América Latina: capital e devastação social

AutorJosé Fernando Siqueira da Silva
Cargojose.siqueira-silva@unesp.br Doutor em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Professor Associado do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual Paulista (UNESP/ Franca)
Páginas7-32
DOI: https://doi.org/10.1590/1982-0259.2021.e74788
ESPAÇO TEMÁTICO: ESTADO, AUTORITARISMO E LUTA DE CLASSES
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R. Katál., Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 7-19, jan./abr. 2021 ISSN 1982-025
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Commercial, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fins
comerciais e que o trabalho original seja corretamente citado.
América Latina: capital e devastação social
José Fernando Siqueira da Silva1
https://orcid.org/0000-0003-1040-9558
1Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de Serviço Social, Programa de
Pós-graduação em Serviço Social, Franca, SP, Brasil
1Universidade Federal de São Paulo, Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Política Sociais, Santos, SP, Brasil
América Latina: capital e devastação social
Resumo: O artigo analisa a América Latina no atual estágio de acumulação capitalista. O faz a partir de uma abordagem
socio-histórica que recupera componentes da crítica à economia-política de Marx, bem como observações de parte de sua
tradição sobre o imperialismo, o colonialismo, a dependência, a revolução burguesa realizada pela via colonial, a modernização
conservadora e o desenvolvimento desigual e combinado. Nisto, a composição das classes dominantes e dos Estados latino-
americanos. O texto recupera a experiência latino-americana do autor e os estudos realizados em projetos de pesquisa por
ele coordenados a partir de 2011 na área de Serviço Social.
Palavras-chave: América Latina. Autoritarismo. Estado e Classe.
Latin America: capital and social desolation
Abstract: This article analyzes the current stage of capitalist accumulation in Latin America. It relies on a socio-historical
approach that engages with components of Marx’s critique of the political-economy. Also, this work is based on observations
from part of Marxist tradition on imperialism, colonialism, dependence, the bourgeois revolution carried out through colonialism,
conservative modernization, and the unequal and combined development. In this, the composition of the dominant classes
and Latin American states. The text blends the author’s Latin American experience and the studies carried out in research
projects he has coordinated since 2011 in the field of Social Work.
Keywords: Latin America. Authoritarianism. State and Class.
Recebido em 26.06.2020. Aprovado em 02.08.2020. Revisado em 10.11.2020.
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R. Katál., Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 7-19, jan./abr. 2021 ISSN 1982-025
José Fernando Siqueira da Silva
Introdução
O tema proposto para o volume 24, número 1, da Revista Katálysis, intitulado “Estado, autoritarismo
e luta de classes”, é de extrema relevância. Ele convida à análise dos traços constituintes da história desta
parte do continente americano, em particular a partir de 12 de outubro de 1492 quando Cristóvão Colombo
avistou San Salvador, atual Bahamas. A colonização do cone centro-sul americano e do Caribe foi adensada
pelos próprios espanhóis e pelos portugueses que dividiram suas posses na América Latina até a primeira
metade do século XIX. É nesse contexto que povos e culturas aqui constituídos foram submetidos à força,
vilipendiados, saqueados e dizimados. O colonialismo e a acumulação originaria do capital ambos não
situados apenas num passado distante foram também aqui muito eficientes, seja para dividir povos nativos
muito diversos, fragmentá-los para enfraquecê-los, seja para administrar a sangria desta parte da América
associando convenientemente escravismo de nativos e negros, expropriação agrário-exportadora e produção
voltada às zonas economicamente dominantes. Essa fórmula persiste até hoje, ainda que absolutamente
reorganizada por múltiplas mediações impostas pelo capitalismo tardio (MANDEL, 1985) e suas crises cada
vez mais estruturais (MÉSZÁROS, 2002).
Sendo assim, a natureza dos Estados, dos autoritarismos, das classes sociais aqui constituídas, das lutas
aqui travadas e da destruição contínua de direitos não pode ser explicada pelo puro exercício da política, mas
pela crítica à economia-política, ou seja, pela análise das condições reais que determinam a produção e
reprodução da vida de seres humanos em condições históricas reais, nisto o trabalho como criador de valor,
as carências e as necessidades aí contidas e a luta de classes que vem se constituindo nesse processo. Não se
trata, aqui, de descaracterizar a dimensão política, mas de situá-la, enriquecê-la com múltiplas determinações
econômicas que se impõem a partir de determinações socio-históricas muito precisas. Caberia perguntar: o que
se entende por América Latina? O que se passa nessa parte centro-sul americano marcado por traços socio-
históricos comuns, realidades próximas e dinâmicas diversas? Como situá-la no atual estágio de acumulação
capitalista e mensurar o impacto disto junto aos trabalhadores(as) latino-americanos(as) que vivem da venda
da sua força de trabalho sob condições brutais e extremas? Quais as pistas para valorizar e sintonizar o
legado crítico do Serviço Social com as imposições do atual cenário em curso? As respostas a essas questões,
seguramente muito complexas, aportam o tema sugerido para este número da Revista e balizam o Serviço
Social como profissão nesse contexto. Ousemos oferecer algumas pistas nesta direção.
Acumulação e crise capitalista: o lugar da América Latina
O debate atual sobre a América Latina, a crise capitalista que aqui impacta e a devastação social em
curso nisto as tensões do Serviço Social como profissão , exige recuperar, ainda que sumariamente, alguns
traços históricos estruturais importantes e necessários à explicação das condições atuais do cone centro-sul
americano.
Em primeiro lugar, o mercantilismo alimentou a acumulação primitiva do capital baseada no capitalismo
concorrencial-comercial adensado partir do século XVI (MARX, 1984a). Atualizou-se já no final do século
XIX e início do século XX, época em que se reorganizou o colonialismo sob o comando do capitalismo
monopolista/imperialista (LENIN, 2008) e da dependência constituída no contexto de duas grandes guerras
mundiais. A financeirização (fusão entre capital industrial e bancário), a consolidação de monopólios, a
exportação de capitais, a captura orgânica dos estados nacionais e dos fundos públicos, passaram a sustentar a
trama imperialista-monopolista da nova fase da acumulação capitalista objetivada no alvorecer do século XX1.
Esta parte do continente americano, por sua vez, modernizou seu papel na engrenagem econômica mundial
como região dependente e efetivou a superexploração da força de trabalho (MARINI, 2008)2. Isso gerou certo
tipo de modernização, a conservadora, gestada na segunda metade do século XX, sob a ditadura do grande
capital (IANNI, 2019). A dependência, aqui, não poderia gerar o desenvolvimento como corretamente insistiu
Ruy Mauro Marini, mas desembocou em outro tipo de composição um tanto estranha: o “desenvolvimento”
desigual e combinado (FERNANDES, 1968, p. 139-140; OLIVEIRA, 2003, p. 59-60)3.

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