A ans e o código de defesa do consumidor

AutorSimone Letícia Severo e Sousa
Ocupação do AutorDoutora em direito público. Professora universitária. Coordenadora dos cursos de graduação em direito e pós graduação em direito civil e direito processual civil da universidade José do Rosário Velano ? UNIFENAS-BH. Assessora judiciária ? TJMG
Páginas193-234
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A AnS E O CóDIgO DE DEFESA
DO COnSUMIDOR
Nesse capítulo tratar-se-á da Agência Nacional de Saúde e o Código
de Defesa do Consumidor, abordando a incidência do Código de Defesa
do Consumidor nas relações de assistência privada à saúde, bem como a
análise dos principais pontos da Lei n. 9.656/98 e sua regulação no que
se refere à proteção do consumidor.
6.1 AntECEDEntES hIStóRICOS
Apesar do Direito do Consumidor ser ramo relativamente novo, cabe
destacar que já existia uma preocupação com o consumidor no Código de
Hamurabi: “Consoante a “ lei “235 do Código de Hamurabi, o construtor
de barcos estava obrigado a refazê-lo em caso de defeito estrutural, dentro
do prazo de até um ano (...)”. (SANTOS, 1987. p. 78-79).
No período romano, de forma indireta, diversas leis também atin-
giam o consumidor, tais como: a Lei Sempcônia de 123 a.C., encarre-
gando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado;
a Lei Clódia do ano 58 a.C., reservando o benefício de tal distribuição
aos indigentes e; a Lei Aureliana, do ano 270 da nossa era, determinan-
do fosse feita a distribuição do pão diretamente pelo Estado. Eram leis
ditadas pela intervenção do Estado no mercado ante as diculdades de
abastecimento havidas nessa época em Roma” (PRUX, 1998. p. 79).
Daniel Firmato de Almeida Glória, explica que é antiga a ideia de
proteger o consumidor:
Todavia, a ideia de proteger o consumidor não é criação deste século. Há
quem denote já no antigo “Código de Hammurabi” (2.300 a.C) certas
regras que, ainda que indiretamente, visavam a proteger o consumidor.
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direito à saúde e políticas públicas
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Assim, por exemplo, a Lei n. 233 rezava que o engenheiro que viesse a
construir uma casa cujas paredes se revelassem decientes, teria a obri-
gação de reconstruí-las ou consolidá-las às suas próprias expensas. Na
Índia, no século XVIII a.C., o sagrado Código de Manu previa multa
e punição, além de ressarcimento dos danos, àqueles que adulterassem
gêneros – Lei n. 697 – ou entregassem coisa de espécie inferior àquela
acertada, ou vendessem bens de igual natureza por preços diferentes. Na
Grécia, também havia uma preocupação com a defesa do consumidor.
Em Roma, Cícero sempre chamava atenção nas causas que defendia,
para que se assegurasse sempre ao adquirente de bens de consumo du-
ráveis a garantia de que as deciências ocultas nas operações de compra
e venda seriam sanadas ou então, em caso de impossibilidade, haveria a
resilição contratual. (GLÓRIA, 2003, p. 12-13).
Os EUA, em 1914, criou a Federal Trade Commission, que tinha o ob-
jetivo de aplicar a lei antitruste e proteger os interesses do consumidor.
Em 1773, em seu período de colônia, o episódio contra o imposto do
chá no porto de Boston (Boston Tea Party) que foi uma manifestação de
reação dos consumidores contra as exigências exorbitantes do produtor
inglês. Posteriormente, a defesa do consumidor articula-se à trajetória da
regulação social pelo Estado. Observou a partir de então, um conjunto
de medidas que visam a proteção do consumidor.
No Brasil, o Direito do Consumidor surgiu entre as décadas de 40
e 60, (Século XX), quando foram sancionados diversas leis e decretos
federais legislando sobre saúde, proteção econômica e comunicações1.
A partir dos anos 60 e 70, do mesmo século, em seguida à Segunda
Grande Guerra e à deagração da revolução tecnológica, o consumi-
dor despontou denitivamente em importância assumindo a posição
que muitos reconhecem como hegemônica, calcada nos novos valores
expressos em direito à manutenção de melhor qualidade de vida, de ga-
rantia de emprego e ganho suciente às suas necessidades, de maior
participação na distribuição de renda, de presença e participação deci-
1 Dentre todas, pode-se citar: a Lei n. 1221/51, denominada Lei de Economia Po-
pular; a Lei Delegada n. 4/62; a Constituição de 1967 com a emenda n. 1/69, que
consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988, que apresenta
a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica (art. 170) e no artigo
48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que expressa-
mente determinou a criação do Código de Defesa do consumidor. Disponível em
< http://jus.com.br/revista.html>. Acesso em 13 mar 2013.
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sional em igualdade de condições com as demais categorias na política
de consumo traçadas pelos órgãos políticos e administrativos. (SOUZA,
1994, p. 459-460).
Mas, o consumidor brasileiro, na verdade, só despertou para seus di-
reitos na segunda metade da década de 80, após a implantação do Plano
Cruzado e a problemática econômica por ele gerada. A Constituição de
1988, nalmente, estabeleceu como dever do Estado promover a defesa
do consumidor e até um prazo para a elaboração de um Código para
esse m. (CAVALIERI FILHO, 2011, p. 7).
A Constituição Federal, ao tratar dos Direitos e Garantias Funda-
mentais, em seu artigo 5º, inciso XXXII, determinou que: “o Estado
promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
O crescimento da assistência médica suplementar ocorreu sem uma
legislação especíca que coibisse os abusos, com francas desvantagens
para os usuários. Na verdade, somente com o advento do Código de
Defesa do Consumidor, começaram a mudar as relações de consumo no
Brasil, com direitos e proteção para os consumidores como nunca antes
imaginados. Muitas pessoas declaravam o CDC como letra morta. A con-
trario sensu, a Lei nº 8.078/91 é responsável pela revolução das relações
de consumo e causou importantes transformações no mercado de saúde
suplementar, como a mitigação do princípio do pacta sunt servanda, que
cou relativizado.
Com o advento do CDC, as decisões judiciais passaram a considerar
o usuário hipossuciente, com a maioria das demandas julgadas em fa-
vor deste, gerando insatisfação para as operadoras. Claro está, que com o
a saúde passa a ser concebida como um direito do consumidor2.
Em vigor no Brasil, desde 11 de março de 1991, o Código de Defesa
do Consumidor (CDC), Lei nº. 8.078/90, representa um dos esforços
legislativos de maior sucesso, tornando-se modelo na América Latina3.
(MARQUES, 2010, p. 29).
2 De acordo com art. 6º, §1º: são direitos básicos do consumidor: a proteção da
vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no fornecimento de
produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.
3 Para Ruy Santacruz: O consumidor é denido como pessoa física ou jurídica que
adquire ou usa o produto ou serviço como destinatário nal; coletividade de pes-
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