Aposentadoria Espontânea e Seus Efeitos no Contrato de Trabalho

AutorKátia Alessandra Pastori Terrin/Lourival José de Oliveira
CargoMestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)/Doutor em Direito Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP)
Páginas47-53

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1 Introdução

Tema assaz polêmico no campo do Direito do Trabalho, sobretudo ante a inexistência de tutela específica da matéria. Quando é trazida à baila a questão dos efeitos da aposentadoria espontânea do empregado no contrato de trabalho, a polêmica tem-se por instaurada, uma vez que tem sido objeto de controvérsia nos Tribunais.

Muito embora possam ser encontrados posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais no sentido de que a aposentadoria espontânea implica rescisão do vínculo de emprego e a eventual continuação da prestação obreira representaria a firmação de um novo contrato iniciado a partir do momento da concessão da aposentadoria, ressalta-se que o Ordenamento Jurídico brasileiro em vigência nos remete à interpretação contrária.

A concessão da aposentadoria espontânea não implica rescisão do contrato de trabalho, facultando, sim, a permanência do regular exercício das funções desempenhadas pelo empregado, sem qualquer alteração no contrato que mantém com seu empregador. Depreende-se, pois, que o artigo 453, caput, da CLT não se presta à disciplina dos efeitos da aposentadoria na continuidade do contrato, sendo necessária uma interpretação mais extensiva da matéria, sobretudo porque a norma jurídica não pode ser considerada isoladamente, ainda mais quando existem dispositivos legais outros que tratam o tema com bem maior propriedade.

2 Aposentadoria Espontânea e o Contrato de Trabalho

Os efeitos da aposentadoria espontânea do empregado no contrato de trabalho têm sido objeto de controvérsia nos Tribunais Regionais, fruto de interpretações diversas e por vezes imprecisas da sistemática legal aplicável ao fato.

Recentemente, a controvérsia sobre a questão acentuouse em face da Lei nº 9.528/97 que introduziu no artigo 453, da CLT, dois parágrafos, os quais foram suspensos em razão da concessão de liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 1770-4-DF e 1721-3-DF.

Com a decisão do mérito da ADin n. 1770-4 pela Suprema Corte, cujo julgamento se deu em 11.10.06, decisão publicada em 1.12.06, foi julgado inconstitucional o parágrafo primeiro do artigo 453, da CLT, o que levantou celeuma jurídica sobre os efeitos da aposentadoria espontânea no contrato de trabalho.

A princípio, cumpre olvidar que a Constituição Federal protege o empregado contra a despedida arbitrária ou sem

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justa causa. Também, a extinção do contrato de trabalho em razão de aposentadoria voluntária foi introduzida na CLT sem lei complementar, em descompasso com o artigo 7º, I da Constituição Federal.

Sendo assim, o STF, ao julgar a ADIN 1.721-3, declarou inconstitucional o § 2º do artigo 453 da CLT. Na fundamentação do seu voto, que enfocava a situação do empregado particular, o Ministro Relator Carlos Brito entendeu que a aposentadoria voluntária acabaria sendo maléfica ao empregado, pois determinaria o fim instantâneo do contrato, desconsiderando a própria e eventual vontade do empregador de permanecer com seu empregado.

A primeira decisão liminar foi assim ementada:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 3.º DA MP N.º 1.596-14/97 (CONVERTIDA NA LEI N.º 9.528/97), NA PARTE EM QUE INCLUIU § 2.º NO ART. 453 DA CLT. ALEGADA OFENSA À CONSTITUIÇÃO. O direito à estabilidade no emprego cedeu lugar, com a Constituição de 1988 (art. 7.º, I), a uma proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, consistente em uma indenização compensatória, entre outros direitos, a serem estipulados em lei complementar. A eficácia do dispositivo não ficou condicionada à edição da referida lei, posto haver sido estabelecida, no art. 10 do ADCT, uma multa a ser aplicada de pronto até a promulgação do referido diploma normativo (art. 10 do ADCT), havendo-se de considerar arbitrária e sem justa causa, para tal efeito, toda despedida que não se fundar em falta grave ou em motivos técnicos ou de ordem econômico-financeira, a teor do disposto nos arts. 482 e 165 da CLT. O diploma normativo impugnado, todavia, ao dispor que a aposentadoria concedida a empregado que não tiver completado 35 anos de serviço (aposentadoria proporcional por tempo de serviço) importa extinção do vínculo empregatício -efeito que o instituto até então não produzia -, na verdade, outra coisa não fez senão criar modalidade de despedida arbitrária ou sem justa causa, sem indenização, o que não poderia ter feito sem ofensa ao dispositivo constitucional sob enfoque. Presença dos requisitos de relevância do fundamento do pedido e da conveniência de pronta suspensão da eficácia do dispositivo impugnado. Cautelar deferida (STF -ADIn 1721-3, Relator Ministro Ilmar Galvão, DJU de 11/04/2003).

