Álbum de famílias: fotobiografia, memória e história no teatro brasileiro

AutorHeloísa Pontes
CargoProfessora titular do Departamento de Antropologia da Unicamp e bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Páginas26-51
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2022.e.85554
2626 – 51
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Álbum de famílias: fotobiograa,
memória e história no teatro brasileiro
Heloisa Pontes1
Resumo
O artigo se detém nos livros que o ator Paulo Autran e a atriz Fernanda Montenegro produziram
sobre suas trajetórias e carreiras sob a forma de fotobiograas e também no arquivo de Autran.
Ele se vale de um dispositivo comparativo sustentado pelo trabalho de objetivação da experiência
dos intérpretes materializada nessas fontes. Tem como objetivo avançar a reexão sobre as marcas
de gênero e geração, o uxo narrativo, os mecanismos da memória – o que se seleciona, o que se
exclui, o que se guarda – e sua relação com a construção do nome artístico no teatro. A discussão
dos desaos metodológicos envolvidos nesse procedimento visa, ainda, a adensar a análise das
condições sociais e institucionais de produção de fontes escritas e visuais, assim como das remi-
niscências que nutrem grande parte das entrevistas e dos depoimentos impressos (ou recolhidos
diretamente) que nós, cientistas sociais, utilizamos para a apreensão das trajetórias dos agentes e
da dinâmica dos campos artísticos.
Palavras-chave: Paulo Autran. Fernanda Montenegro. Trajetórias. Fotobiograas. Memória e au-
toridade cultural.
1. Introdução
Fotograas, entrevistas, memórias, biograas, autobiograas, tais são al-
gumas das fontes que utilizei nas minhas pesquisas sobre intelectuais e
intérpretes do teatro (PONTES, 1998, 2010, 2013, 2019; PONTES; MI-
CELI, 2014; PONTES; CESAR, 2017), com o propósito de correlacionar
experiência social, linguagem expressiva (intelectual ou artística) e traje-
1 Professora titular do Departamento de Antropologia da Unicamp e bolsista de produtividade em pesquisa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 21 - Nº 50 - Jan./Abr. de 2022
2726 – 51
tória2. E, assim, dimensionar tanto o peso dos condicionantes (sociais e
institucionais) que modelam a produção intelectual e artística, quanto
seu grau de maior ou menor autonomia em relação aos poderes tempo-
rais. A tradução desse argumento em chave metodológica implicou cons-
truir uma biograa coletiva desses agentes com a intenção de que cada
um pudesse ser visto em relação e na relação com os outros, tanto no
teatro quanto no campo intelectual. Dispositivo comparativo, sem dú-
vida, sustentado não pela etnograa baseada na observação participante,
mas pelo trabalho de objetivação da experiência dos sujeitos investida na
documentação consultada.
Tal objetivação pressupõe uma reexão sobre as condições sociais e
institucionais de produção de fontes escritas e das reminiscências que nu-
trem grande parte das entrevistas e dos depoimentos impressos (ou reco-
lhidos diretamente) que nós, cientistas sociais, utilizamos em nossos tra-
balhos. O que implica reconhecer que “[...] as denições correntes sobre
quaisquer objetos são parte do objeto que se pretende desvendar” e que,
a rigor, “[...] não existe separação ou descontinuidade entre o objeto e os
materiais que falam dele, que o expressam ou que de alguma maneira lhe
dão uma forma de existência” (MICELI, 1998, p. 154).
Com o trânsito cada vez maior dos antropólogos por temas e objetos
situados em outras fronteiras disciplinares – na história, no cinema, nas
artes, na literatura e na sociologia da cultura – assistimos à ampliação e
ao adensamento da reexão sobre as fontes escritas (processos jurídicos,
entrevistas, depoimentos, textos literários e jornalísticos, biograas etc.)
que utilizamos em nossas pesquisas e sobre os lugares sociais e institucio-
nais que as abrigam. O entendimento dos “arquivos como metáfora do
cruzamento entre memória, saber e poder” (HEYMANN, 2013, p. 68)
se alia ao esforço de desvelar as formas de classicação e de descrição que
presidem as práticas de arquivamento, como mostra, de maneira exemplar,
o trabalho da antropóloga Ann Laura Stoler (2002) sobre os arquivos co-
loniais holandeses.
2 Para análises vigorosas nessa direção, provenientes de distintas filiações disciplinas, ver: Auerbach, 2003, 2007;
Baxandall, 1988; Bourdieu, 1992; Braudel, 1994; Charle, 2012; Elias, 1991; Schorske, 1993; Miceli, 2018; Wil-
liams, 1982; Sarlo, 1998; Casanova, 2011 .

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