Antecipação dos efeitos da tutela de mérito - acesso à ordem jurídica justa

AutorEmília Simeão Albino Sako
CargoEspecialista em Ciência Política e Desenvolvimento Estratégico pela Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR). Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Doutoranda pela Universidade Castilla de La-Mancha. Professora de graduação, pós-graduação e curso prepar
Páginas11-17

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1 Introdução

O Estado social pós-moderno tem procurado imprimir maior dinamismo e efetividade ao processo judicial a fim de proteger direitos e distribuir justiça. No Brasil, o legislador conferiu à parte uma tutela específica e imediata para recomposição de direitos lesados ou ameaçados de lesão - é o instrumento jurídico a que se denominou chamar de "antecipação dos efeitos da tutela de mérito". O Art. 273 do CPC autoriza o juiz a antecipar os efeitos da tutela de mérito, assegurando desde logo o resultado final do processo, realizando, de imediato, o direito material ou imaterial afirmado pela parte.

2 Tutela Jurídica e Tutela Jurisdicional

Tutela significa proteção. Juridicamente, é a proteção que o Estado confere à pessoa para que realize as situações consideradas eticamente desejáveis, segundo os valores vigentes na sociedade, seja em relação aos bens, seja em relação a outros membros do convívio, por meio de preceitos reguladores da convivência e as atividades destinadas à efetividade desses preceitos (DINAMARCO, 2001, v. 2). A vida, a saúde, a liberdade, o patrimônio, a propriedade, a personalidade etc., são bens especiais e necessários à sobrevivência digna do homem, e a eles o Estado dispensa especial proteção, vedando condutas que possam restringi-los, destruí-los ou eliminá-los. A convivência pacífica entre os povos pressupõe a existência de regras de conduta destinadas a regular o comportamento humano, assegurar direitos, disciplinar comportamentos, impor deveres. Tutela jurídica é a proteção de direitos assegurada pelas leis produzidas pelo Estado, segundo critérios de validade formal e material, e pelos princípios do direito.

Distinguem-se tecnicamente e quanto aos efeitos práticos tutela jurídica e tutela jurisdicional. Tutela jurídica é a proteção assegurada pela lei e pelos princípios do direito, enquanto tutela jurisdicional é a proteção conferida pelo juiz no processo. Tutela jurisdicional é "o pronunciamento estatal sobre o litígio posto ao conhecimento do Poder Judiciário" (PAULA, 2001, p. 100). O juiz, detentor do poder político emanado da Constituição, e no exercício desse poder, realiza no processo o direito, pacificando e eliminando os conflitos intersubjetivos de interesses. Segundo Cândido Rangel Dinamarco (2001, v. 2), compete aos órgãos jurisdicionais outorgar proteção àquele cuja pretensão seja merecedora dela.

A tutela jurídica, tutela abstrata, realiza-se no processo de forma real e efetiva. É no processo que o juiz concretiza a proteção conferida pela lei, por meio de procedimentos destinados à realização plena do direito buscado pela parte. A tutela jurisdicional classifica-se em: 1) tutela de conhecimento, quando o juiz resolve o conflito, acolhe ou rejeita a pretensão, proferindo uma sentença; 2) tutela de execução, quando o juiz pratica atos executórios, de imperium, visando à realização plena do direito já reconhecido pela ordem jurídica. O devedor, coercitivamente,

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é obrigado a cumprir a ordem judicial; 3) tutela cautelar, quando o juiz pratica atos destinados a evitar a perda ou o perecimento do direito em razão da demora do processo de conhecimento ou de execução. Visa garantir a efetividade do processo e a integridade do direito até que se solucione a causa principal (DOWER, 1999, v. 1). Segundo Bellinetti (1996), a tutela jurisdicional pode ser satisfativa ou nãosatisfativa, simples ou diferenciada, antecipada ou final, urgente e não-urgente. As tutelas jurídica e jurisdicional formam um sistema de garantias destinadas a prevenir, impedir ou reparar lesões de direito.

3 Acesso à Tutela Jurisdicional

Nos Estados democráticos, o acesso à justiça, ou seja, aos órgãos do poder judiciário, é um direito de todos os cidadãos. A base do acesso à justiça repousa nos direitos humanos, como decorrência natural da valorização da pessoa humana e de sua dignidade. Em situações conflitantes, a proteção jurisdicional é imprescindível para afastar o risco, o perigo, para determinar a reparação do dano (ONU, 1993).

