ÁGUA EM ESTADO VIVO: conflito socioambiental e r-existência em torno do rio Dendê, Barcarena, Pará

AutorJaqueline do Nascimento Cruz, Marcel Theodoor Hazeu
Páginas28-48
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ÁGUA EM ESTADO VIVO: conflito socioambiental e r-existência em torno do rio Dendê,
Barcarena, Pará
Jaqueline do Nascimento Cruz1
Marcel Theodoor Hazeu 2
Resumo
A Amazônia é um hidroterritório e um bioma que comporta milhares de pessoas, espécies da fauna e flora. O Rio Dendê,
em Barcarena-Pará, faz parte deste cenário. Este rio é palco de conflitos de interesses entre empresas transnacionais, o
estado e comunidades ribeirinhas. O estudo analisa, a partir de estudo docum ental e observação participante, este s
conflitos, situando-os em um panorama histórico-interpretativo, com foco no papel do Estado e na r-existência das
comunidades ribeirinhas. O aparato estatal se apresenta at ravés da ação da Companhia de Desenvolvimento Econômico,
da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade e do Ministério Público A voz das comunidades serve com o
contrapartida. Conclui, ainda, que o apoio do estado é fundamental para o avanço do capital sobre o hidroterritório Dendê,
empobrecendo-o e transformando o modo de vida dos ribeirinhos que mesmo assim r -existem.
Palavras-chave: Conflito Socioambiental. Hidroterritório. Estado. R-existência. Amazônia.
WATER IN LIVING STATE: Socio-environmental conflict and r-existence aroun d the Dendê River, Barcarena, Pará
Abstract
The Amazon is a hydroterritory and a biome that hol ds thousands of people, species of fauna and flora. The Dendê River in
Barcarena-Pará is part of this scenario. This river is the scene of conflicts of interest between transnational corporations, the
state and riverside communities. From documentary study and participant observation, we analyze these conflicts, situating
them in a historical-interpretative panorama, focusing on the role of the state and the r-existence of riverside communities.
The state apparatus is presented through the action of the Company of Economic Development, the State Secretariat of
Environment and Sustai nability and the Public Prosecutor. The voice of the communities serves as a counterpart. It can be
concluded that state support is fundamental for the advancement of capital over the Dendê hydroterritory, impoverishing it
and transforming the way of life of the riverside communities.
Keywords: Socioenvironmental Conflict. Hydroterritory. State. R-existence. Amazon.
Artigo recebido em: 11/12/2019 Aprovado em: 23/04/2020
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v24n1p28-48.
1 Bacharela em Serviço Social. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPA
Endereço: Campus Uni versitário Rua Augusto Corrêa, 1 Guama - Belém/Pa CEP 66075-110.
E-mail: jaque.cruz97@gmail.com.
2 Bacharel em Ciênci as Ambientais. Doutor em Ciências Socioambientais pela Universidade Feder al do Pará (UFPA).
Professor Adjunto da Universidade Federal do Pará - Faculdade de Serviço Social e Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social (PPGS S) da UFPA. Endereço: Campus Universitário – Rua Augusto Corrêa, N° 1 Guama - Belém/Pa CEP
66075-110. E-mail: celzeu@gmail.com.
Marcel Theodoor Hazeu e Jaqueline do Nascimento Cruz
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1 INTRODUÇÃO
A região Amazônica é palco do avanço da acumulação capitalista por espoliação e campo
de violação de direitos humanos, na qual os conflitos socioambientais e as suas implicações reais para
a vida dos e das habitantes da Amazônia são expressões particulares. O artigo objetiva analisar a
atuação do Estado e a r-existência local, em torno do uso e significado da água num território com forte
presença do capital internacional - através de indústrias e portos para exportação - e de comunidades
tradicionais. A água, como bem comum e fundamental para a vida, reconhecida pela ONU1 como um
direito humano (2018), está na mira da acumulação por espoliação, foco de apropriação e uso pelo
capital que utiliza várias estratégias para mercantilizar e impedir o acesso e uso livre da água, como
denunciado no Fórum contra a exploração da água em Bern (2018) e no Fórum Alternativo Mundial da
água em Brasília (2018). Chesnais e Serfati (2003, p.42) não deixam dúvidas de que esta lógica está
baseada na “capacidade do capital em transferir a seu meio ‘externo’, geopolítico e ambiental (a
biosfera) as consequências de contradições que são, exclusivamente, suas, no sentido que surgiram
das relações de produção e propriedade que o fundam”.
O contexto concreto se chama “rio Dendê”, águas que percorrem pelo território do Conde2,
em Barcarena município paraense, na periferia da periferia do sistema mundial (PORTO-
GONÇALVES, 2018), e que serve tanto como fonte de vida das comunidades da Ilha de São João, da
Vila do Conde e do Maricá, quanto como escapo dos rejeitos e poluição das empresas de
beneficiamento de Caulim (Imerys), de estoque, mistura e distribuição de fertilizantes (Tocantins
Fertilizantes), de produção de coque de petróleo (TECOP) ou como contexto para futuros portos
(Buritirama, Cesari).
No artigo foram analisadas teses e dissertações sobre o território do Conde e Barcarena
disponíveis nos sites do CAPES e UFPA, publicações sobre poluição do rio Dendê, em revistas
cientificas on line, atas da Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará (CODEC) no site do
Diário Oficial do Estado do Pará, relatórios de impacto ambiental (RIMA) e autorizações de outorgas de
uso da água (ambos no site da SEMAS) das empresas que impactam no rio Dendê e processos
(extra)judiciais (termos de ajustamento de conduta, requeridos diretamente com o MPF) que incidem no
hidroterritório do Dendê, além de observações participativas de campo na área em conflito, como forma
de apreensão de narrativas de moradores e moradoras de duas comunidades, Maricá e Ilha de São
João, em torno do Rio Dendê, os quais foram utilizados nomes fictícios.
A importância de abordar o conflito em torno da água está na representatividade dos
conflitos como forma de denunciar e entender a violência e resistência à acumulação capitalista,
especificamente no Brasil, uma vez que “[...] a manifestação de conflitos na sociedade capitalista reflete

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