A Amazônia - fronteiras, além dos limites

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A AMAZÔNIA
FRONTEIRAS, ALÉM DOS LIMITES
A Amazônia é imensa, bioma velado, cheio de névoas úmi-
das, mas é a surpreendente transparência luminosa do horizonte
que nos encanta ao cruzarmos, já quase à noite, o rio Javari,
junto ao Solimões. Ali, no Alto Amazonas, somos quatro ou cin-
co a bordo da “voadeira”, a canoa com motor de popa, feita de
alumínio, e que, como uma faca meio cega, negocia fendas na
imensidão das águas já escuras. Regressamos, membros da dele-
gação brasileira que me coube chefiar, de visita oficial ao muni-
cípio fronteiriço de Benjamin Constant, em direção a Tabatinga
– cidade brasileira fronteiriça com Letícia, do lado colombiano.
Fincamos lá, em Tabatinga, nosso “quartel-general” diplo-
mático. Foi a propósito de projeto que desenvolvi, enquanto
chefe da Divisão da América Meridional-II (DAM-II), do Depar-
tamento das Américas, encarregada, no organograma do Mi-
nistério das Relações Exteriores, de nosso trato com os países
amazônicos.
Certo dia, aí pelos idos de 1987, na DAM-II, fiquei fascina-
do ao ler um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento (BID), a propósito de projeto de cooperação fronteiriça
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O COLECIONADOR DE FRONTEIRAS – vivências e histórias (santas e bárbaras) de um diplomata mineiro matuto
entre Colômbia e Equador, região do rio Pilcomayo. Eram ali
desenvolvidas ideias novas, pelo menos para mim, sobre o con-
ceito de fronteiras, com vistas a promover o desenvolvimento da
região fronteiriça, dos dois lados da linha de limites, com base na
cooperação e no entendimento entre os países vizinhos. Em vez
de darem-se as costas, os países limítrofes se articulam e juntam
forças. Simples.
Ocorreu-me aplicar o mesmo conceito para as áreas fronteiri-
ças com os países amazônicos, minha área de trabalho. Propus aos
meus chefes promover a cooperação e a integração das comuni-
dades fronteiriças na região, inicialmente com a Colômbia, tendo
como base sempre a premissa de que as fronteiras não são apenas
limites, ou linhas que separam dois ou mais países, mas constituem
também um espaço, o espaço fronteiriço, propício para ações
conjuntas e para a integração social e econômica.
À época, na boa tradição da política externa do Brasil, as re-
lações com os países da América do Sul continuavam a merecer
caráter prioritário. Visitas oficiais e de Estado se sucediam pratica-
mente a todos os países da região. A minha divisão, a DAM-II, ha-
via sido reforçada, tinha 10 diplomatas sob minha chefia. Um luxo!
Em consequência dessa linha de política externa, ele próprio, e seu
Chanceler Abreu Sodré fizeram turnos em visitas oficiais e de Esta-
do praticamente a todos os países da região.
Trata-se, contudo, de prática normal no Itamaraty, a de re-
forçar as divisões e departamentos com atribuições conjuntural-
mente prioritárias. O que é menos comum é deixar ao nível de
chefia de Divisão, pelo menos no Ministério das Relações Exterio-
res, a liberdade para a proposição e execução de iniciativas bastante
abrangentes de política externa, como a que estamos apreciando.
Essas divisões reforçadas de funcionários e da atenção maior por
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