O ajuste estrutural brasileiro dos anos 90: a ampliação da desarticulação setorial e social

AutorEduardo Costa Pinto - Paulo Balanco
CargoEduardo Costa Pinto é mestre em economia (Universidade Federal da Bahia), doutorando em economia (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). [eduardopintobr@yahoo.com.br] - Paulo Balanco é doutor em economia (Universidade Estadual de Campinas) e professor do Mestrado...
Páginas26-49
O AJUSTE ESTRUTURAL BRASILEIRO DOS ANOS 90:
A AMPLIAÇÃO DA DESARTICULAÇÃO SETORIAL E SOCIAL
EDUARDO COSTA PINTO *
PAULO BALANCO **
1. INTRODUÇÃO
Entre os países da América Latina, o Brasil foi um dos últimos países a
substituir o Modelo de Substituição de Importações (MSI) cepalino pelo modelo
de “desenvolvimento” liberal, estruturado a partir da “prudência
macroeconômica”, da liberalização microeconômica e da orientação externa. A
dificuldade em transitar ao novo modelo de desenvolvimento, após o
esgotamento do MSI, no decorrer da década de 1980, mais especificamente
durante o governo José Sarney (1985-1989), teve origem na falta de definições
ou de articulações das frações capitalistas nacionais (industrial, comercial,
agrária e financeira) no que diz respeito ao eixo a ser seguido pelo capitalismo
dependente brasileiro. Reformular o MSI ou aderir ao modelo liberalizante
integrado ao processo de globalização?
Havia uma forte disputa de projetos no bloco no poder, que foi “resolvida”
somente, a partir do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) com a vitória
da estratégia de “desenvolvimento” liberal. Daí por diante advogou-se, de
forma retórica e veemente, que a estabilidade monetária, o equilíbrio fiscal, a
redução do papel do Estado na atividade econômica e a competitividade
internacional levariam o Brasil ao caminho da “modernização”. Nasceu, então,
o Plano Real como um novo modelo de “desenvolvimento”, que incluía
dimensões tanto econômicas (programa de estabilização) quanto estruturais
(reformas institucionais e administrativas).
Transcorrido mais de um decênio de vigência do Plano Real, o otimismo fácil
dos primeiros anos do governo FHC foi substituído pelo ceticismo, uma vez
que o tão propalado caminho da “modernidade” não foi alcançado, a despeito
da estabilidade de preços. Muito pelo contrário, verificou-se ao longo da
década de 1990 a ampliação do desemprego e das desigualdades sociais,
além do aumento da vulnerabilidade externa, fatores que desencadearam
fortes crises econômicas. Na verdade, a implantação do ajuste estrutural liberal
ampliou a desarticulação social e setorial no Brasil, acentuando um dos mais
expressivos níveis de desarticulação social presentes nas economias
capitalistas, cenário que permaneceu desde sua formação histórica e que pode
ser traduzido pela elevadíssima exclusão social, assim como pela acentuada
desigualdade.
Diante desses fatos estilizados, este trabalho tem por finalidade analisar (i)
alguns elementos constitutivos do ajuste estrutural liberal brasileiro,
implementados durante a década de 1990, bem como apresentar (ii)
determinados impactos do mesmo sobre a estrutura produtiva e social. Para
essa finalidade, buscar-se-á seguir uma linha interpretativa que incorpore e
relacione os elementos políticos e econômicos por meio dos movimentos e das
alianças entre as frações dominantes nacionais e forâneas e seus desenlaces
na configuração de determinadas políticas econômicas. Em face disto,
metodologicamente, aloca-se o objeto destacado a partir do instrumental
teórico da (des)articulação setorial e social. Cabe observar que o intervalo
temporal a ser estudado concentrar-se-á nos dois governos FHC (1995-2002),
mas sem perder de vista os elementos antecedentes à configuração do ajuste
liberal. É preciso ainda advertir que, dada as dimensões dos objetivos
propostos, não se pretende aqui desenvolver uma análise amplamente
rigorosa e detalhada, haja vista os limites estritos da conformação de um
artigo. Portanto, esta tentativa de análise da história sócio-econômica recente
do Brasil, à luz da economia política, terá um caráter muito mais “ensaístico” do
que acadêmico.
Neste sentido, além desta introdução, descrevem-se, na segunda seção, os
pilares do conceito de (des)articulação setorial e social, que funciona como
eixo teórico-analítico do artigo. Na terceira seção são apresentados alguns
elementos que serviram para pavimentar o caminho para a consecução do
ajuste estrutural liberal brasileiro, a saber, a crise socioeconômica da década
de 1980 e as transformações iniciadas pelo governo Fernando Collor de Mello.
Na quarta seção são analisados os elementos constitutivos do ajuste estrutural
neoliberal no Brasil (Plano Real), bem como seu impacto na estrutura setorial e
social da economia brasileira e, por fim, na última seção, procura-se alinhavar
algumas idéias a título de conclusão.
2. O CONCEITO DE (DES)ARTICULAÇÃO SETORIAL E SOCIAL
O conceito de (des)articulação social e setorial foi desenvolvido no intuito de
descrever e explicar as diferenças estruturais entre os países centrais e
periféricos, inclusive no que se refere à exploração do trabalho, à pobreza e à
exclusão social, mais acentuadas nos países periféricos. Para Teubal
(2000-2001: 463), a (des)articulação
por um lado se refere ao grau ou taxa de exploração prevalecente em
diferentes economias [maior ou menor taxa de mais-valia, que depende
dos conflitos entre as classes e suas frações]. Entretanto, também inclui
importantes elementos de demanda [importância da renda salarial na
demanda agregada kaleckiana], que são complementares à taxa de
exploração mas não esgotados por este conceito
É preciso observar que o conceito de (des)articulação setorial e social não foi
ainda completamente delimitado. Aqui busca-se compreender e relacionar os
efeitos da maior/menor participação dos salários na dinâmica de setores-chave
e, conseqüentemente, na estrutura econômica – (des)balanceamento entre
departamentos de produção e de consumo –, com os elementos constitutivos
da taxa de exploração (mais-valia). Como o grau de exploração depende da
dinâmica dos conflitos entre classes e seus desenlaces nas conformações
institucionais, a maior/menor dificuldade da classe dominante nacional, ou de
uma de suas frações, em consubstanciar hegemonias amplas interfere
diretamente na dificuldade/facilidade de efetivação de um sistema econômico
nacional articulado que se configure como um Estado mais autônomo diante

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