Analytical model of strategy process: application in the creation episode of the school of arts, communication and humanities (EACH), USP/Modelo analitico de processo estrategico: aplicacao no episodio de criacao da escola de artes, comunicacao e humanidades (EACH) da USP/Modelo analitico de proceso estrategico: aplicacion en el episodio de creacion ...

AutorPalacios, Fernando Antonio Colares
CargoArtigo--Administracao Geral
  1. INTRODUCAO

    Autores de diversos campos teoricos concordam em que universidades sao organizacoes conservadoras, avessas a processos de mudanca (CHAUI, 2001; ZABALZA, 2004). Ressaltam que a implantacao de projetos inovadores cria, internamente, resistencias politicas e culturais e, externamente, dificuldades em obter legitimidade institucional.

    No entanto, em algumas partes do mundo, as sociedades tem pressionado as universidades a buscar solucoes para questoes como: a necessidade de aumentar a oferta de vagas, o desenvolvimento de estrategias para diminuir a evasao dos alunos, a criacao de novos cursos, a implantacao de projetos pedagogicos inovadores, o uso de metodos ativos de ensino e aprendizagem, entre outras, o que implica modificar estruturas e processos organizacionais tradicionais. Essa dicotomia entre tradicao e mudanca nem sempre tem sido bem conduzida pelos gestores universitarios, o que leva ao fracasso ideias inovadoras ainda no nascedouro.

    Compreender melhor a experiencia da criacao de um novo campus em uma universidade publica, com um projeto estrategico diferenciado, podera propiciar aos gestores meios para lidar com situacoes semelhantes, pois, nas universidades brasileiras, a estrategia como abordagem gerencial tem se constituido em atividade relativamente recente (MEYER JR; PASCUCCI; MANGOLIN, 2012). No campo da estrategia, a pesquisa permite a integracao almejada entre conteudo e processo estrategico (PETTIGREW; THOMAS; WITTINGTON, 2002). Ao mesmo tempo, podera contribuir com a area de pesquisa sobre organizacoes universitarias, em especial sobre processo estrategico e mudanca (JARZABKOWSKI; FELTON, 2006; HENING SILVA et al, 2014).

    A experiencia em analise foi o momento de criacao e implantacao da USP Leste, atual Escola de Artes, Ciencias e Humanidades (EACH), da Universidade de Sao Paulo (USP). A nova unidade foi pautada na ideia interdisciplinar e na forte aproximacao com a comunidade do entorno, trazendo diferenciais importantes como: uma nova estrutura organizacional; novos cursos; projetos pedagogicos integrados por um ciclo basico e metodologia de aprendizagem baseada em problemas.

    No Brasil, em razao de caracteristicas culturais, a gestao estrategica das universidades publicas precisa ser analisada de forma associada a area academica. Esta e formada pelo que Mintzberg (2006) denominou de burocracia profissional, na qual agentes especializados atuam com base em sua competencia profissional, em um trabalho ora individual, ora ligado a pequenos grupos. Os objetivos desses individuos e grupos nem sempre sao coincidentes com os da organizacao, o que influencia na propria formacao e implantacao da estrategia.

    Inicialmente, a pesquisa foi realizada por meio da observacao direta, mediante visitas frequentes aos espacos do novo campus, alem de o pesquisador participar de eventos entre os anos 2009 e 2011 nos quais as inovacoes da nova unidade foram discutidas. Nessas observacoes constatou-se, de forma muito clara, a complexidade da organizacao universitaria, marcada por interesses diversos, culturas subgrupais e oposicao entre gestores e professores. Ao mesmo tempo, foi possivel identificar que diferentes fatores organizacionais intervinham diretamente nas acoes estrategicas.

    Percebeu-se, de inicio, que os modelos analiticos de estrategia organizacional dariam conta de explicar apenas parte do processo, sendo, portanto, necessario desenvolver um modelo proprio capaz de interpretar a complexidade dos fatores envolvidos de forma mais holistica. O modelo foi construido a partir de referencial teorico sobre estrategia, da Teoria da Estruturacao de Giddens (2003) e da Teoria de Transformacao Social de Sztompka (2005), e foi aplicado em quatro eventos que ocorreram durante a implantacao da nova unidade.

    O objetivo deste artigo e interpretar um desses eventos, em busca de uma melhor compreensao do processo estrategico da criacao da EACH, utilizando o modelo analitico desenvolvido. Este evento compreende especificamente a elaboracao e implantacao inicial de seu projeto institucional, ou seja, as intencoes academicas e administrativas que deveriam guiar todas as demais acoes empreendidas na nova unidade.

    A metodologia utiliza uma abordagem qualitativa do tipo estudo de caso, no periodo compreendido entre 2002 e 2009. Os dados foram coletados junto as seguintes fontes: dados organizacionais, observacao nao participante e entrevistas com base em narrativas com quinze gestores e professores.

    A estrutura do artigo constitui-se desta introducao, seguida de uma breve contextualizacao do ensino superior brasileiro e de aspectos de sua gestao e estrategia. Nas secoes seguintes sao apresentados o modelo analitico e sua forma de operacionalizacao, a analise do evento e as consideracoes finais.

