Representações e práticas sobre contracepção: as agentes de pastoral da saúde escutam a igreja católica?

AutorMarlene Tamanini
CargoAluna do Programa de Pós ? Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas ? Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas
Páginas1-23
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS SOBRE CONTRACEPÇÃO: AS
AGENTES DE PASTORAL DA SAÚDE ESCUTAM A IGREJA CATÓLICA ? 1
MARLENE TAMANINI2
Resumo:
Este artigo trata das representações e das práticas das Agentes de Pastoral
da Saúde sobre contracepção na esteira mais ampla das questões que envolvem
sexualidade, gênero e direitos reprodutivos no interior da instituição Igreja Católica.
Discute como se dá a retradução do discurso oficial durante suas atividades
pastorais e em sua vida privada, averiguando coincidências e defasagens em relação
ao mesmo. A premissa metodológica escolhida, representações sociais, considera o
conteúdo da linguagem em sua forma discursiva e, como está linguagem é capaz
de articular aspectos cognitivos, culturais e valorativos à uma dimensão histórica
transformadora.
Palavras chaves: prática pastoral, contracepção, Igreja Católica, sexualidade, gênero.
I. INTRODUÇÃO
A motivação do presente trabalho nasceu da necessidade de compreender por
onde passam as representações sobre contracepção, a partir do resgate da experiência3
de mulheres dedicadas às atividades da Pastoral da Saúde, dentro da Igreja Católica.
Particularmente, pretendemos verificar se ocorre, na orientação que estas agentes
oferecem às mulheres da base no interior da pastoral, a retradução do discurso oficial
da Igreja.
A Pastoral da Saúde segundo documento elaborado em sua III Assembléia
Nacional (1997), define-se como: “ ação evangelizadora de todo o povo de Deus
comprometido em promover, preservar, defender, cuidar e celebrar a vida, tornando presente no
mundo da saúde a ação libertadora de Jesus”.
A . O Contexto do Estudo
Este estudo foi realizado entre mulheres que desenvolvem atividades de
coordenação nas comarcas e paróquias de duas dioceses integrantes do Regional Sul
1 Este artigo é parte do relatório desenvolvido no Programa Interinstitucional de Treinamento em Metodologia da Pesquisa em
Gênero Sexualidade e Saúde Reprodutiva. CEPESC/ IMS/UERJ, apoio FUNDAÇÃO FORD.
2 Aluna do Programa de Pós – Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas – Doutorado Interdisciplinar em Ciências
Humanas.
3 A experiência segundo Scott ( 1998), mesmo quando sentida enquanto algo primário, é aquela que se traduz por idéias
organizadas por conceitos que possuem eles próprios, uma história. REF.V.6,N.1/98.
2
IV4 da CNBB/SC: Tubarão e Joinville. Insere-se no âmbito das investigações sobre
contracepção, a partir do reconhecimento da necessidade apresentada pelas Agentes de
Pastoral da Saúde em falar sobre o assunto, dentro de uma instituição que no presente,
para além do conteúdo proibitivo, ao mesmo tempo que ambíguo dos documentos
oficiais, tem se mantido silenciosa sobre esta temática, em suas atividades pastorais.
O mesmo ocorrendo no interior da Pastoral da Saúde, ainda quando há campo propício
para tal proposição, visto que por causa, sobretudo, da sua dimensão político -
institucional5, propõe - se a fazer cumprir, particularmente no Regional Sul IV, o que
a Constituição de 1988, e posteriormente a legislação complementar ( as leis 8.080 e
8.142) , garantiram em avanços para a política de saúde no Brasil, no contexto do SUS.
Ao assumir a perspectiva do SUS, a Pastoral da Saúde no Regional Sul IV,
contribui para um “adensamento” dos vínculos entre os atores da sociedade civil e para o
fortalecimento desta esfera da vida social, na medida em que constrói relações e legitima
sua credibilidade pela articulação com os diferentes organismos. Insere suas atividades na
perspectiva dos que continuam apoiando a opção pelos excluídos do mercado, tentando
ampliar desta forma a utopia comum dos direitos de cidadania. Os direitos, neste caso,
surgem enquanto reivindicações de grupos, indivíduos ou comunidades, nos espaços
públicos de uma sociedade civil emergente. No domínio dos direitos, a lei assegura o que
foi alcançado por atores sociais e a ação da Pastoral da Saúde, considerando
especificamente o SUS, propõe- se a garantir que estes sejam cumpridos, enquanto
direitos universais portadores de princípios organizativos para a sociedade, cuja instituição
dinâmica é a esfera pública. Frente a diversas formas de discriminação, sobretudo, aquelas
ligadas à exclusão da participação política, as carências comunitárias de serviços públicos,
especialmente a saúde, e a necessidade do controle social, esta organização pastoral
busca desenvolver estratégias de participação solidária no enfrentamento dos problemas.
A Pastoral da Saúde aposta nas formas de organização da sociedade civil
conforme concebida por COHEN e ARATO (1994:156) “ uma dimensão do mundo da vida
assegurada institucionalmente por um conjunto de direitos que a pressupõem, ao mesmo tempo em que a
diferenciam das esferas da economia e do Estado”. E estimula a organização de modo que a
sociedade desenvolva suas bases sociais e se articule nos níveis locais e comunitário.
Trata-se da construção de um espaço relacional, cujos limites e possibilidades
são dados pela Instituição Igreja Católica, pelos Conselhos ( estadual, municipais, distritais
e locais de saúde) , pelo Fórum Popular de Saúde, pelo Movimento de Mulheres
Agricultoras, por alguns sindicatos e partidos. Somando-se a este aspecto, a ausência
de entendimento das políticas de Estado sobre a contracepção e sobre direitos
sexuais e reprodutivos6, bem como, o grau de perspectivas e disponibilidade dos
agentes. Ainda, a aceitação das diferenças na articulação, organização e mobilização
entre os atores sociais, para além dos espaços da Igreja Católica.
Promover uma dinâmica societária com partilha do poder político e influência
social pressupõe que a sociedade tenha desenvolvido condições efetivas para que os
indivíduos possam exercer sua cidadania. Entender que a participação social pode
contribuir para o sucesso de programas e ações a serem implantados, na medida em que a
comunidade passa a sentir-se co-responsável pelas decisões tomadas e se identifica com o
trabalho desenvolvido permite apreender os limites da coisa pública, entendendo a
4 O Regional Sul IV da CNBB - é uma instância de assessoria e articulação das atividades pastorais desenvolvidas nas 8 dioceses
do Estado de Santa Catarina.
5 Em sua dimensão político - institucional ela atua junto aos Órgãos e Instituições Públicas e Privadas que prestam serviços e
formam profissionais na área de saúde. Zela para que haja reflexão bioética, formação ética e uma política de saúde sadia.
6 De acordo com a nova formulação do Cairo em 5 a 13 de setembro de 1994: toda pessoa tem direito de desfrutar o
padrão de saúde física e mental, saúde reprodutiva e planejamento familiar sem coerção ou coação.

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