Crítica à análise macrológica do direito concorrencial econômico e sua influência na interpretação do direito tributário

AutorDiego Bomfim
CargoMestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas233-241

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1. Introdução

O objetivo do presente texto é verificar se as normas de direito econômico podem ou não ser expressas por meio de juízos hipotético-condicionais e, em consequência, analisar sua sujeição, do ponto de vista sintático, ao arcabouço da lógica deôntica, tudo com o intuito de disponibili-zar instrumentos coerentes de interpretação a respeito da amplitude de influência das normas de direito concorrencial econômico, notadamente o princípio da livre concorrência, sobre as normas de direito tributário.1

Essa análise, de importância fundamental no trato da interação entre concorrência e tributação, toma como ponto inicial de diálogo os argumentos de Roberto Ferraz2 sobre a sujeição das normas de di-

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reito econômico ao que chamou de macro-lógica, já que tais normas estariam amparadas em uma "lógica fundamentada em dados macroeconomicamente identificados como, por exemplo, os do consumo e os da concorrência".3

Para o autor, por estarem as normas de direito econômico baseadas numa lógica diferenciada (a macrológica), sua aplicação teria de ser distinta das demais normas jurídicas (sujeitas à lógica deôntica), já que "não se terá como resultado da aplicação de tais normas a estrutura típica da lógica de imputação, isto é, não se estará diante de uma aplicação de norma do tipo 'Se A é, B deve ser'. Muitas vezes se estará diante de uma estrutura do tipo 'Se A pode ocorrer ou ocorre, A deve ser atrapalhado ou mesmo impedido'".4

As normas de direito econômico, nessa linha, não respeitariam em sua aplicação um modelo segundo o qual dada a ocorrência de um fato qualquer previsto no antecedente normativo, surgiria um consequente, permitindo, proibindo ou obrigando determinada conduta. As normas de direito econômico seriam postas para desestimular, atrapalhar ou, mesmo, impedir a realização de determinadas condutas.

A discussão que, em um primeiro momento, pode parecer um exercício de tertúlia acadêmica, demonstra seus efeitos sobre a aplicação do direito positivo quando se tem em mente que esse tipo de raciocínio pode legitimar, com base numa macrológica sem previsão jurídica, interpretações equivocadas do direito positivo, desde que amparadas em dados macroeconomicamente identificados.

A tentativa de manejo das normas de direito econômico por meio de lógicas di-ferenciadas pode ter, como consequência direta, nítida ofensa ao princípio da segurança jurídica, já que as normas de direito econômico não se aplicariam consoante um juízo hipotético-condicional, mas segundo os ditames de uma lógica que, juridicamente, não é delineada.

No entanto, antes de tratar dos efeitos que a subsunção das normas de direito econômico à macrológica pode fomentar, é imperioso verificar sua compatibilidade com a lógica deôntica.

2. Norma jurídica concorrencial, juízo hipotético-condicional, lógica deôntica e macrológica

A ciência do direito, encarada como ciência do direito em sentido estrito, é quase uníssona em afirmar que as normas jurídicas são expressas mediante o que se convencionou chamar de juízo hipotético-condicional.

As normas são expressas mediante a descrição de uma hipótese que, se concretizada, faz nascer uma relação alocada no consequente normativo. Há uma relação de causalidade, criada artificialmente pela norma (um dever-ser), entre o antecedente e o consequente normativo, compondo o que Lourival Vilanova5 nomeia de nexo "se..., então". Nesse exato ponto, fica marcada a principal diferença entre a causalidade física (presente nas chamadas leis da natureza) e a imputação deôntica (causalidade jurídica): a artificialidade.67 Enquan-

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to na causalidade jurídica o consequente é, na causalidade deôntica o consequente de-ve-ser.

