Nova York e Genebra

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NOVA YORK E GENEBRA
São as duas “mecas” da diplomacia multilateral.
(I) – NOVA YORK
Sede da Organização das Nações Unidas (ONU). Lá, na sede
da ONU, respira-se o ar cosmopolita da cidade e pratica-se uma
diplomacia ao mesmo tempo prosaica e política. Sempre de alto
nível, diga-se. Mesmo no mais ínfimo subcomitê, ou na mais in-
formal das sessões de consultas, o nível político das negociações
é alto, pois, como dizia nosso querido chefe no Departamento de
Organismos Internacionais, o Embaixador Baena Soares, ali se
lida com a “agenda da humanidade”. É também uma diplomacia
prosaica, por ser democrática, exceto no Conselho de Segurança
(CSNU), mas aí já é outra história.
O CSNU, único órgão com poder decisório e, de acordo
com o Capítulo VII da Carta da ONU, com poder para autori-
zar o uso da força armada “para manter ou restabelecer a paz e
a segurança internacionais” (Artigo 42), vem, desde há algum
tempo, tendo questionada a sua estrutura, vista como desequili-
brada e anacrônica, de assentos permanentes para os P-5, EUA,
Rússia, China, França e Reino Unido, e seus demais 10 assentos
rotativos distribuídos pelos grupos regionais. Obviamente, sem
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O COLECIONADOR DE FRONTEIRAS – vivências e histórias (santas e bárbaras) de um diplomata mineiro matuto
êxito. Há todo um histórico na ONU a respeito da composição
do CSNU. A atual composição foi definida pela Resolução 1991
(XVIII) da Assembleia Geral, com a emenda ao Artigo 23, que
eleva o número de membros do CSNU de 11 para 15.
As objeções para uma mudança que “atualizaria” a estru-
tura do Conselho, com aumento do número de assentos perma-
nentes e não permanentes, “adequando-o à nova ordem política
internacional”, vêm de todos os lados. Explícitas ou não, mas
no geral categóricas, as objeções principais são dos P-5 (ainda
que Reino Unido, França e Rússia mantivessem posição mais
flexível), que sem dúvida não têm motivos para ceder parte de
seus poderes, ligados à própria fundação da ONU. Compreensi-
velmente, a maioria dos demais países membros, por conta de
desacertos na busca dos consensos regionais em torno da escolha
de quais países seriam os beneficiados com a criação de assentos
permanentes adicionais, reconhece a importância do tema, mas
hesita em tratá-lo com a devida prioridade, a não ser ocasional-
mente. No plano da retórica, entretanto, já houve momentos
em que o tema da reforma do CSNU ganhou dinâmica própria
no plano multilateral, em especial na Assembleia Geral da ONU,
que afinal o colocou na sua agenda permanente. Houve muita
negociação no contexto de um ou outro grupo regional, como
o Grupo Africano, ou em função de articulações, seja a favor,
como a do chamado G-4, que reuniu os quatro países com inte-
resse proeminente em aceder a um assento permanente no Con-
selho, Alemanha, Brasil, Japão e Índia, ou contra, como no caso
do grupo Union for consensus (Ufc), o chamado “Coffee Club”,
formado ainda na década de 1990 por países que se opõem a
uma possível expansão do CSNU. Como se poderia esperar, o
grupo compunha-se de países que rivalizam em importância
com os membros do G-4 nas respectivas regiões: Itália, Espanha,
México, Argentina, Colômbia, Paquistão, Turquia, entre outros.
O tema da reforma do CSNU ganhou relevo no início da
década de 2000, com auge em 2005, por conta dos 60 anos de
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vida da ONU, tido como um momento para uma reforma mais
ampla da Organização. O Secretário-Geral Koffi Anan chegou a
apresentar um “plano” para a reforma, com propostas alternati-
vas de aumentos de assentos rotativos e outros fixos por quatro
anos, e que ficou apenas nas boas intenções, pois não atendia a
quaisquer das principais correntes de países. Diante desse tema
maior, e obviamente de alta complexidade, verificaram-se mais
desacertos do que qualquer tratamento construtivo durante todo
esse período, marcado pelo ativismo de muitos dos países pro-
ponentes e candidatos a assentos permanentes, em articulação
entre si e nos grupos regionais, e em debate contínuo com seus
opositores.
E os países do P-5 assistindo a tudo em camarote como se
tratasse de um tema equivocado. O presidente norte-america-
no George Bush resumiu bem os limites da questão ao definir
como “one or so” o número de novos assentos permanentes no
Conselho, numa eventualidade remota de reforma. Mesmo nes-
se período, o tema não foi acolhido com muito entusiasmo em
diversas instâncias, como no Movimento Não Alinhado (MNA) e
nos contextos regionais, por conta das rivalidades anteriormente
referidas. Em 2005, nas funções de Subsecretário para África,
Oriente Médio e Ásia (SGAP-II), recebi instruções do Chanceler
Celso Amorim para chefiar a delegação do Brasil na Reunião
Ministerial do MNA em Kuala Lumpur. O Brasil participa das
reuniões do MNA na qualidade de “observador”, e o nosso en-
cargo era de fazer lobby em favor da postulação do Brasil a um
assento permanente no CSNU junto às diversas delegações pre-
sentes. Acompanhado do chefe do Departamento de Organis-
mos Internacionais do Ministério, o embaixador Carlos Sérgio
Duarte, promovemos encontros informais com algumas delega-
ções, e invariavelmente a reação de nossos interlocutores era no
máximo a de ouvir atentamente, por mera cortesia para conos-
co. Em um desses encontros, com a delegação do Marrocos, o
Embaixador marroquino, que era o Representante Permanente
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