Agendas internacionais, mecanismos institucionais e referenciais ideológicos nas políticas públicas de gestão ambiental

AutorWilson J. F. de Oliveira
CargoUniversidade Federal de Pelotas
Páginas107-116

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1 Introdução

Um dos aspectos que tem sido comumente destacado pela literatura nacional e internacional, sobre as condições e dinâmicas de implantação de políticas públicas de gestão ambiental, diz respeito ao papel preponderante da formação técnica e científica e à utilização de competências de expertise, adquiridas através da formação universitária, nos processos de formulação e de implementação de tais políticas.

Segundo tais abordagens, mesmo que a “crítica à racionalidade técnica e científica” esteja, desde o início, no centro da luta ecologista, os processos de formulação e implementação de políticas ambientais evidenciam justamente o contrário: que cada vez mais são mecanismos, dispositivos e atores vinculados ao universo da técnica e da ciência os que assumem um papel destacado na construção e administração das reivindicações e dos problemas ambientais (LASCOUMES, 1994).

Nesse sentido, outro contingente enorme de trabalhos tem salientado que uma das conseqüências principais dessa imposição da expertise na formulação e implementação das políticas ambientais é a institucionalização e a profissionalização do próprio ativismo ambientalista, à medida que a participação regular das associações, em instâncias formais de proteção ambiental (conselhos, fóruns, comitês, etc.), implicou o recrutamento de militantes e dirigentes dotados de elevada formação técnica e científica e aimposição de competências de expertise como um dos principais recursos militantes nas intervenções públicas de tais organizações (ANQUENTIN, 2002; GALLET, 2002; ROOTES, 1999).

No caso brasileiro, esse tipo de interpretação se faz presente naqueles trabalhos que enfatizam a maior difusão e institucionalização da problemática ambiental, nas mais diferentes organizações e setores da sociedade e que destacam a intensificação do processo de profissionalização das organizações ambientalistas e contratação de técnicos como forma de legitimação de suas atividades e intervenções públicas (LOUREIRO e PACHECO, 1995). Todavia, na literatura nacional sobre as políticas públicas de gestão ambiental ainda predomina um forte engajamento e comprometimento com as causas ambientais e com os modelos de “desenvolvimento sustentável”.

Como salientam Alonso e Costa (2002), a partir de finais da década de 1980, os estudos sobre essa temática passaram a se concentrar no “desenvolvimento sustentável” e foram produzidos “fora das ciências sociais” por especialistas das ciências naturais e das humanidades, tais como filósofos, geógrafos, demógrafos, biólogos, agrônomos,jornalistas, entre outros, mas mantendo um “viés político, engajado”.

Pode-se ver um bom exemplo disso nas análises recentes sobre a questão do eucalipto. Nos últimos anos, tem havido um grande número de discussões, debates, manifestações e protestos relacionados ao plantio de eucalipto no Brasil, mobilizando a imprensa, setores empresariais, agências governamentais, partidos políticos, organizações e movimentos sociais diversificados. A questão do “modelo de desenvolvimento” mais adequado ao país constitui um aspecto comum às diferentes posições em confronto: de um lado, os que são contrários e salientam os “impactos ambientais” de tal atividade, constituindo-se como uma ameaça a um modelo de desenvolvimento que integre as dimensões ambientais, sociais, culturais, políticas e econômicas; do outro, os que se manifestam favoráveis, destacando a importância de sua expansão como “alternativa de desenvolvimento econômico”. Quando se examina o que está sendo produzido na universidade sobre o assunto, observa-se uma grande continuidade entre o universo acadêmico e o militante. Ou seja, a categoria militante “desenvolvimento sustentável” também está no centro dos debates acadêmicos, de modo que as abordagens utilizadas pela maioria dos trabalhos têm como objetivo principal demonstrar os “impactos ambientais” da expansão do plantio de eucalipto para a referida localidade ou região.

Mesmo quando focaliza as limitações políticas e institucionais dos mecanismos participativos e deliberativos, em matéria de proteção ambiental, tais abordagens se caracterizam pela predominância de objetivos puramente prescritivos e de perspectivas normativas, deixando de lado a investigação empírica das causas sociais, políticas e institucionais, vinculadas ao funcionamento concreto das instâncias de formulação e implementação de políticas ambientais (ALONSO e COSTA, 2002). Nesse sentido, tem sido destacado que a rotinização e institucionalização dos procedimentos e a concentração dos processos decisórios, nas mãos de poucos especialistas que detêm os conhecimentos técnicos, jurídicos e científicos requeridos, constituem os principais fatores responsáveis pela falta de incorporação da “participação democrática e igualitária”, nos processos de formulação e implementação de políticas ambientais (CARNEIRO, 2005; PARAÍSO 2005; ZHUORI, LASCHEFSKY e PAIVA, 2005; LEITE LOPES, 2004).

