Antígona e O Mercador de Veneza: O Problema dos Valores no Direito

AutorRodrigo Reis Ribeiro Bastos e Flávio Humberto Pascarelli Lopes
Páginas23-38
Antígona e O Mercador de Veneza:
O Problema dos Valores no Direito
Rodrigo Reis Ribeiro Bastos
Flávio Humberto Pascarelli Lopes
Resumo: O presente artigo tem como objetivo debater a forma pela qual
os valores sociais são estabelecidos e quais os métodos de sua afirmação e
reafirmação pela via do Direito.Para tanto, utiliza como pano de fundo as
peças teatrais Antígona e o Mercador de Veneza.
Palavras-chave: Tragédia.Valores.Absoluto.Relativo.Argumentação.
Sumário: Introdução; Antígona; O Mercador de Veneza; Critérios valorativos;
Aplicação dos critérios valorativos em Antígona e no Mercador de Veneza;
Conclusão; Referências.
Introdução
Opresente texto tem como objetivo debater a forma pela qual os valores
sociais são estabelecidos e quais os métodos de sua afirmação e reafirmação
pela via do Direito. Para tanto, serão comparadas as duas peças teatrais de
autores, estilos e períodos diferentes. As peças têm em comum o debate en-
tre a percepçãode justiça e correção na aplicação do Direito vigentes em
suas respectivas épocas, problema que é até hoje comum a toda sociedade
ocidental e que, geralmente, é debatido sob o rótulo de justiça das decisões
judiciais. Como se verá, o problema é um pouco mais complexo do que se
mostra à primeira vista, já que sua compreensão dependerá das opções valo-
rativas do próprio intérprete na composição do sistema formal (quadro teó-
rico) usado para a análise.
Antígona
A tragédia Antígona de Sófocles faz parte de um conjunto de obras co-
nhecido como a Trilogia Tebana, que engloba três peças teatrais: Édipo Rei,
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Édipo em Colono e Antígona1. A trilogia trágica tem por inspiração o mito
de Édipo que é muito mais antigo e complexo do que sua forma poética mais
conhecida. Aqui, uso apenas o texto das tragédias de Sófocles sem discutir
o mito em si com toda sua extensão2.
Não é possível fazer nem sequer um breve e pobre resumo da tragédia
de Antígona sem expor antes sua ascendência e parentesco. Antígona é filha
de Édipo e Jocasta e irmã de Ismene, Polinices e Eteócles, sobrinha de
Creonte e noiva de Hêmon, que, por sua vez, é filho de Creonte e primo de
Antígona3.
A história de Édipo é bem conhecida (embora mal compreendida).
Quando Édipo nasceu da união de Laio e Jocasta, foi profetizado que ele ma-
taria o próprio pai e se casaria com a própria mãe. Para evitar esse desti-
no,Laio e Jocasta abandonaram Édipo, recém-nascido, com os tornozelos
atados, no monte Citéron onde foi recolhido por um pastor e entregue a ou-
tro que o levou para cidade de Corinto. Em Corinto, Édipo foi adotado
como filho do Rei Políbio e sua esposa Merópe. Ao se tornar um jovem adul-
to, um bêbado disse a Édipo que ele era adotado. Para sanar suas dúvidas,
Édipo foi ao oráculo de Apolo em Delfos, onde nada ouve sobre sua adoção
mas sim lhe é revelada a profecia segundo a qualele iria matar o próprio pai
e casar-se com sua mãe. Com a intenção de fugir da profecia, Édipo não re-
torna mais a Corinto. Na estrada, ao sair de Delfos, Édipo se depara com
uma liteira que carrega um ancião seguida de uma pequena escolta. Por uma
altercação que não é bem esclarecida, Édipo acaba por matar a todos, menos
um dos membros da escolta que foge. A essa altura, Édipo ainda não sabe
que o ancião morto por ele na liteira era seu pai Laio. Em seu caminho, Édi-
po chega a Tebas que se encontra atormentada por uma esfinge cujos enig-
mas propostos ninguém consegue solucionar. Ao se defrontar com a esfinge,
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1 O termo trilogia aqui é empregado fora de contexto na medida em que as peças
foram escritas e encenadas em momentos diferentes e em ordem diversa da narrativa,
na verdade embora Antígona se passe em um tempo narrativo posterior aos eventos
descritos em Édipo, em Colona, teria sido escrita encenada antes. Veja: Finley, M.L. Os
Gregos Antigos. Lisboa: Ed Edições 70, 1963. Página 85 a 99.
2 A cultura Grega clássica é eminentemente oral, os textos escritos são uma exceção.
Por isso os mitos, oralmente transmitidos, são muito mais ricos e complexos do que os
“poemas” compostos com base nesses mesmos mitos. Como parece óbvio, a riqueza da
tradição oral Grega só chegou aos dias atuais de forma fragmentária em textos esparsos
e sem a qualidade e a beleza das obras poéticas. Por isso mesmo existe a tendência de se
tomar a peça pelo mito. A esse respeito veja: Brandão, Junito de Souza. Mitologia Gre-
ga, Volume III. Rio de Janeiro: Ed Vozes, 1987. Página 238 e seguintes
3 Foram usadas duas edições distintas nesse texto, que são: Sófocles, Ésquilo. Rei
Édipo, Antigone, Prometeu Acorrentado. Rio de Janeiro: Ediouro, S.d. e Sófocles. Tri-
logia Tebana. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. Como os nomes dos personagens têm grafia
distinta, nas duas edições foi escolhida a grafia usada pela editora Zahar.

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