A agroecologia e o desenvolvimento sustentável: uma construção teórica para a análise da agricultura familiar

AutorMaria Jaqueline Elicher
Páginas68-91

Page 68

1 - Introdução

Antônio* Carlos insere-se na microrregião da Grande Florianópolis e localiza-se ao norte da Capital do Estado de Santa Catarina. Na área em questão, predomina propriedades agrícolas familiares que são responsáveis por uma parcela considerável do fornecimento de produtos in natura aos mercados consumidores locais e regionais. Segundo dados fornecidos pela Central de Abastecimento de São José (Ceasa/SC), 32% das frutas, legumes e verduras comercializadas são provenientes do cinturão verde , formado por 21 municípios 1 .

Cerca de 700 famílias produzem nos 2,5 mil hectares do município todas as variedades de verduras e legumes e algumas variedades de frutas, o que representa mais de 80% de sua economia (dados fornecidos pela Empresa de Pesquisa e Assistência Agropecuária de Santa Catarina - Epagri). Antônio Carlos é um dos principais produtores de hortaliças e responsável por abastecer a CEASA e supermercados da região fornecendo, em média, 50 mil toneladas/ano.

Entretanto, as dificuldades enfrentadas com o baixo preço de comercialização dos produtos e o alto custo dos insumos, aliados à ausência de incentivos públicos para a agricultura no país e a instabilidade do setor, têm levado muitos produtores a procurar alternativas para vencer as adversidades e, entre elas, destaca-se a produção agroecológica.

Page 69

O tipo de colonização 2 , a posse da terra e a presença das agroindústrias (concentradas mais ao Sul e a Oeste), fizeram de Santa Catarina um dos estados “beneficiados” pelas políticas governamentais que visavam a modernização da agricultura e dos sistemas de abastecimento de gêneros alimentícios a fim de atender o consumo gerado pelo crescimento acelerado dos centros urbanos do país, no final dos anos 60.

A partir daí, a produção especializada de hortaliças para suprimento do mercado passou a ganhar espaço em vários municípios de Santa Catarina, aí incluído Antônio Carlos. Além dos incentivos creditícios oferecidos pelo Estado para financiar a produção, foram desenvolvidas ações para modernizar o sistema de transporte e de comercialização dos produtos nos maiores centros urbanos do país.

No caso de Antônio Carlos, outro fator que contribuiu para a rápida expansão espacial da atividade hortícola foi a localização geográfica, ou seja, a proximidade de centros urbanos com grande potencial de consumo, no caso São José e Florianópolis, que vinham se constituindo pólos atrativos para populações externas, principalmente a Capital que exercia posição importante enquanto centro político-administrativo estadual e também de ensino, com a expansão da Universidade Federal.

Além dos fatores citados, os aspectos naturais da área, conjugados ao tamanho das propriedades foram fundamentais no processo de expansão da atividade hortícola e ela se constituiu como mola propulsora do desenvolvimento econômico local. Segundo dados Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Censo Agropecuário, para o ano de 1970, dos 599 estabelecimentos rurais, 180 possuíam menos de 10 hectares, cuja exploração é feita à base de mão-de-obra familiar.

No entanto, assim como outras especializações agrícolas, a horticultura sofreu efeitos da falta de apoio público e isto resultou em dificuldades, ameaçando a sobrevivência e a permanência do agricultor familiar no mercado e no meio rural. Isso pode ser demonstrado com o processo de parcelamento da terra no município. No ano de 1995, dos 715 estabelecimentos rurais, 374 possuíam menos de 10 hectares. Essa configuração fundiária, cada vez mais parcelada, demonstra as dificul-Page 70dades do produtor em se manter proprietário dos meios de produção. As características mais particulares do município- referência do estudo e as políticas públicas de apoio serão melhor analisadas em outro item.

A partir dessas considerações, objetivou-se analisar as questões relativas ao desenvolvimento sustentável, via práticas agrícolas alternativas da produção familiar, com destaque para a agroecologia. As reflexões teóricas foram associadas com as transformações em curso no município de Antônio Carlos/SC e no país de maneira geral.

O trabalho também aborda o discurso da busca por um novo modelo de desenvolvimento da sociedade, muito em voga na atualidade, a sustentabilidade. Essa noção foi concebida numa visão global, através do discurso de que incorpora em si o ‘desejo’ das nações em proporcionar uma melhor distribuição das riquezas do planeta. Teoricamente, esse modelo (considerado ainda em construção) objetiva conciliar o crescimento econômico com as questões sociais e a utilização dos recursos naturais, para que possam ser reduzidas as desigualdades entre os povos.

