depois de minudente estudo, não lograram merecer manifestações positivas no âmbito da PGFN. Identificamos vícios de inconstitucionalidade e incompatibilidade com o Código Tributário Nacional.

Com efeito, a proposta de alienação, mediante leilão, de títulos representativos de créditos inscritos em dívida ativa, ao garantir ao devedor o direito de preferência pelo mesmo preço oferecido pelo vencedor do certame, veicula uma norma aberta e genérica de remissão em afronta ao comando do art. 150, §6o. da Constituição. A mesma proposta, ao fixar a sub-rogação pelo cessionário em todos os direitos, garantias e privilégios do cedente, transfere ao particular, incorrendo em inconstitucionalidade (art. 37 da Constituição), as prerrogativas próprias do Poder Público.

Por outro lado, a proposição de transferência da cobrança a advogado esbarra na impossibilidade de delegação, ao particular, de atividade típica de Estado, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADIN n. 1.717-DF.

Os dois projetos, ainda, violam frontalmente o art. 131, caput e §3o. da Constituição, o art. 3o. do Código Tributário Nacional, o art. 12 da Lei Complementar n. 73, de 1993, e os arts. 1o. e 22 do Decreto-Lei n. 147, de 1967. Segundo as normas constitucionais citadas, a execução da dívida ativa de natureza tributária cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, instituição vinculada à Advocacia-Geral da União incumbida de representar a União em juízo. Já o Código Tributário Nacional, ao definir tributo, estabelece que este será cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Por fim, a Lei Complementar n. 73/93 e o Decreto-Lei n. 147/67, com força de lei complementar no particular, fixam a competência da PGFN para a execução da dívida ativa da União de natureza tributária ou não.

Na justificação dos projetos aludidos, constituídas de não mais de...

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