Apresentação

AutorElisabeth Juliska Rago
Páginas47-62
Niterói, v. 10, n. 2, p. 47-62, 1. sem. 2010 47
NOSSO CORPO NOS PERTENCE?
DISCURSOS FEMINISTAS DO CORPO1
Lucila Scavone
UNESP/CNPq
E-mail: lucsca@uol.com.br
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar
o teor d os disc ursos feminista s sobre o
corpo no que concerne às permanências
e tran sform ações da s prát icas soc iais
reprodutivas. Parte-se do femini smo dos
anos 1970 até o período atual, em que o
crescente aperfeiçoamento da ciência e da
tecnologia médicas interfere no corpo e na
reprodução. Busca-se compreender como
os discursos inaugurais do feminismo con-
temporâneo sobre o corpo se desdobraram
nesse período, diante da intensificação do
uso dessas tecnologias na França e no Brasil.
O discurso feminista do autodomínio do
corpo deslocou-se para a análise da fusão
do corpo com as técnicas, que constroem
novas identidades.
Palavras-chave: corpo e feminismo; corpo e
reprodução; corpo e tecnologias.
1 Artigo resultante do texto “Nosso corpo nos pertence? Políticas feministas do corpo”, apresen-
tado no GT Gênero na Contemporaneidade, XXX Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu (MG),
outubro de 2006.
48 Niterói, v. 10, n. 2, p. 47-62, 1. sem. 2010
O objetivo deste artigo é analisar o teor dos discursos feministas sobre o
corpo no que concerne às permanências e transformações das práticas sociais
reprodutivas. Parte-se do feminismo dos anos 1970 até nossos dias, período em
que há um aperfeiçoamento crescente das técnicas de controle e interferência
no corpo pela ciência e tecnologia médicas. Busca-se compreender como os
discursos e práticas políticas inaugurais do feminismo contemporâneo sobre o
corpo – no que se refere à reprodução, especialmente, à contracepção, aborto,
reprodução assistida – se desdobraram nesse período, diante da intensificação
do uso das tecnologias, especialmente, na França e no Brasil.2
No final dos anos 1960, começo dos 1970, na Europa e nos Estados Uni-
dos, há a emergência de um movimento feminista autônomo e radical, que ao
propor a politização da esfera privada, dá visibilidade política ao corpo. Politizar
o privado significava ampliar a visão da política para além dos limites da esfera
pública e de suas implicações institucionais, como também, considerar que as
relações de poder entre os gêneros atravessavam as duas esferas, isto é, o con-
junto das relações sociais.
Essa questão surgia em um contexto histórico especial, no qual, os movi-
mentos, ditos minoritários, traziam à tona novos sujeitos políticos, novas iden-
tidades coletivas, novas problemáticas, que propiciavam contornos multiformes
à vida política e social. Negros, mulheres, pacifistas, estudantes, homossexuais,
entre outros grupos, conquistavam o direito de falar a partir de suas questões
específicas, na contramão dos discursos políticos tradicionais, que costumavam
falar em nome de um sujeito uno e universal. Esses movimentos sociais visavam
transformações profundas nas relações sociais, cada qual por meio de problemas
específicos. O feminismo, ao formular, teórica e politicamente, uma crítica aos
mecanismos de controle do corpo e da sexualidade feminina, entre outras ques-
tões, busca(va) subverter as relações de gênero que perpassa(va)m o conjunto
das relações sociais. Quais mecanismos de controle e qual crítica?
Pensemos na biopolítica que – segundo Foucault, surge nos séculos XVIII-
-XIX como uma nova tecnologia de poder, que passa a gerenciar o corpo por
meio do conhecimento de fenômenos que lhe são próprios, como a natalidade,
a mortalidade, a morbidade –, fortaleceu o controle social sobre os corpos pela
regulação/governo do indivíduo-espécie (FOUCAULT, 1994, SENELLART, 2004).3
2 Duas pesquisas fundamentam este artigo: “Estudos de Gênero e Feministas: relações norte-sul”,
CNPq/FAPESP (2006) que consiste em trabalho bibliográfico em revistas e livros feministas na
França e no Brasil de 1970-2000; “Relações de Gênero nas práticas da Esterilização e da Repro-
dução Assistida”, CNPq/UNESP (2005-2008) pesquisa exploratória sobre a questão-título.
3 Foucault introduziu este conceito para designar uma nova tecnologia de poder distinta dos meca-
nismos disciplinares individualizantes do século XVIII. A biopolítica tem como objetivo controlar/

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