  2. UNIVERSIDADE, ESTRATEGIA, MODELOS E PROCESSO

    O ensino superior brasileiro constitui-se, desde os ultimos anos do seculo passado, em um dos pilares da consolidacao de um sistema de inovacao e desenvolvimento para o pais. Essa situacao e resultado de profundas mudancas no mundo do trabalho, da implantacao de novas politicas de educacao nacional, da modernizacao da infraestrutura economica e da reestruturacao produtiva e interiorizacao do desenvolvimento da economia no Brasil (PORTO; REGNIER, 2003).

    Essas mudancas sociais demandaram e ainda demandam a elaboracao de politicas publicas voltadas a expansao e democratizacao do acesso ao ensino superior. No contexto publico destacam-se a criacao de universidades, a abertura de campi em cidades no interior dos Estados, a duplicacao do numero de vagas e a institucionalizacao de politicas afirmativas. Se no setor privado a expansao resultou em enorme competitividade, no campo publico relacionou-se com a propria legitimidade das organizacoes (SANTOS, 1997), ou seja, com o reconhecimento por parte da sociedade da efetividade de suas acoes.

    Decorre desse ambiente uma forte interferencia dos governos da Uniao e dos Estados nas instituicoes sob sua tutela. Autonomias sao colocadas em xeque, mobilizando reitores e demais gestores academicos para a busca de estrategias inovadoras capazes de atender aos pleitos sem perda de autonomia e legitimidade, e configurando um "jogo politico" em que atores externos e internos buscam influenciar decisoes estrategicas.

    A estrutura da universidade brasileira segue o modelo academico autonomo, fundamentado na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensao. Seu norte e a universidade humboltiana, centrada na pesquisa, com a efetivacao de departamentos, a integracao dos campos de saber e a formacao de institutos a partir de agrupamentos interdisciplinares de pesquisas afins.

    As universidades sao consideradas organizacoes complexas, em razao da autonomia de seus profissionais--sendo caracterizadas estruturalmente como burocracias mecanizadas, profissionais e adhocracias (MINTZBERG, 2006) --, da existencia de grupos com objetivos diferenciados em relacao aos objetivos da instituicao, em razao de antagonismos politicos e ideologicos (ZABALZA, 2004), e da existencia de processos de tomada de decisao fragmentados em decorrencia da interferencia de diversos agentes e de liderancas localizadas reconhecidas pelos pares (HALL, 2004).

    A dimensao estrategica na universidade, foco deste artigo, distancia-se de um modelo classico, no qual ha uma estrategia unica, deliberada racionalmente e adotada por todos (WHITTINGTON, 2002). Aproxima-se mais de um modelo politico e simbolico (PFEFFER; SALANCICK, 1974) e interpretativo (CHAFFEE, 1985), no qual elementos como a cultura e o poder dos grupos especialistas sao fundamentais para as escolhas estrategicas.

    Autores como Chakravarthy e White (2002) destacam que em organizacoes complexas, como as universidades, a maioria das escolhas e conflitante. Sua cultura institucional deve ser compreendida como "um conjunto harmonico de faccoes e nao como uma unidade solida" (ELMORE, 1987), possibilitando que estrategias surjam em todos os niveis da organizacao, sendo a estrategia (um plano, um projeto, um documento com diretrizes) apenas um "guarda-chuva" (MINTZBERG; WATERS, 1985), um guia para a acao dos agentes. Muitas vezes, a estrategia e formada apos a ocorrencia da acao, na tentativa de que as pessoas entendam o que elas ja fizeram no passado, em uma criacao retrospectiva de sentido (WEICK, 1973).

    Nos modelos politico, simbolico e interpretativo, o papel das liderancas adquire novos significados. No politico e simbolico, o lider mobiliza fontes de poder disponiveis via estrategias politicas para influenciar resultados ou decisoes. Assim, por exemplo, adquire-se a informacao, gerenciam-se os especialistas e fazem-se os contatos com atores poderosos, visando o acesso a recursos escassos, a construcao de coalizoes e a cooptacao e neutralizacao dos oponentes (PFEFFER; SALANCICK, 1974).

    O modelo interpretativo de Chaffee considera como componente central da estrategia "a administracao de significados e a construcao simbolica e sua enfase em legitimidade, ao inves de lucros, produtividade ou outros tipicos objetivos" (CHAFFEE, 1985: 93). As liderancas agem manipulando simbolos em acoes nos diversos niveis da organizacao, na estrutura formal, no caso de universidades, os conselhos, congregacoes e departamentos, mas tambem em uma estrutura nao formal, como comissoes, foruns de discussao e eventos de capacitacao dos profissionais ingressantes, por exemplo.

    A dinamica desses modelos, proprios da universidade, e mais bem captada por meio do que se denominou de processo estrategico. Este define "o modo como as estrategias de uma organizacao sao formadas e implementadas e de que modo sao tomadas as decisoes e acoes que dizem respeito a execucao estrategica" (BULGACOV et al., 2007: 85). De forma mais especifica, o autor salienta que a abordagem processual amplia a analise da estrutura para a visualizacao dos sistemas de regras e comunicacao formais e informais, dos sistemas de agrupamento de trabalho e dos fluxos de...

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