Observa-se que foi utilizado como argumento para o deferimento da liminar o fato de que a Constituição Federal considera devida a indenização do inciso I do artigo 7.º (40% do FGTS) na despedida arbitrária ou sem justa causa. Elucida ainda o Ministro Relator que o disposto no parágrafo 2º do artigo 453 da CLT, criou nova modalidade de despedida arbitrária ou sem justa (a aposentadoria espontânea como razão da extinção do contrato de trabalho), sem indenização, o que não poderia ter feito sem ofensa ao disposto no aludido inciso I do artigo 7.º da Norma Maior, que assegura a aludida indenização ao trabalhador.

Já no que tange a ADIn 1.770, a ementa da liminar teve o seguinte teor:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1.º DO ARTIGO 453 DA CLT NA REDAÇÃO DADA PELO ARTIGO 3.º DA LEI 9.528, DE 10.12.97, E DO ARTIGO 11, "CAPUT" E PARÁGRAFOS, DA REFERIDA LEI. PEDIDO DE LIMIAR. No tocante ao artigo 11 da Lei 9.528/97, não é de conhecer-se a ação direta, porquanto, tratando de norma temporária cujos prazos nela fixados já se exauriram no curso deste processo, perdeu a referida ação o seu objeto. Quanto ao § 1. º do artigo 453 da CLT na redação dada pelo artigo 3.º da Lei 9.528/97, ocorre a relevância da fundamentação jurídica da argüição de inconstitucionalidade, bem como a conveniência da suspensão de sua eficácia pelas repercussões sociais decorrentes desse dispositivo legal. Pedido de liminar que se defere, para suspender, "ex nunc" e até decisão final, a eficácia do § 1. º do artigo 453 da CLT na redação que lhe deu o artigo 3.º da Lei 9.528, de 10 de dezembro de 1997 (STF -ADIn 1770 -4, Relator Ministro Moreira Alves, DJU de 06/11/1998).

Outrossim, na ADIN 1.770-4, o STF ao declarar a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 453 da CLT, visualizase o fundamento de que a inconstitucionalidade do dispositivo legal em causa decorre do fato de que o mesmo pressupõe indiretamente que a aposentadoria espontânea do empregado extingue automaticamente o vínculo empregatício, o que viola os preceitos constitucionais relativos à proteção do trabalho e à garantia de percepção dos benefícios previdenciários, que por si só foi suficiente para se considerar relevante a necessidade de suspensão do dispositivo celetista diante dos prejuízos para os trabalhadores e das repercussões sociais decorrentes em tais situações.

Assim sendo, os §§ 1º e 2º do artigo 453 da CLT foram declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, nas ADINS 1770-4 e 1721-3 (julgamento de 11.10.06), respectivamente, gerando conseqüências de ordem jurídica e prática.

Bom registrar ainda que as decisões em comento, exaradas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, são imantadas de efeitos contra todos (erga omnes), com caráter retroativo (ex tunc) e vinculante.

Não sem razão que, tão-logo publicada a decisão da Suprema Corte, tratou imediatamente o TST de cancelar a OJ 177 de sua SDI-1, que outrora fixava: "A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria". Haja vista que tal sinalização jurisprudencial, por óbvio, revelava conteúdo oposto à conclusão enunciada pelo STF (FERNANDES JUNIOR: 2006 p. 130).

Contudo, há que se observar que o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 177 da Seção de Dissídios Individuais do TST, noticiada em 26/10/2006 por intermédio do Ministro Vantuil Abdala, presidente da Comissão de Jurisprudências, não significa por si só uma tomada de posição quanto ao mérito do assunto, mas sim uma maneira para que a jurisprudências evoluam naturalmente de acordo

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com as convicções de cada ministro, e que por conseqüência, uma nova jurisprudência surja com relação ao assunto.

Ressalta-se também que alguns entendem que as ADIns ns. 1721-3 e 1770-4 foram ajuizadas em face da Lei n. 9.528/97 que acrescentou os dois parágrafos no art. 453, da CLT e sobre os dois dispositivos é que se deu a apreciação do Supremo Tribunal Federal, restando incólume a redação do caput do art. 453, da CLT, que somente poderia ser afastada da ordem jurídica se fosse declarada inconstitucional com pedido expresso nesse sentido (MARTINS, 2007, p. 17).

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