Em épocas passadas, somente tinha acesso à justiça quem podia suportar o custo do processo. Os menos favorecidos economicamente não tinham acesso ao Poder Judiciário, pois realizar os comandos da norma jurídica, a fim de prevenir ou reparar lesão a um direito implicava custos além de uma longa espera. Aquele que necessitava do provimento jurisdicional para obter a declaração de que tinha razão deveria suportar o ônus da demora e de arcar com os elevados custos do processo. Embora a desigualdade econômica ou social representasse óbice à justiça, durante muito tempo não foi motivo de preocupações do Estado. Mas, com a evolução e o desenvolvimento dos direitos sociais, foram sendo afastadas as causas que impediam ou dificultavam o acesso ao judiciário, a fim de manter a igualdade de todos perante a lei. O Estado passou a promulgar leis que simplificaram o processo e tornaram o judiciário mais acessível.

As Constituições, os Tratados e as Convenções Internacionais consagram o princípio da isonomia no processo, em caráter de universalidade. O acesso simples, fácil e sem custos ao judiciário, bem como a obtenção de uma resposta dentro de um espaço de tempo razoável, representa garantia de justiça social. Nas últimas décadas, as instituições públicas foram aprimoradas visando garantir uma justiça acessível a todos e que fosse capaz de oferecer respostas dentro de um curto espaço de tempo, com vistas a assegurar uma igualdade material de todos perante a lei. A Constituição do Brasil, em seu Art. 5º, inciso LXXVIII, proclama como direito individual fundamental, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (BRASIL, 1988).

A igualdade de acesso ao judiciário, independentemente da condição econômica, financeira ou social do indivíduo, passou a ser uma aspiração de todos os Estados democráticos. A igualdade no processo, traduzida como igualdade de oportunidades, forma a base do princípio da isonomia, no qual se funda o acesso à justiça. Mas, não basta que a lei assegure a igualdade de acesso ao judiciário; é preciso garantir também o acesso à justiça, ou seja, a certeza de uma decisão rápida e justa. É o juiz, na sentença, que realiza a justiça, eliminando o conflito de interesses, extraindo do ordenamento jurídico as diretrizes que orientam a sua decisão, partindo da premissa de que toda regra jurídica abstrata se fundamenta no princípio da dignidade da pessoa humana e visa proteger os direitos fundamentais do homem. O acesso ao judiciário não é um simples princípio do direito, mas sim concreta e efetiva tutela de direitos (MARINONI, 2000). A igualdade de acesso e a celeridade no provimento jurisdicional conduzem à ordem jurídica justa, e o acesso à ordem jurídica justa é uma aspiração de toda a sociedade.

4 A Antecipação dos Efeitos da Tutela Coroamento do Acesso à Ordem Jurídica Justa

O maior óbice ao acesso às tutelas jurídica e jurisdicional é, e sempre foi, o tempo de duração dos processos, pois a demora do processo judicial conspira contra os ideais de justiça. Muitos fatores contribuíram e ainda contribuem para que o processo se prolongue no tempo, e dentre eles, destacam-se a deficiência ligada à estrutura arcaica do poder judiciário, a burocracia imposta pelo sistema legal, que confere mais prerrogativas processuais ao devedor, ao réu, do que ao credor, à vítima, o comodismo e a indulgência dos juízes que se mantêm apegados a fórmulas antigas de direção e condução do processo, permitindo que os processos se prolonguem mais do que o tempo necessário. Outros, como insuficiência de recursos materiais e humanos, o aumento gradativo e acentuado do número de demandas e a existência de um sistema recursal irresponsável e irracional, que posterga a entrega da prestação jurisdicional. A morosidade do processo atinge principalmente aqueles que contam com menos recursos econômicos. Estudos sociológicos revelam que não só a justiça é cara, mas ela pode ser mais cara para os menos favorecidos (MARINONI, 2000).

Para amenizar o problema da demora na entrega da prestação jurisdicional, o legislador brasileiro criou uma regra que permite à parte obter uma tutela imediata a fim de satisfazer de plano o direito lesado, sem ter de aguardar a decisão de mérito, seu trânsito em julgado e a execução. O Art. 273 do CPC autoriza o juiz a antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida na inicial sempre que houver receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Dentre as normas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, pode-se afirmar, sem dúvida, que este é o dispositivo que contém maior grau de efetividade do processo. Conforme acentua Marinoni (1996), o legislador corrigiu o equívoco de um procedimento que lançava os ônus do processo à parte lesada...

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