2 - As transformações na agricultura brasileira
2. 1 - O processo de modernização

As tentativas de desenvolvimento da agricultura brasileira se refletem na atualidade, seja na esfera econômica, social ou ambiental, estando suas conseqüências expressas pelas desigualdades sociais tanto no meio rural como nos centros urbanos.

A evolução do tão esperado crescimento econômico fundamentou-se na modernização tecnológica da agricultura, principalmente a partir dos anos 60. A meta do projeto modernizante era aumentar a produtividade do setor agropecuário para que o país pudesse competir no mercado externo, integrando-o ao setor industrial.

Para tanto, coube ao Estado brasileiro, a exemplo de outras economias subdesenvolvidas, a intervenção nos processos produtivos a fim de proporcionar a adaptação da economia nacional aos interesses gerais do capital internacional. O processo intervencionista privilegiou determinadas categorias de produtores, regiões e produtos e teve como principal ação a importação de um pacote tecnológico, assentado em elementos químicos e mecânicos, originário da Segun-Page 71da Guerra. Tal pacote visava promover a produção em grande escala e, conseqüentemente, aumentar a produtividade agrícola. O que se assistiu, no entanto, foi a implantação de um pacote homogêneo, totalmente inadequado às condições físicas e sociais do país, mas obviamente bastante apropriado para a instalação definitiva das indústrias das grandes potências mundiais em território nacional.

A proposta de milagre da “revolução verde” não levou em conta as diferenciações regionais e interpessoais dos produtores. Tendo uma abrangência desigual, a modernização provocou muitos impactos negativos e aumentou ainda mais os custos da busca pelo desenvolvimento. A produção intensiva e extremamente dependente, tanto com relação aos pesticidas e fertilizantes, como maquinários e meios de transporte, mostra o caráter excludente das políticas públicas de incentivo à modernização que manteve à margem do processo significativa parcela dos agricultores brasileiros.

A homogeneização das técnicas produtivas levou a um rápido esgotamento do modelo de produção industrial, provocando um aumento ainda maior das desigualdades sociais no campo brasileiro, além da degradação ambiental que se coloca entre os maiores custos deste processo. O custo ambiental aconteceu em função da degradação excessiva dos solos e dos cursos d’água, provocados principalmente pela prática inadequada de culturas e utilização intensiva de fertilizantes e pesticidas, que visavam a busca de máximo rendimento em prazo mínimo. Atualmente, o gasto com recuperação de áreas antes agricultáveis vem onerando os custos do pequeno produtor familiar, não só no Brasil como também em outros países periféricos, incluídos nas estratégias de expansão do capital industrial.

Nas últimas décadas, o modelo de desenvolvimento econômico, também chamado de científico-tecnológico, provocou significativas mudanças na organização das sociedades, inclusive nos países líderes que também passaram a se preocupar com o esgotamento de seus recursos naturais e com os constantes desequilíbrios ambientais em nível global. Surge então a necessidade de se articular um espaço menos susceptível ambientalmente, que associe práticas agrícolas tradicionais aos recursos da ciência moderna, através da biotecnologia, e que proporcione um maior equilíbrio sócio-econômico entre as sociedades numa esfera planetária. Essa tentativa, quePage 72passa a ser designada de “segunda revolução verde”, visa a busca do equilíbrio ecológico, ou seja, da sustentabilidade ecológica dos novos sistemas produtivos (SACHS, 1994).

2. 2 - A busca por um “novo” desenvolvimento sócio-econômico: sustentabilidade

Através da eclosão das discussões a respeito dos problemas sócioambientais que afetam o mundo atual de maneira geral, mais do que nunca se torna necessário pensar outras formas de se desenvolver, sem que, para isso, a “saúde” do planeta Terra seja comprometida.

As noções de desenvolvimento econômico recobrem múltiplas facetas e permite apropriações e leituras divergentes, as quais podem ser encontradas na literatura especializada. De qualquer forma, existe consenso sobre a importância do desenvolvimento econômico na organização das relações sociais e políticas. Mas, delimitar esta questão tem sido uma tarefa complexa. Segundo Ribeiro (1991) há uma crise nos modos de pensar desenvolvimento e é preciso ter cuidado.

A abrangência desta noção recobre desde direitos individuais, de cidadania, até esquemas de classificação dos Estados-Nações internamente ao sistema mundial, passando por atribuições de valor à mudança, tradição, justiça social, bem estar, destino da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT