Água, cerrado, eucalipto e gente

AutorCarlos Eduardo Mazzetto Silva - Carlos Walter Porto-Gonçalves
CargoCarlos Eduardo Mazzetto Silva é engenheiro agrônomo, mestre em Geografia (Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG), doutorando em Ordenamento Territorial e Ambiental (Universidade Federal Fluminense/UFF) e professor de Geografia e Análise Ambiental do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). - Carlos Walter Porto-Gonçalves é geógrafo,...
Páginas41-44
ÁGUA, CERRADO, EUCALIPTO E GENTE
CARLOS EDUARDO MAZZETTO SILVA *
CARLOS WALTER PORTO-GONÇALVES **
“Sendo se diz, que minha terra representa o elevado reservatório, a caixa d’água, o coração
branco, difluente, multivertente, que desprende e deixa para tantas direções, formadas em
caldas as enormes vias o São Francisco, o Parnaíba e o Grande que fazem o Paraná, o
Jequitinhonha, o Doce, o Pardo, os afluentes para o Parnaíba, o Mucuri, o Amazonas, ou ainda
e que desde a meninice de seus olhos d’água, da descrição dos brejos e minadouros, e
desses monteses riachinhos com subterfúgios, minha terra é doadora plácida”
(João Guimarães.Rosa, Grande Sertão Veredas)
Em diversas reportagens recentes, sobretudo, nos jornais mineiros, tem sido
apontada a ameaça do “apagão florestal” e a conseqüente necessidade de
novos plantios homogêneos de eucalipto para evitar essa catástrofe para o
setor siderúrgico e de celulose. Também tem sido propagandeado o mercado
global de carbono, dentro do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
(MDL). Este seria um fator de estímulo ao monocultivo de eucalipto,
denominado equivocadamente de reflorestamento, para realização do
seqüestro de carbono, através da fotossíntese, atraindo investimentos externos
de países poluidores do chamado mundo desenvolvido, dando a eles o direito
de continuar poluindo, desde que paguem cotas de carbono aos plantios
homogêneos realizados, em geral, por firmas estrangeiras em território
brasileiro. Alguns prefeitos do interior mineiro caem nesse canto da sereia e
associam essas iniciativas ao progresso sócio-econômico de seus municípios.
Sabe-se que, na década de 1970, houve, em Minas Gerais, um forte incentivo
à implantação dessas monoculturas, tendo sido, inclusive, arrendadas pelo
Estado, a preços irrisórios, terras devolutas a empresas “reflorestadoras” que
homogeneizaram, com suas monoculturas, as Chapadas antes cobertas por
Cerrados. Só no Norte de Minas mais de um milhão de hectares foram
plantados. Não se pode hoje defender uma nova expansão desses
monocultivos sem uma avaliação sócio-econômica e ambiental desse
processo.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que essas terras devolutas, provisoriamente
arrendadas pelo Estado, se constituíam em terras de uso comum das
comunidades sertanejas que faziam uso dessas Chapadas, por eles chamadas
gerais porque de todos, onde praticavam o extrativismo dos frutos do Cerrado
para uso alimentar (pequi, araticum, mangaba, murici, jatobá, baru etc.),
recolhiam seus remédios (fava d’anta, barba timão, unha d’anta etc.) e faziam
a produção de óleo e sabão (de pequi, rufão, tingui e palmeiras diversas). As
comunidades também soltavam o gado para pastar nesses Cerrados nas
épocas de maior restrição de forragem dos pastos plantados. Foi, portanto,
um processo de privatização, ainda que temporário, de terras públicas de uso
comum dessas comunidades.
A diferença da época de tais concessões é que, hoje, não só sabemos dos
resultados dessa política como vivemos numa democracia a duras penas

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