Lourival Vilanova reforça esse posicionamento, afirmando que: "inexiste, pois, no universo das proposições jurídicas, necessidade lógica ou factualmente fundada de a hipótese implicar a tese ou consequência. É a própria norma que põe o vinculum, é a fonte formal do Direito que, fundando-se num ato de valoração, estatui como devendo ser que a hipótese implique o consequente. Sem norma válida o nexo desfaz-se".8

Essa linha de argumentação, traçada em linhas muitos gerais, possui uma série de desdobramentos, havendo dissonâncias quanto a muitas das especificidades que o estudo aprofundado do tema gera. Assim, para alguns autores, os princípios não poderiam ser expressos mediante esse juízo hipotético-condicional, residindo nesse exato ponto a diferenciação entre os princípios e as regras; outros já rechaçam veementemente essa posição, bem como a relevância desse critério na classificação entre regras e princípios.9

Sobre o elemento que faz nascer a relação jurídica prescrita no consequente normativo, mais uma vez não se tem unicidade. Enquanto Pontes de Miranda10 defende que a incidência normativa se dá de forma automática e infalível com a ocorrência do evento descrito no antecedente da norma, afirmando que "a incidência da lei, pois que se passa no mundo dos pensa-mentos e nêle tem de ser atendida, opera-se no lugar, tempo e outros 'pontos' do mundo, em que tenha de ocorrer, segundo as regras jurídicas. É, portanto, infalível", Paulo de Barros Carvalho, dentro do que nomeia de constructivismo lógico-semân-tico, defende que esse nascimento se dá apenas quando o evento descrito na hipótese normativa é relatado em linguagem competente (a linguagem exigida pelo próprio direito positivo), sendo imprescindível que haja uma intervenção humana para que se tenha a imputação normativa.1112

Pois bem. Mesmo com essa pequena exposição, já se percebe o volumoso rol de desdobramentos que a questão pode fomentar, devendo haver, no entanto, a assertiva de que, em verdade, todas as normas jurídicas, inclusive os princípios, podem ser expressas por meio de juízos hi-potético-condicionais.13 Essa é a forma que o direito positivo prescreve condutas, não decorrendo dessa premissa a conclusão de que as normas de direito econômico ostentariam lógica diversa.

Sobre o assunto, Eurico Marcos Di-niz de Santi14 é enfático em afirmar que "o

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direito positivo destaca-se pela intrínseca homogeneidade sintática de seus elementos: toda norma jurídica apresenta idêntica estrutura hipotético-condicional".

O que pode ocorrer em certas normas jurídicas é uma maior flexibilidade semântica na hipótese normativa, por imposição do próprio sistema normativo, sem que, no entanto, reste descaracterizada a homogeneidade sintática das normas jurídicas.15

As normas jurídicas, é preciso repisar, têm como escopo a regulação das condutas intersubjetivas, tomando, para tanto, em um ato valorativo, certas condutas como obrigatórias, proibidas ou permitidas, dentro da construção artificial de um dever-ser entre uma hipótese e uma consequência. Daí dizer-se que as normas jurídicas, em geral, possuem identidade quanto à formulação sintática, apesar das manifestas diferenças do ponto de vista semântico e pragmático. Endossando a ideia, segue o posicionamento de Paulo de Barros Carvalho, para quem entre as normas jurídicas: "há homogeneidade, mas homogeneidade sob o ângulo puramente sintático, uma vez que nos planos semântico e pragmático o que se dá é um forte grau de heterogeneidade, único meio de que dispõe o legislador para cobrir a imensa e variável gama de situações sobre que deve incidir a regulação do direito, na pluralidade extensiva e intensiva do real-social".16

Ou seja, o direito positivo, no momento de regulação das condutas intersubjetivas, é criado por meio da edição de normas com hipóteses normativas mais amplas (como, em geral, acontece com as normas de direito econômico), enquanto outras (como as normas de direito tributá-rio, por exemplo) são criadas com hipóteses normativas fechadas, ou, como quer parte da doutrina, estritamente fechadas.

E com isso, diga-se, não há qualquer impedimento da utilização, na análise das normas de direito econômico, dos avanços da lógica deôntica. As hipóteses das normas de direito econômico podem, em alguns casos, exigir uma ponderação maior e um esforço mais intenso do intérprete/apli-cador quando da verificação ou não da ocorrência do evento descrito na hipótese normativa, o que, de forma alguma, desnatura a submissão das normas de direito econômico à lógica deôntica.

3. Análise das normas de direito econômico e sua compatibilidade com a lógica deôntica

Com o intuito de demonstrar seu raciocínio pela impossibilidade da utilização da lógica deôntica às normas de direito econômico, Roberto Ferraz oferece como...

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