Análise econômica da responsabilidade civil

AutorAntônio José Maristrello Porto
Ocupação do AutorDoutor e Mestre em Direito pela University of Illinois. Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Economia- CPDE da FGV Direito Rio.
Páginas179-198
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ANáLISE ECONôMICA DA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Antônio José Maristrello Porto
Doutor e Mestre em Direito pela University of Illinois. Coordenador do Centro de Pesqui-
sa em Direito e Economia– CPDE da FGV Direito Rio. e-mail: antonio.maristrello.fgv.br
Sumário: 1. Introdução – 2. A fórmula de Learned Hand – 3. A conduta da vítima – 4. A fórmula
do custo social – 5. Teoria dos Jogos e análises da eciência das regras de Responsabilidade
Civil – 6. Responsabilidade Subjetiva x Responsabilidade Objetiva – 7. Conclusão – 8. Refe-
rências Bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
O tema da Responsabilidade Civil é uma seara de inf‌indáveis controvérsias entre
juristas. Apesar de se fundamentar em um arcabouço conceitual clássico, o tema se
mostra, na prática, extremamente dinâmico, em contínuo processo de reformulação
teórica e em constante esforço de adaptação aos inúmeros problemas suscitados pela
evolução das relações sociais.
Uma das principais reformulações teóricas contemporâneas da disciplina con-
siste no que se convencionou denominar de “objetivação” da responsabilidade civil1.
Observamos hoje a progressiva ampliação das hipóteses de responsabilização civil,
justif‌icadas muitas vezes por critérios de aplicação que independem da conduta do
agente causador do dano. Este processo, que já vinha se estabelecendo há algum
tempo no plano jurisprudencial com a elaboração de noções como a de culpa pre-
sumida, teve, nos últimos anos, a seu favor a promulgação do Código de Defesa do
Consumidor, que estabeleceu uma regra de responsabilidade própria para as relações
de consumo e a inclusão no Código Civil de 2002 do parágrafo único do artigo 927,
que trouxe para o ordenamento brasileiro uma cláusula geral de responsabilidade
civil objetiva, aplicável às “atividades de risco”.
1. Orlando Gomes identif‌icou na doutrina brasileira um fenômeno que denominou de “giro conceitual”, uma
mudança de foco da conduta do causador do dano para a reparação da vítima. “O aumento do número de
em virtude desse giro conceitual do ato ilícito para o dano injusto, segundo o qual, como visto, a ressarcibilidade
estende-se à lesão de todo bem jurídico protegido, dilata a esfera da responsabilidade civil e espicha o manto da
sua incidência.” (GOMES, Orlando. Tendências Modernas na Teoria da Responsabilidade Civil, in Estudos em
Homenagem ao Professor Sílvio Rodrigues, cit., 1989, p. 296.)
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ANTÔNIO JOSé MARISTRELLO PORTO
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Tais transformações suscitaram, e ainda suscitam, intensos debates entre os
doutrinadores sobre a extensão adequada dos sistemas de responsabilidade civil
subjetiva e objetiva. O debate se torna mais denso na medida em que o arcabouço
teórico à disposição da doutrina não consegue deixar de delegar à análise dos casos
concretos amplo espaço de discussão sobre a aplicação devida de seus institutos.
Comparada ao debate jurídico tradicional, a análise econômica constitui uma
abordagem consideravelmente mais simples e objetiva para o tema. Do ponto de vista
da análise econômica, determinada regra de responsabilização é desejável se fornece
incentivos adequados para que os agentes adotem níveis ótimos de precaução no
exercício de suas atividades. Desta forma, a análise econômica se propõe a responder
questões como: “de que forma podemos def‌inir o nível ótimo de precaução para uma
determinada atividade?”; ou “que regras oferecem os incentivos adequados para que
os agentes adotem níveis ótimos de precaução?”.
Exercemos constantemente níveis de precaução distintos em diversas atividades
de nosso cotidiano. Para cada atividade que exercemos na vida em sociedade, existem
padrões típicos de conduta específ‌icos, com os quais nos familiarizamos desde cedo.
Com efeito, a ideia da conduta adequada permeia todas as esferas do convívio social.
Da mesma forma que os padrões genéricos de conduta variam de acordo com as
circunstâncias de cada tipo de conduta, o nível de precaução aconselhável a diferentes
atividades pode variar. Na verdade, a necessidade de adoção de precauções distintas
para diferentes atividades é uma ideia bastante intuitiva. Parece claro que o nível de
precaução adotado por engenheiros de uma usina nuclear deve ser superior ao exi-
gível de outras atividades menos arriscadas. E, no entanto, mesmo os engenheiros de
uma usina nuclear não seriam capazes de adotar precaução ilimitada, razão pela qual
existem protocolos de conduta para atividades excessivamente arriscadas como esta,
destinados a estabelecer a prática de medidas ef‌icientes para a prevenção de acidentes.
Mas como podemos aferir o nível de precaução apropriado para uma atividade?
Num primeiro momento, pode parecer que quaisquer medidas de precaução que
reduzam as chances de ocorrência de um acidente devam ser adotadas. No entanto,
em determinadas circunstâncias, adotar mais precaução pode não ser ef‌iciente. Me-
didas de prevenção excessivamente custosas que não reduzam signif‌icativamente
as chances de ocorrência de danos tendem a ser inef‌icientes. Da mesma forma que
deixar de adotar medidas razoáveis de precaução pode levar a resultados indesejáveis,
a adoção de medidas excessivamente onerosas e injustif‌icadas gera perdas sociais2.
A análise econômica parte precisamente da ideia de que existem níveis médios
ótimos de precaução para cada atividade. Esta ideia não é particularmente original,
2. Existe ainda um debate que este texto não pretende abordar, que trata da escolha social da ef‌iciência como
objetivo a ser alcançado pelo Direito. Neste sentido, há vasta literatura sobre as tensões entre o critério da
ef‌iciência, entendido como mandado de maximização de riqueza, e critério da equidade ou justiça. Ver:
POSNER, Richard A. The Value of Wealth: A Comment on Dworkin and Kronman. In The Journal of Legal
Studies, Vol. 9, No. 2 (Março, 1980). The University of Chicago Press.
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