Tal aspecto não parece peculiar ou exclusivo aos estudos sobre as políticas públicas de gestão ambiental, pois grande parte da literatura brasileira sobre “Estado e Políticas Públicas” tem se caracterizado pela predominância de reflexões normativas referentes ao papel do Estado, no “desenvolvimento da nação”, aos modelos de “reforma do Estado”, deixando em segundo plano, entre outras coisas, ainvestigação concreta de suas dinâmicas de funcionamento e de suas relações com as políticas efetivamente desenvolvidas (MELO, 1999; SOUZA, 2006; MARQUES, 2003).

Desse modo, um aspecto que, até o momento, não tem sido devidamente explorado pelas investigações realizadas, sobre as políticas públicasPage 109 de gestão ambiental, no Brasil, e sobre o programa de expansão do eucalipto, em particular, diz respeito às relações entre os “modelos de desenvolvimento” invocados pelas lideranças em confronto, os mecanismos e processos políticos e institucionais postos em operação e as trajetórias e recursos sociais das organizações e dos atores vinculados às dinâmicas de formulação e execução de tais políticas.

Essa formulação da questão de pesquisa se insere numa problemática deinvestigação mais geral referente às condições de emergência e às dinâmicas do ambientalismo no Brasil e constitui um desdobramento de uma pesquisa anterior sobre as lógicas sociais de engajamento, no ambientalismo entre 1970-2005 (OLIVEIRA, 2005) e de duas investigações ainda em curso: uma, sobre as dinâmicas de fabricação e de utilização de manifestações e protestos públicos, na defesa de causas ambientais (OLIVEIRA, 2007a); outra, sobre os processos de produção da política de expansão do eucalipto, no Rio Grande do Sul (OLIVEIRA, 2007b). Esse conjunto de pesquisas tem nos colocado diante do desafio de considerar os significados e os usos da expertise em suas relações com os processos diferenciados de configuração da formação escolar e profissional, da burocracia estatal, assim como da própria atividade militante.

Isso remete ao problema das relações entre referenciais ideológicos, mecanismos institucionais e redes de relações entre os atores interessados na formulação e implementação de políticas públicas. Quanto a isso, um dos principais avanços propostos pelo chamado “neo-institucionalismo” tem sido chamar a atenção para as lógicas próprias que respaldam o funcionamento das instituições e da burocracia estatal, ao invés de deduzi-las dos comportamentos e das estratégias individuais. Com perspectivas teóricas e metodologias de análise diferenciadas, a maioria dos trabalhos pressupõe que as disputa s relativas aos referenciais ideológicos, aos procedimentos e aos critérios que fundamentam a execução das políticas públicas são fortemente influenciadas pelas dinâmicas próprias de funcionamento das instituições político-administrativas e pelos interesses específicos dos atores estatais.

Tal pressuposto está presente, tanto nas abordagens focadas mais diretamente nos tipos e nas estruturas das redes sociais que constituem a “comunidade” de políticas públicas (MARQUES, 2003), quanto naquelas que enfatizam o papel dos referenciaisideológicos na conformação do sistema de atores e na constituição dos “mediadores” que desempenham as funções normativas e deliderança, na condução da ação pública em determinado “setor” (MULLER, 1995; MULLER; SUREL, 2002). Paraisso, a utilização de recursos técnicos e científicos, adquiridos com base na atuação profissional e administrativa, no interior do próprio setor, constitui o ingrediente chave na compreensão doimpacto dos mecanismos institucionais sobre a produção das políticas públicas.

Nesse sentido, como já foi citado anteriormente, mesmo os trabalhos que analisam as políticas de proteção ambiental e que recusam a idéia de “políticas setoriais autônomas”, admitem o peso dos recursos de expertise na formulação e implementação das políticas públicas (LASCOUMES, 1994).

Diferente de tais abordagens, pretende-se evidenciar a hipótese de que, no caso brasileiro, os significados e a utilização de competências de expertise, na defesa de causas ambientais, em diferentes esferas de atividade (na administração pública e burocracia estatal, em universidades e centros de pesquisa, no exercício de assessoria e consultoria, em associações e ONG’s ambientalistas, em sindicatos e organizações de defesa de categorias profissionais, em partidos políticos, etc.), estão associados a padrões diversificados de reconversão da formação e do exercício profissional, com base nos vínculos anteriores e/ou simultâneos estabelecidos com redes diversificadas de organizações e “movimentos sociais”.

Essa forte imbricação da formação técnica e profissional com o engajamento político, através da inserção em...

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