Araci - Vara cível

Data de publicação20 Dezembro 2021
Gazette Issue3003
SeçãoCADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE ARACI
INTIMAÇÃO

8002202-87.2019.8.05.0014 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Araci
Autor: Elias Ferreira De Matos
Advogado: Jackline Chaves (OAB:BA60963)
Reu: Banco Bradesco Financiamentos S/a
Advogado: Ianna Carla Camara Gomes (OAB:BA16506)

Intimação:

Vistos, etc.

Dispensado o relatório, na senda do art. 38, da Lei 9099/95.

Tratam os presentes autos da pretensão de ELIAS FERREIRA DE MATOS, em obter prestação jurisdicional que determine obrigação de fazer, bem como condene o Acionado ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.

Em síntese, alega que o Acionado consignou em seu benefício previdenciário, a partir do mês de fevereiro de 2017, indevidamente o empréstimo n° 807959562. Informa não ter realizado qualquer transação financeira com o banco Réu que autorizasse os descontos mensais no importe de R$ 25,40 (vinte e cinco reais e quarenta centavos).

O Réu, em sua contestação, requer a tramitação em segredo de justiça, haja vista a necessidade de apresentação de informações bancárias; argui prejudicial de mérito, afirmando que o direito do autor está prescrito, vez que decorreu mais de 3(três) anos entre o início dos descontos e o protocolo da presente demanda; preliminar de distribuição por dependência aos autos n° 8004078-48.2017.8.05.0014; preliminar de conexão aos autos 80022010520198050014, 80022002020198050014 e 80021993520198050014; preliminar de incompetência, em razão da necessidade de perícia datiloscópica/grafotécnica; preliminar de ausência de pretensão resistida, sob o argumento de que a parte Autora não tentou resolver seu problema administrativamente; preliminar de inépcia da inicial, haja vista a não juntada, pela parte Autora, de comprovante de residência; e preliminar de incompetência territorial. No mérito, assevera a legalidade da contratação, ausência de ato ilícito, bem como refuta a pretensão indenizatória, além de requerer a condenação da Autora nas penas da litigância de má-fé e pedido contraposto, para que a mesma seja compelida a devolver o valor recebido pelo mútuo.

É o que importa circunstanciar. DECIDO.

Inicialmente, REJEITO o pedido de tramitação do presente processo em segredo de justiça, pois não houve apresentação de extrato bancário da parte Autora;

REJEITO a prejudicial de mérito, pois não há que se falar em prescrição trienal, mas quinquenal, conforme art. 27 do CDC.

REJEITO, ainda, o pedido de distribuição por dependência aos autos n° 8004078-48.2017.8.05.0014, na medida em que o referido processo encontra-se arquivado.

Tendo em vista a conexão entre os presentes autos e o processo de n° 8002201-05.2019.8.05.0014, determino a reunião dos mesmos, haja vista tratar-se de discussão sobre empréstimos consignados entre as mesmas partes, com a finalidade de evitar decisões conflitantes, com base no §3º, do art. 55, do CPC. Deixo de reunir com os processos nos 8002200-20.2019.8.05.0014 e 8002199-35.2019.8.05.0014, pois aquele foi extinto sem resolução do mérito, e este encontra-se em fase de recurso.

REJEITO a preliminar de incompetência do Juízo, por complexidade da causa. Consoante ENUNCIADO 54 do FONAJE, a menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material. In casu, o deslinde da causa não reclama produção de prova complexa, a exame da prova pericial.

REJEITO, ainda, a preliminar de ausência de pretensão resistida, pois o acesso à justiça independe de reclamação administrativa, com fulcro no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Finalmente, REJEITO a preliminar de inépcia da inicial, bem como a de incompetência territorial, haja vista que a parte Autora apresentou cadastro existente no Serviço de Proteção ao Crédito, no qual consta seu endereço na presente Comarca (id 40619888).

Passo a análise do MÉRITO.

A título de prelúdio insta registrar que a relação ora enfocada insere-se no plexo das nitidamente consumeristas, à luz dos preceptivos dos arts. e , do CDC.

