Aqui estamos! Testemunho e reconstrução da história dos filhos de desaparecidos roubados durante a última ditadura militar Argentina

AutorAnalía Fridman
CargoBacharel em Psicologia pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina. Pesquisador autônomo,Florianópolis, Brasil
Páginas1-19
Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 19, p. 01-19, jan./dez. 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https: //doi.org/10.5007/1807-1384.2022.e90228
Artigo
Original
AQUI ESTAMOS!
TESTEMUNHO E RECONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DOS
FILHOS DE DESAPARECIDOS ROUBADOS DURANTE A
ÚLTIMA DITADURA MILITAR ARGENTINA
Here we are! Testimony and reconstruction of the history of the children of disappeared stolen during
the last Argentine military dictatorship
Analía Fridman
Bacharel em Psicologia pelo Complexo
de Ensino Superior de Santa Catarina
Florianópolis, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-7488-0248
A lista completa com informações da autora está no final do artigo
No hay historia muda.
Por mucho que la quemen,
por mucho que la rompan,
por mucho que la mientan,
la historia humana se niega a callarse la boca”.
Eduardo Galeano
RESUMO
O presente trabalho constitui um estudo sobre o caso das crianças filhos de desaparecidos, roubadas durante a última
ditadura militar argentina, que recuperaram a sua história na adolescência ou já adultos. Alguns desses jovens relataram
a experiência vivida, através de uma série de testemunhos que ficaram registrados num documentário. A partir da escuta
desses testemunhos realizei um percurso sustentado na teoria e experiência psicanalítica sobre a importância de
testemunhar como agente reconstrutor da própria história, analisei a função do nome próprio como traço essencial na
constituição subjetiva e abordei a noção psicanalítica de trauma e do estranho/sinistro (Unheimliche) para pensar os
efeitos e marcas da invasão do real na vida daqueles que tiveram que reconstruir suas origens e suas histórias.
PALAVRAS-CHAVE: Testemunho, Nome próprio, Trauma, Psicanálise, Ditadura.
ABSTRACT
This article presents a study of children of the disappeared stolen during the last Argentine m ilitary dictato rship, who
recovered their biographies during adolescence or as adults. Some of them told their experiences th rough a series of
testimonies recorded in a documentary. By listening to these testimonies I present an examination, based on
psychoanalytic theory and experience, of the significance of the practice of testimony as an agent of reconstruction of a
person’s biography; I analyze the role of one’s proper name as an essential feature in the subjective constitution; and I
mobilize the psychoanalytical concepts of trauma and strange/sinister ( Unheimliche) to think about the effects and marks
of the invasion of the real in the lives of those who had to rebuild their origins and their biographies.
KEYWORDS: Testimony. Proper name. Trauma. Psychoanalysis. Dictatorship.
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Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 19, p. 01-19, jan./dez. 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https: //doi.org/10.5007/1807-1384.2022.e90228
1 INTRODUÇÃO
As palavras de Eduardo Galeano que abrem este trabalho são precisas e me
permitem introduzir o assunto do qual pretendo me ocupar: a função do testemunho como
possibilidade de reconstrução da história de sujeitos que foram atravessados pelo trauma
extremo de uma descoberta sinistra. Trata-se especificamente dos filhos de desaparecidos
durante a última ditadura militar argentina1, instaurada entre os anos de 1976 e 1983, que
foram apropriados por pessoas alheias a suas famílias biológicas e tiveram seus nomes e
origens apagados. O foco deste trabalho foi colocado especificamente nos casos em que a
verdade veio à tona e eles se depararam com a imensa e infindável tarefa de reconstruir
suas histórias de vida.
Para a elaboração deste trabalho utilizei um material específico: um documentário
de 8 capítulos, intitulado “Acá estamos, historias de nietos que recuperaron su identidad2
onde 14 jovens dão testemunho da história vivenciada3. A escuta desses testemunhos me
permitiu pensar sobre a importância do ato de testemunhar como agente reconstrutor da
própria história e possibilitou realizar articulações com categorias do corpus teórico
psicanalítico como a noção de trauma, o sinistro (Unheimliche) e a força do nome próprio
como marca fundamental da constituição subjetiva. Este documentário é uma coprodução
da instituição “Abuelas de Plaza de Mayo4” e do Canal argentino Encuentro com roteiro e
direção da Paula Romero Levit e Pablo Fidalgo.5 Durante a última ditadura militar argentina
algumas centenas de crianças e bebés nascidos em centros clandestinos de detenção e
1 Embora chamo a última ditadura argentina (1976-1983) de “ditadura militar”, cabe salientar que
se tratou de uma ditadura cívico-militar-eclesiástica-empresarial. O golpe de estado foi planejado e
organizado por múltiplos setores de poder cuja cara mais visível foi a das forças armadas. Mas a
ditadura teve um protagonismo importante da população civil assim como de grande parte do
episcopado católico que emprestou claro suporte ao regime. Também houve cumplicidade de parte
do empresariado, donos de meios de comunicação, políticos e funcionários judiciais que apoiaram
e tiveram responsabilidade tanto nos planos de extermínio quanto na instalação de uma economia
de matriz neoliberal.
2 Aqui estamos, histórias de netos que recuperaram sua identidade.
3 Os filhos de desaparecidos recuperados que dão seu testemunho neste documentário são: Laura
Catalina de Sanctis, Gabriel Cevasco, Carlos D´Elia, Marcos Suárez Vedoya, Martín Amarilla
Molfino, Juan Pablo Moyano, Mariana Zaffaroni, Leonardo Fossati, Matías Reggiardo Tolosa,
Gonzalo Reggiardo Tolosa, Victoria Montenegro, Ezequiel Rochistein Tauro, Pedro Nadal e
Jorgelina Molina Planas.
4 Avós da Plaza de Mayo.
5 Editei, legendei em português e disponibilizei um compilado de 5 minutos de partes de alguns
dos capítulos do documentário. O mesmo pode ser encontrado em: https://vimeo.com/109652465.

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