Políticas de saúde no brasil

AutorSimone Letícia Severo e Sousa
Ocupação do AutorDoutora em direito público. Professora universitária. Coordenadora dos cursos de graduação em direito e pós graduação em direito civil e direito processual civil da universidade José do Rosário Velano ? UNIFENAS-BH. Assessora judiciária ? TJMG
Páginas43-121
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POlÍtICAS DE SAÚDE nO BRASIl
Nesse capítulo serão apresentadas as questões de políticas públicas
da saúde no Brasil, abordando a implementação dessas políticas como
mecanismo concretizador da efetividade do Direito à Saúde. Tratar-se-á
ainda nesse capítulo sobre o Direito à Saúde nas Constituições Brasi-
leiras e a ação e responsabilidade do Estado no exercício de atividade
dirigida à promoção da saúde e o artigo 196 da Constituição Federal.
3.1 BREvE hIStóRICO
A vinda da família real para o Brasil criou a necessidade da organiza-
ção de estrutura sanitária mínima, capaz de dar suporte ao poder que se
instalava na cidade do Rio de Janeiro. Porém, até 1850 as atividades de saú-
de pública estavam adstritas apenas à delegação das atribuições sanitárias
às juntas municipais e ao controle de navios e saúde dos portos.
Era imensa a carência de prossionais médicos no Brasil Colônia e no
Brasil Império, tanto que no Rio de Janeiro, em 1789, só existiam quatro
médicos exercendo a prossão (SALLES, 1971, p. 11), e em outros Esta-
dos brasileiros eram mesmo inexistentes. Ante inexistência proliferaram
os boticários (farmacêuticos que manipulavam as fórmulas) no país.
Com a Proclamação da República, estabeleceu-se uma forma de or-
ganização Jurídica-Política típica do Estado capitalista, mas, a falta de
um modelo sanitário para o país, deixavam as cidades brasileiras a mercê
das epidemias.
No século XIX, a Lei dos Pobres (1834) documenta uma das pri-
meiras incursões do Estado Brasileiro no campo da saúde. Com esta
lei, o Estado provia esses indivíduos por considerá-los tendencialmente
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direito à saúde e políticas públicas
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perigosos para a ordem e higiene públicas. No Direito Comparado é
clássico o projeto levado adiante na Prússia entre 1883 e 1889 por Bis-
mark, para a construção de um sistema de seguridade social voltado para
o proletariado e centrado nas corporações prossionais (lógica setorial),
que contemplava a assistência médica individual. Tal movimento abran-
ge outros países europeus, como França, Itália, países nórdicos, mas é
na Inglaterra do início do século XX, no período entre 1905 e 1919, que,
sob um alinhamento político progressista de inspiração igualitária, insti-
tui-se um seguro nacional de saúde aliado a um sistema scal fortemente
progressivo. (ELIAS, 2004, p. 3).
No século XIX, a questão era simples: a saúde pública cuidava dos
problemas coletivos, a saber, das epidemias, da vigilância e regulamenta-
ção de aspectos da vida econômica e social que interessassem à sociedade,
como eram os casos do controle de alimentos e do meio ambiente.
Apesar das arbitrariedades e dos abusos cometidos, o modelo cam-
panhista1 obteve importantes vitórias no controle das doenças epidêmi-
cas, conseguindo inclusive erradicar a febre amarela da cidade do Rio
de Janeiro, o que fortaleceu o modelo proposto e o tornou hegemô-
nico como proposta de intervenção na área da saúde coletiva durante
décadas. Neste período Oswaldo Cruz procurou organizar a diretoria
geral de saúde pública, criando uma seção demográca, um laboratório
bacteriológico, um serviço de engenharia sanitária e de prolaxia da fe-
bre-amarela, a inspetoria de isolamento e desinfecção, e o instituto so-
roterápico federal, posteriormente transformado no Instituto Oswaldo
Cruz. (POLIGNANO, 2010, p. 5).
Enquanto a sociedade brasileira esteve dominada por uma economia
agroexportadora, assentada na monocultura cafeeira, o que se exigia do
sistema de saúde era, sobretudo, uma política de saneamento destinada
aos espaços de circulação das mercadorias exportáveis e a erradicação
ou controle das doenças que poderiam prejudicar a exportação. Por esta
1 Modelo de intervenção cou conhecido como campanhista, sendo concebido
dentro de uma visão militar em que os ns justicam os meios, e no qual o uso da
força e da autoridade eram considerados os instrumentos preferenciais de ação. O
modelo campanhista baseou-se, principalmente, em campanhas sanitárias para
combater febre amarela, peste bubônica e varíola, implementando programa de
vacinação obrigatória e desinfecção em ambientes públicos.
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razão, desde o nal do século passado até o início dos anos 60, predo-
minou o modelo do sanitarismo campanhista. (MENDES, 1992, p. 234).
Em 1923, a Lei n. 4.682, instituiu o sistema de Caixas de Aposen-
tadoria e Pensão (CAPs), que num primeiro momento atendeu aos tra-
balhadores ferroviários e, posteriormente, aos marítimos e estivadores.
Em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública,
com desintegração das atividades do Departamento Nacional de Saúde
Pública (vinculado ao Ministério da Justiça), e a pulverização de ações de
saúde a outros diversos setores como: scalização de produtos de ori-
gem animal que passa para o Ministério da Agricultura (1934); higiene e
segurança do trabalho (1942) que se vincula ao Ministério do Trabalho.
Em 1953 foi criado o Ministério da Saúde, o que na verdade limitou-se a
um mero desmembramento do antigo Ministério da Educação e Saúde,
sem que isto signicasse uma nova postura do governo e uma efetiva
preocupação em atender aos importantes problemas de saúde pública
de sua competência. Em 1974 o sistema previdenciário saiu da área do
Ministério do Trabalho, para se consolidar como um ministério próprio,
o Ministério da Previdência e Assistência Social. (POLIGNANO,
2010, p. 10-11).
Do ponto de vista teórico, a chamada promoção à saúde surgiu pela
primeira vez com Henry Sigerist (1891-1957) na década de 40. Henry
Sigerist deniu as quatro tarefas primordiais da medicina, quais, sejam:
1. A promoção da saúde; 2. A prevenção de doença; 3. A recuperação do
enfermo; e 4. Reabilitação. Em 1965, a promoção da saúde foi incluída
na prevenção primária, medida destinada a aumentar a saúde e o bem-es-
tar geral (Leavell e Clark2). (MARTINS, 2008, p. 27).
Em substituição ao sistema extremamente fragmentário das CAPs,
foram fundados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), con-
gregando o conjunto dos trabalhadores de um dado ofício ou setor de
atividade.
2 Desde o início da década de 50 os cinco níveis de prevenção denidos por Leavell
e Clark vêm servindo de guia para uma atuação preventiva nos serviços de saúde.
Deve-se atuar sempre no sentido de prevenir um mal maior, quando a própria
doença não pode ser evitada. Os referidos níveis de prevenção são: 1. Promoção da
saúde; 2. Proteção especíca; 3. Diagnóstico e tratamento precoce; 4. Limitação do
dano; 5. Reabilitação.
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