Assim, é assegurada ao consumidor a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova, previsto no art. 6º,VIII, do CDC.

À luz dessas premissas iniciais, e analisando os elementos de informação contidos nos autos, verifico que a parte Autora colacionou aos autos a prova mínima apta a comprovar a verossimilhança de suas alegações, notadamente, no que se refere AO EXTRATO DO SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, que comprova a consignação do contrato sub judice.

Compulsando os elementos de prova, verifica-se que o Acionado não se desincumbiu do ônus probatório que lhe competia, na medida em que trouxe aos autos contrato que não preencheu os requisitos existentes no art. 595, do Código Civil, já que a parte Autora é analfabeta, in verbis:

Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.

Analisando detidamente os documentos existentes no id 67804665, constato que a forma prescrita em lei não fora observada, a saber: não há assinatura a rogo, mas apenas as de duas testemunhas, o que não valida o contrato supostamente entabulado entre as partes.

Evidenciando-se, por conseguinte, absolutamente indevida a conduta do Banco Réu em proceder ao desconto mensal no valor de R$ 25,40 (vinte e cinco reais e quarenta centavos), no benefício previdenciário de titularidade da parte Autora, referente a suposto contrato de empréstimo consignado.

Trata-se, portanto, de falha na prestação do serviço, ensejadora da responsabilidade objetiva, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

In casu, entendo que os descontos indevidos realizados pelo Acionado no benefício previdenciário da parte Autora, configuram danos extrapatrimoniais passível de indenização pecuniária.

Sabe-se que a doutrina e a jurisprudência majoritárias se alinham no sentido de que o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito, caracterizando-se in re ipsa, ou seja, nas palavras do festejado Sérgio Cavalieri Filho: “deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa... está demonstrado o dano moral” (Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2003. p. 99).

Dando a conotação aberta que a proteção da condição humana merece (e portanto fugindo de um rol de direitos da personalidade propriamente dito), numa perspectiva civil-constitucional, Maria Celina Bodin de Moraes vai além, afirmando que o dano moral refere-se à violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um prejuízo material, seja violando um direito extrapatrimonial, enfim, praticando em relação a sua dignidade qualquer mal evidente ou perturbação, ainda que não reconhecido como parte de alguma categoria jurídica ( MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos a pessoa humana: uma leitura civil constitucional dos danos morais. São Paulo: Renovar, 2003, p. 185)

Mas, também pelo viés punitivo, e da prevenção de danos, a repercussão da conduta da ré merece ser sancionada.

Perceba-se que o “paradigma reparatório”, calcado na teoria de que a função da responsabilidade civil é, exclusivamente, a de reparar o dano, tem-se mostrado ineficaz em diversas situações conflituosas, nas quais ou a reparação do dano é impossível, ou não constitui resposta jurídica satisfatória, como se dá, por exemplo, quando o ofensor obtém benefício econômico com o ato ilícito praticado, mesmo depois de pagas as indenizações pertinentes, de natureza reparatória e/ou compensatória; ou quando o ofensor se mostra indiferente à sanção reparatória, vista, então, como um preço que ele se propõe a pagar para cometer o ilícito ou persistir na sua prática.

Essa “crise” do paradigma reparatório leva o operador do direito a buscar a superação do modelo tradicional, a qual não se traduz no abandono da ideia de reparação, mas no redimensionamento da responsabilidade civil, que, para atender aos modernos e complexos conflitos sociais, deve exercer várias funções.

Ao lado da tradicional função de reparação pecuniária do prejuízo, outras funções foram idealizadas para a responsabilidade civil. Assim, avulta, atualmente, a noção de uma responsabilidade civil que desempenhe a função de prevenção de danos, forte na ideia de que mais vale prevenir do que remediar.

Conforme salienta Ramón Daniel Pizarro, tanto do ponto de vista da vítima quanto do possível responsável, a prevenção do dano é sempre preferível à sua reparação. O tema assume especial relevo em matéria de danos causados como consequência de uma lesão a direitos personalíssimos, como a intimidade, a honra ou a imagem.

Do mesmo modo, cresce a ideia, em países de tradição romanística, de uma função punitiva da...

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